Resenhamos revistas pornôs para ninguém mais ter que fazer isso
Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

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Resenhamos revistas pornôs para ninguém mais ter que fazer isso

Antes que as publicações sumam de vez das bancas, analisamos o conteúdo pouco educativo contido em suas páginas.

Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

Lá, na mais alta das prateleiras de qualquer banca de jornal, estão elas. O triunfo de Gutenberg. Resistindo ao sol, à poeira e às intempéries da natureza, desbotadas por causa do abandono. Muitas vezes longamente encaradas, mas nunca adquiridas. São elas, as revistas pornográficas passando pelo último sopro de existência, finalmente vencidas pela rede mundial de computadores, que não exige dinheiro (quer dizer…), intermediários e nem precisa ser compartilhada com o amiguinho. Antes que as publicações morram de vez, comprei o máximo de exemplares que pude para finalmente dar adeus ao impresso adulto.

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Antes de começar a resenha, a verdade é que as revistas são bem chinelonas. Nos próximos parágrafos, tenham em mente a palavra "reciclagem". Porque essas publicações são isso: dezenas de fotos tiradas em sets de filmes pornográficos — gringos em sua maioria — e reutilizadas em papel vagabundo na forma de fotonovelas. Muitas delas existem só para justificar a venda de DVDs que vêm junto, que por sua vez também são reciclagem de filmes nacionais/gringos editados e vendidos com uma roupagem vagabunda. Sim, é basicamente isso.

Também existe uma certa desorganização quanto às edições. Nas diversas bancas pelas quais passei, me deparei com uma prateleira triste de revistas esmaecidas pelo sol. Nenhuma era de 2016, nenhuma era sequer de 2015. Todas eram muito antigas, porém atemporais à sua maneira. Para disfarçar a tristeza, o jornaleiro tentava colocar uma leva de Playboys e Sexys um pouco mais recentes ao lado das revistinhas vagabundas. Não deu muito certo.

Outra coisa, essas revistas são caras. Sim, sei que impresso é caro. Sei que distribuição em bancas custa dinheiro. Pensando nisso, muitas editoras vendem dois a três volumes empacotados juntos para justificar o preço das publicações e também tirar o que está encalhado no estoque.

Encontrei uma variedade maior de pornografia em uma banca no bairro paulistano da Bela Vista. Naquele mar de revistinhas reaproveitadas, a jornaleira me disse que elas ainda vendem bem apesar da internet. Segundo ela, os clientes mais assíduos são médicos residentes dos hospitais próximos. "Compram muito DVD também, de jaleco e tudo", explicou a simpática moça. "Eles nem têm vergonha porque já me conhecem, então tá sempre tudo separado aqui pra eles". Vale dizer que os DVDs evitam rastros e vírus, por isso que talvez eles sejam best-sellers nessa banca que fui.

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Antes de ir embora com minha sacola carregada de revistinhas, a moça me disse que nunca mais viu a molecadinha mais nova juntando uns trocos para comprar qualquer revista que seja de sacanagem. Graças à internet, essa juventude pode ver pornografia de graça no XVideos, e em sites congêneres, além de compartilhar sem medo de ser feliz muitos memes do Bolsonaro.

Vamos lá.

Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

BRASILEIRINHAS

Ah, a Brasileirinhas. Sempre onipresente no cotidiano brasileiro. Como escrevi na reportagem sobre a produtora lá em 2015, reciclagem (lembrem-se sempre dessa palavra) é a chave para ganhar uma graninha e evitar um estoque abarrotado de DVDs e revistas que ninguém quer comprar. Para vender o excedente, Clayton Nunes já tinha dado a letra que a solução foi espalhar esses DVDs no máximo de bancas e postos de gasolinas possíveis. Aí, vende-se o produto por um preço ultra popular e lucra-se com filmes antigos que não têm um mais valor no mercado.

Ou seja, das três revistas que peguei, nenhuma tinha data. Pode ser 2005 ou 2012. Nunca saberemos. Mas são antigas, já que na capa de uma delas está a cara do Alexandre Frota junto com uma atriz transex que sequer colocaram o nome.

