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A Crise Humanitária Cresce no Paquistão

A agência de refugiados da ONU estima que mais de 180.000 dos afetados são crianças.

Civis paquistaneses deslocados da área tribal do Waziristão do Norte empurram carriolas com mantimentos fornecidos pelo Programa Alimentar Mundial na cidade de Bannu, 27 de junho de 2014. HASHAM AHMED/AFP/Getty Images. 

Quase meio milhão de pessoas foram deslocadas pela ofensiva militar do governo paquistanês na área tribal do Waziristão do Norte, e todos os sinais apontam que a crise deve piorar nos próximos dias e semanas. Muitas das pessoas deslocadas internamente (PIDs) buscaram refúgio nas cidades de fronteiras próximas, como Bannu, e, aparentemente, têm evitado os campos estabelecidos pelo governo. A agência de refugiados da ONU estima que mais de 180 mil dos afetados são crianças.

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Enquanto a crise humanitária cresce, aumenta a preocupação de que o Paquistão não seja capaz de minimizar os danos causados pela operação aos civis. “O exército não tem dado tempo suficiente para a evacuação”, disse o jornalista independente Taha Siddiqui à VICE por e-mail. “Mais de meio milhão de pessoas escaparam, a maioria a pé, mas eles deram poucos dias de toque de recolher relaxado, portanto, não estão se preocupando em evitar que esse êxodo em massa sofra contratempos. Ontem, encontrei muitos PIDs em Bannu cujas crianças morreram no caminho, já que o governo não forneceu nenhuma ajuda durante a evacuação, que aconteceu num período de temperaturas altas.”

A operação, apelidada de Zarb-i-Azb, começou no dia 15 de junho, depois da interrupção nas negociações de paz entre o governo e os Talibãs do Paquistão (TTP), que aconteceu quando o grupo atacou o aeroporto de Karachi juntamente com militantes uzbeques. O ataque deixou 30 mortos – incluindo todos os dez militantes – e serviu como um catalizador para que o exército realizasse o tão prometido ataque ao Waziristão do Norte, que abriga toda uma constelação de grupos insurgentes.

O Departamento de Estado norte-americano elogiou a operação assim que ela começou. “Há muito tempo temos apoiado os esforços do Paquistão para estender sua soberania e estabilidade por todo o país”, disse a porta-voz do departamento, Jen Psaki, numa entrevista coletiva. Quando a VICE perguntou, em 27 de junho, se o governo paquistanês estava fazendo o possível para resolver a crise, Marie Harf, a vice-porta-voz do Departamento de Estado, louvou os esforços do governo. “O governo paquistanês está trabalhando com afinco para resolver a crise dos deslocados e tem tomado medidas para facilitar as requisições burocráticas para operações humanitárias”, disse Harf por e-mail. A agência dos EUA para o desenvolvimento internacional contribuiu com US$8 milhões para a ação de socorro.

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Há anos, os EUA querem que o Paquistão desaloje os grupos militantes – alguns deles responsáveis por ataques às forças norte-americanas no Afeganistão, assim como ataques contra o governo paquistanês – de suas fortalezas nas áreas tribais, onde o governo central é virtualmente inexistente. O exército paquistanês e serviços de inteligência têm sido vagos sobre o alvo preciso dos ataques, e ainda não se sabe se a rede Haqqani – uma afiliada dos Talibãs do Afeganistão, que ataca regularmente as forças norte-americanas no país – é um alvo da operação.

Que papel o governo norte-americano tem na ofensiva, se realmente tem algum, também é uma incógnita. Harf disse numa entrevista coletiva em 26 de junho que “A operação atual é um evento inteiramente liderado pelo Paquistão”. Quando a VICE perguntou se os EUA estavam fornecendo inteligência, consultoria militar ou serviços de inteligência para o governo paquistanês, o Departamento de Estado disse que não tinha nada a comentar. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional também se recusou a falar sobre o assunto.

No decorrer das negociações de paz entre o governo paquistanês e o TTP, os EUA não lançaram nenhum ataque de drone às áreas tribais do Paquistão por mais de cinco meses, a mais longa “pausa” da administração Obama. Mas logo antes do lançamento da operação no Waziristão, três ataques com drones foram realizados no período de uma semana. Dois oficiais anônimos do Paquistão disseram que um dos ataques teve a “aprovação expressa” de Islamabad, segundo informou a Reuters. O Paquistão quase sempre condena os ataques de drones norte-americanos e essas afirmações anônimas foram contestadas pelo Ministério de Relações Exteriores do Paquistão.

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O programa de drones – coordenado pela CIA – começou em 2004 e já matou entre 2.310 e 3.743 pessoas, de acordo com estimativas da Bureau of Investigative Journalism. O programa começou com o que alguns críticos chamam de “matança de barganha”, quando – de acordo com Mark Mazzetti, jornalista do New York Times – a CIA matou um insurgente paquistanês (que não oferecia ameaça aos EUA) em troca de acesso ao espaço aéreo paquistanês.

O programa de drones causou muita destruição para os civis do Waziristão do Norte. No último outono, Rafiq ur Rehman, professor de ensino fundamental da área, viajou para os EUA para contar ao membros do Congresso como um ataque de drone matou sua mãe. Entrevistei Rehman e dois de seus filhos nessa visita e, enquanto conversávamos, sua filha fazia desenhos de drones voando sobre seu vilarejo. As tentativas de entrar em contato com Rafiq, para saber se ele teve que fugir de sua casa, não obtiveram sucesso.

Se a operação no Waziristão terá algum sucesso em desmantelar qualquer um desses grupos militantes, ninguém sabe. Líderes de vários grupos, incluindo o chamado “Talibã bom”, que não ataca o governo paquistanês, já receberam aviso prévio suficiente para deixar a área. “Esse Talibã bom, que ataca dentro do Afeganistão, já sabia da operação, segundo descobri por conversas com moradores locais, repórteres e fontes militares”, disse Siddiqui à VICE.

“Então, eles já tinham se mudado faz tempo”, ele acrescentou. “E, percebendo seus movimentos, os outros grupos não devem ter ficado parados. Portanto, o número de mais de 300 terroristas dado pelos militares à mídia é altamente exagerado, e, de qualquer forma, sem acesso para a mídia independente, não há como verificar.”

Siddiqui disse ter encontrado civis feridos nos bombardeios, que ele descreveu como “indiscriminados”, mas acrescentou que é impossível verificar quantos civis foram mortos ou feridos. “A maioria reclama da ação agressiva do exército contra a população civil, mas não há como saber se eles estão dizendo isso por serem simpatizantes do Talibã”, ele escreveu.

O ataque ao Waziristão do Norte não é a única tentativa recente do governo de tirar os militantes das áreas tribais. O exército paquistanês realizou operações militares muito criticadas no vale do Swat e no Waziristão do Sul em 2009, cujos efeitos ainda são sentidos. “Nas operações anteriores no cinturão tribal”, escreveu Siddiqui, “os refugiados continuam sem teto até hoje, mesmo quatro ou cinco anos depois da operação”.

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Tradução: Marina Schnoor