Português está a criar plataforma online para garantir mais acesso à informação em Myanmar
Todas as fotos cortesia Pedro Pires dos Santos.

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Entrevista

Português está a criar plataforma online para garantir mais acesso à informação em Myanmar

Quando estiver totalmente funcional, o site "MyanmarPlatform" tem como objectivo facilitar o acesso à informação, num país onde isso é uma tarefa complexa.

Chama-se Pedro Pires dos Santos e é de Coimbra. Tem 21 anos, estudou Multimédia e realiza curtas-metragens. Em Setembro de 2017 partiu para o Vietname, onde combinou as suas filmagens com voluntariado. Três meses depois, em Dezembro, atraído pela ideia de filmar num país complexo e conflituoso, Pedro fez as malas e partiu para Myanmar, antiga Birmânia.

Ali, não foi o sucesso cinematográfico nem a curta-metragem perfeita aquilo que encontrou. Em vez disso, deparou-se com um país que, aos seus olhos, parecia estar, pouco a pouco, a desabar por entre em guerrilhas escondidas e informação abafada. Entretanto, ao fim de cinco meses sem conseguir encontrar emprego, começou a trabalhar como editor online do Myanmar Times e decidiu valer-se dos conhecimentos de multimédia para criar uma plataforma online, assente num mapa interactivo, com o objectivo único de facilitar o acesso à informação sobre o que verdadeiramente se passa naquele país.

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Vê: "Deixados para morrer: a minoria muçulmana da Birmânia"


Uma ferramenta "não só de consciencialização", diz à VICE, mas que "também pode ser útil para ONG's, diplomatas e qualquer outro interessado em ser agente nas negociações de paz que envolvem mais de 17 exércitos étnicos". Quando o site "MyanmarPlatform" estiver em pleno funcionamento, ao mapa interactivo podem acrescentar-se, por exemplo, as zonas onde estão a decorrer conflitos, o que, explica Pedro, "pode ser crucial para enviar assistência médica rápida ao local".

Num passo seguinte, o criador gostava também de poder contar com a colaboração de alguns meios de comunicação étnicos, muitos deles ostracizados pelo governo, de forma a que possam partilhar informação e, dessa forma, torná-la acessível a toda a gente, apesar de não ser fácil, refere, "dada a alta percentagem de população rural". Pedro diz que não está, obviamente, à espera de mudar o actual estado de coisas, mas que, pelo menos, quer ajudar. E, se há coisa de que o Mundo precisa - sempre - é de pessoas com boas intenções. Falámos com ele via e-mail.

Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

VICE: Olá Pedro. Como é que foste parar a Myanmar?

Pedro Pires dos Santos: Estava a viver em Hanoi, no Vietname, para filmar umas curtas-metragens e como fonte de rendimento dava aulas de inglês. Quando o meu visto estava prestes a expirar, a situação em Myanmar começou a intensificar-se e a ideia de ir filmar para um país numa situação tão complexa entusiasmou-me de imediato.

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Entretanto, acabaste por alterar um pouco esses planos. O que é que encontraste nesse país que te fez mudar de rumo ou, pelo menos, que te fez acrescentar uma nova direcção no teu trabalho?

O Myanmar (antiga Birmânia) é um país onde é muito difícil viajar e fazer contactos, principalmente depois de 50 anos fechado, a desconfiança do povo birmanês em relação aos “farang” (estrangeiros) é enorme e outra grande barreira é a língua - cada etnia tem mais do que uma. Isto dificultou-me seriamente a possibilidade de filmar uma curta, mas ganhei um conhecimento mais aprofundado sobre a vida do povo e sobre os desafios que ultrapassam. Fui reparando que, enquanto a nível internacional vamos estando mais ou menos informados sobre a situação birmanesa, o mesmo não acontece dentro do próprio território.

Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

Foi daí que começou a surgir a ideia da tua plataforma online?