Ver a cara avermelhada e o corpo estranhamente moldado por frustrações, loucura e whey do nosso Frotinha me fez perceber como funciona essa tal de diferença entre homens e mulheres na sociedade. Basta a mulher, uma vez na vida, decidir fazer um filme pornô que ela será tratada como pária. As pessoas logo falarão que ela não trabalha, que ela decidiu ir para a "vida fácil" ou que merece ser estuprada.

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As definições de "sexy" foram atualizadas.

Já Alexandre Frota parece ter conseguido achar um lugarzinho para a insignificância dele. Serviu de boneco de posto nas manifestações a favor do impeachment da Dilma Rousseff e até chegou a ser chamado para discutir os rumos da educação no país com o atual ministro da pasta, Mendonça Filho. Mas a parte boa de tudo isso é: não importa o que ele faça, ele sempre será o cara que transou com o pau meia bomba e olhos esbugalhados em filmes pornôs. Ou o cara que fez esse vídeo (que inclusive é introdução duma cena num filme da Brasileirinhas).

Seguindo em frente, as edições que adquirimos não fogem muito do conceito que expliquei lá em cima: fotonovelas que nascem com o reaproveitamento de filmes antigos. Diferentemente das outras edições, estas revistinhas da Brasileirinhas vêm com pouco texto escrito nas fotos e normalmente seguem um tema específico como Celebridades, Fetiche e edições reservadas a performers femininas.

Casual & Natural.

Fico imaginando o stress que as mulheres, outrora atrizes de pornô, passam quando um belo dia descobrem que seu filme de 2001 foi editado e reaproveitado para vender DVD em banca de jornal sem a sua autorização. Isso é a parte cruel dos direitos autorais na pornografia. Só que essa é outra história.

Só separei essa imagem por causa dessa tatuagem 100% fera perto da virilha do cara. Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil.

Quanto às revistinhas: fracas demais.

Nota: 3/10

Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil.

UNIVERSO SEX

As revistinhas da Universo Sex vêm empacotadas com mais duas ou três edições e são basicamente fotos de filmes pornôs gringos. Todas as revistas são separadas por temas enfadonhos tipo A Mulher do Patrão, Alunas da Pesada, Mulheres Gostosas e Carros Velozes e etc. Basicamente, todas seguem o roteiro de uma cena de pornô comum: preliminares mal feitas, boquete, penetração, muda de posição, penetração, muda de posição, penetração anal, close de sêmen no rosto da atriz terminando com uma frase engraçadinha que resume o enredo da ocasião.

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Todas as capas da 'Universo Sex' acompanham frases constrangedoras criadas por alguém que provavelmente nunca teve acesso à internet.

Misericórdia.

A diferença da Universo Sex para as Brasileirinhas é que os editores da US colocam mais textos nas edições, chamados de "relatos", para passar uma imagem mais real. Quando digo mais textos, digo que a maioria das histórias são carregadas de balões de falas contendo as onomatopeias mais deprimentes do mundo, seguidas de frases que jamais seriam ditas por qualquer ser humano que vive em sociedade. Quer dizer, a não ser que esse ser humano fosse alguém socializado em um porão até os 15 anos só tendo contato, a título de linguagem, com esse material, mas ainda assim eu acho difícil.

Parece verossímil.

Porém, está tudo lá: a tristeza que é a pornografia mainstream. Historinhas bestas da mulher do patrão que quer algo além do cartão de crédito do marido, das alunas safadas dando em cima do professor ou da mulher solitária que pede os serviços de um encanador. A única coisa que me chamou atenção foi uma história de um cara que vende frutas na quitanda da esquina e também de uma transa que foi feita para pagar a dívida no crime. Porém, só a premissa animou, o resto foi basicamente a mesma coisa.

Odeio quando isso acontece.

Tá.

