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natal

É Natal... e nós mentimos aos nossos filhos

Dias de família, amor e respeito, repletos de mentiras e sofrimento.
desfile de reis magos
Imagen usuario de Flickr: malojavio

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Aproxima-se o Natal e, com ele, a época das mentiras. Temos de preparar-nos bem, aprender o guião e actuar de forma credível. Pronto, ser o Marlon Brando lá de casa. É uma tarefa muito difícil, porque o papel que temos de interpretar é o de alguém que defende a existência de seres mágicos, seres como esse homem barbudo vestido de vermelho, que entra nas casas das pessoas e lhes deixa presentes.

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A fantasia e os seres mágicos não são assim tão maus, talvez sejam das poucas coisas pelas quais vale a pena viver. Pensa bem, durante um tempo muito curto das nossas vidas o nosso cérebro está disposto a aceitar a magia, a acreditar que o Mundo é um lugar maravilhoso, onde há seres que voam e oferecem prendas sem pedir nada em troca. A ilusão dura pouco. As crianças descobrem o segredo por volta dos seis ou sete anos e é um momento triste. É aquele momento em que a infância escorre entre as gretas da realidade e não volta nunca mais.


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A verdade é que nós – os adultos – metemo-nos bastante a jeito. Para começar, é tremendamente lixado tentar justificar a existência destes seres. Quando me oiço explicar que é ABSOLUTAMENTE normal que uns tipos venham a tua casa durante a noite, com os seus camelos e te deixem presentes, morro de vergonha. Tentar dar explicações lógicas não tem sentido. Este mundo de racionalização em que vivemos formatou tanto os nossos cérebros, que já não conseguimos engendrar fantasias fascinantes, daquelas que não carecem de credibilidade para existir. Não sabemos abrir as portas da fantasia que outrora povoavam a mente dos nossos antepassados e que geravam medos e alegrias nos petizes. Perdemos a capacidade de imaginar. Se tentamos fazê-lo, somos logo invadidos por uma sensação esmagadora de ridículo.

Curiosamente, e apesar de tudo, os miúdos continuam a acreditar nestas merdas. Como é que é possível? Como é que eu próprio pude algum dia acreditar nisto? Deve ter a ver com a recompensa, as prendas. Se me ofereces um apartamento no centro de Barcelona, eu acredito que a Terra é plana e que está cuidadosamente colocada em cima de uma mesa, enquanto dois irmãos disputam uma eterna batalha entre o bem e o mal. Não tenho problemas com isso, alinho sem nenhuma espiga. Porra, as crianças só querem fazer a primeira comunhão por causa das prendas que vão receber. Os putos são as putas da fantasia.

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Mas, ouve lá, é correcto mentires aos teus filhos? Dizeres-lhes que te deixem dormir, porque esta noite estiveste a "tratar de documentos importantes, até altas horas da madrugada", quando, na verdade, foste vítima de um carrossel infernal de pornografia cibernética, não é lá muito católico e tu sabes. Mas, porra, somos humanos, essas coisas acontecem.


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No entanto, mentires aos teus filhos com o intuito de expandir as suas mentes para fora deste mundo triste que é a realidade capitalista, pode ser algo positivo, certo? Errado. Se tenho que deixar de comprar discos, ou passar umas semanas sem sair ou beber copos, quero que se saiba que fui EU quem fez esse esforço e não um estúpido ser mágico, que apenas se limitou a trazer as prendas, sem o menor esforço económico.

Foda-se, o Natal exige um certo investimento e quero poder usufruir dos louros que mereço. Isto não é como um aniversário, em que qualquer boneco de plástico do chinês serve. Não. Isto é uma coisa séria. No Natal, um presente desse tipo não encaixa nem corrobora todas as mentiras que contámos. As personagens fantásticas que fazem parte desta farsa não têm pinta de ser forretas. Por isso, os pais estão perante uma encruzilhada mortal.

E depois de todo o dinheiro que desembolsam, nem sequer têm direito a uma recompensa emocional. Nem sequer podes dizer ao teu filho, com lágrimas nos olhos, que essas prendas foram oferecidas por ti, sim, tu que sais todos os dias de casa para trocar tempo por dinheiro, só para lhes poderes dar este mimo e mostrar-lhes todo o teu amor. Pronto, está bem, o amor não se mede com presentes. Deixemos, pois, que acreditem, porque, verdade seja dita, esta farsa só dura um par de anos. Dois anos de fantasia contra uma vida inteira de mediocridade, por favor, permitamos-lhes esse pequeno luxo.


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