A guerra civil - para facilitar a explicação e aos meus olhos de "espectador" - é uma guerra de várias frentes. Etnias umas contra as outras, que patrulham activamente os seus territórios. Não é só o problema com os Rohingya [ver vídeo acima], mas também com cada etnia – por exemplo a etnia Karen tem o seu exército próprio. A polícia civil anda excessivamente armada, a destruição nota-se nas ruas desgastadas de uma cidade que às 10 da noite já está a dormir.

Sempre achei que uma guerra fosse algo óbvio e aparente – aqui, percebi que não é bem assim. A guerra esconde-se nas montanhas, onde há paz já houve guerra e, por isso, há quem prefira viver em cabanas do que em casas para as poder mudar de sítio caso seja preciso.

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Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

No meio dessa desgraça e confusão de ideias e informação, onde é que entra a "MyanmarPlatform" que estás a criar?

Existe aqui um claro problema de desinformação. O povo não tem conhecimento do quadro geral – e talvez nem queira ter, visto que nem sabem exactamente quais os limites do território que vêem os soldados a defender, nem o porquê do excessivo armamento da polícia civil. É uma sociedade completamente rural, que vive do campo e da agricultura e, assim, afastada de jornais e de noticias em tempo real.

Por isso, a minha plataforma consiste num mapa interactivo e informativo, que irá incluir explicações do que se vai passando e onde, com a informação mais factual e neutra possível, no qual as pessoas podem acrescentar ao mapa interactivo um ataque ou algum tipo de disputa que esteja a acontecer em qualquer canto do país. A informação é, na minha visão obviamente europeia, um direito. Gostava de poder dar um bocadinho desse direito às pessoas daqui, àquelas interessadas em saber mais, pessoas que, talvez, com a ajuda da plataforma, possam até ser intervenientes na busca pela paz.

Estás a trabalhar nisto sozinho? Como é que está a ser desenvolvido o projecto?

O site está a ser desenvolvido por mim e não tem qualquer tipo de financiamento exterior, pelo menos por agora. Consegui o apoio da dez.digital e tenho contactos com jornais étnicos e instituições de cariz semelhante. O desenvolvimento da plataforma consiste em três frentes: a sua construção, que está a cargo da Innovagency, que utiliza o Google API de forma a fazer o mapa interactivo. A dez.digital irá ajudar-nos na divulgação e marketing digital e, o terceiro passo, é a manutenção contínua e a constante actualização de informação – feita a partir de Myanmar.

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Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

Quais são os riscos possíveis, dada a situação governamental de controlo militar do país?

Para mim, existe o risco de ser banido do país. Se, um dia mais à frente, jornalistas escreverem para a plataforma e essa informação for mal vista pelo governo, poderá haver riscos mais graves para eles, como serem presos. Para já, o máximo que me acontece é pedirem-me várias vezes o passaporte. Mas, na verdade, uma vez que a "MyanmarPlatform" esteja no ar e a bombar, não sei se terá alguma consequência real.

Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

Qual é o teu público-alvo?

Falar de um público-alvo é desafiante. Com o nível de detalhe que ambicionamos, poderá ser visto como informação desnecessária, ou em demasia, aos olhos do consumidor normal de notícias. Uma observação que foi feita durante o desenvolvimento desta plataforma por um membro de uma ONG é que poderá vir a servir de ferramenta para aqueles que estão a actuar directamente no processo de paz em curso e que envolve vários exércitos étnicos.

Foto cortesia Pedro Pires dos Santos

Partindo do principio que corre tudo da maneira que pretendes, qual é para ti o derradeiro objectivo da "MyanmarPlatform"?

O meu derradeiro objectivo é tornar este projecto auto-sustentável e conseguir mantê-lo enquanto for relevante. Trata-se de uma abordagem simples, digital e directa. Tendo consciência da situação actual social e política, não somos ingénuos ao ponto de achar que a vamos mudar. Quero, isso sim, disponibilizar informação – é um bem que deveria ser sempre de fácil acesso.


Se quiseres saber mais sobre o trabalho do Pedro Pires dos Santos ou entrar em contacto com ele vai aqui.

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