No mar de revistinhas da Universo Sex, apenas uma saiu do comum. A chamada "Bonecas do Prazer" trouxe três fotonovelas estreladas por atrizes transex. Para justificar a presença delas ali, a maioria dos relatos sempre mencionava o "algo a mais" nas atrizes que apareciam nas fotos. Sim, um pênis. Nesses relatos sempre há a figura do homem com todo estereótipo de machão que carrega uma fantasia secreta que não pode revelar para ninguém que, no caso, é o fetiche por "bonecas". Há um detalhe importante: o machão nunca fica na figura de passivo e JAMAIS o pênis da transex é mencionado nos relatos.

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Realmente, a fragilidade masculina é algo a ser estudado.

Nota: 4/10

Foto: Larissa Zaidan/VICE Brasil

ABUSADA

Já mencionei esse impresso em uma reportagem sobre o Sexlog. A Abusada parece qualquer coisa quando você olha para ela, sozinha e chateada na prateleira, mas ela é até melhor do que você imagina. Acredito que ela seja um dos últimos registros impressos que consiga mostrar um pouco do que o rolê liberal representa pro Brasil.

O rolê liberal é algo especial porque ele gira em torno do sexo. E só dele. O que significa que ele não é restrito à heterossexualidade ou à bissexualidade eventual que só é aceitável entre casais que praticam swing em boates "exclusivas" em Moema. É uma cena mais aberta, permitindo várias modalidades que vão do sexo homossexual, inversão e também a massiva presença de mulheres transexuais e travestis. Todos juntos em nome de uma coisa: sexo. Talvez também um churrasco, mas sexo acima de tudo.

Um dos vários 'relatos' gays na 'Abusada'.

Essa revista reflete um pouco esse lifestyle. Então ao mesmo tempo em que você vai ver homem transando com mulher (piroca na pepeca), você vai ver mulher praticando inversão com homem (consolo no popô), dois homens transando e talvez (bem talvez) alguma coisa que remeta ao sexo lésbico. O esquema é simples: contos eróticos relatando transas, muita foto tirada de bancos de dados pornográficos e anúncios pessoais procurando pessoas ou casais para relações sexuais.

Acredito que seja um impresso mais popular. Na intenção apenas, porque ela custa R$ 10 e tem menos de 50 páginas. Ainda assim, o editor escolheu ilustrar as histórias com fotos de filmes pornôs brasileiros e ainda por cima existe essa mania de cobrir a cara de todo mundo nas imagens para, talvez, passar uma ideia de que são fotos tiradas nos próprios rolês liberais.

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São muitos elementos importantes nesta imagem. 1) Existe um motivo plausível para o ator usar esse traje de sheik árabe?; 2) A atriz fingindo que está morrendo; e 3) O título.

Uma possível sugestão para o seu CV.

Só que não adianta nada minha opinião antropológica sobre esse impresso. A Abusada é uma revista mediana que existe ainda por um milagre no mercado editorial. Os anúncios até chegam a ser engraçados ("impotente, mas viril"), mas são apenas retratos de um passado não muito distante do boom dos smartphones e internet 3G mais acessível.

A diferença é que a revista vende pra você uma imagem de possibilidade. Ah, você pode aparecer aqui. Você pode ir para algum churrasco liberal. Você pode transar com alguma mulher que está nessas páginas. Nada disso existe mais e a revista sabe disso, ela nem coloca o ano ou mês nas edições para essa faísca não apagar.

Como falei, a revista aborda temas variados.

Mandei um email para o editor Mário Lucena, perguntando por que a Abusada existe ainda. Recebi uma das respostas mais lúcidas possíveis: "O que você chama de revista não passa de simulacro. Este mercado acabou. Esta representação do sexo é antiga e ultrapassada. O sexo, claro, sobrevive, mas se quer realmente pautar o comportamento sexual atual, esqueça, mexer com revista e vídeo é revirar túmulos. Só o atraso justifica a presença de revistas em banca (não importa o tema). Livro tem seu charme, sobrevive, mas revista…".

Nota: 6/10 (pela sinceridade na chinelagem)

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