No último final de semana, o jornal argentino Clarín anunciou que arqueologistas da Universidade de Buenos Aires escavaram o que pode se tratar dos restos de um esconderijo nazista construído como refúgio para líderes fugitivos durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial. O sítio, no Parque Nacional Teyu Cuare, no extremo nordeste da província de Misiones, bem na fronteira com o Paraguai, sempre foi associado a mitos nazistas. Anos atrás, locais colocaram uma placa dizendo que algumas pedras acima do solo eram os restos da casa de Martin Bormann, o braço-direito de Hitler. Mas eles não tinham provas dessas ligações sinistras até que os arqueologistas encontraram a instalação inteira, que continha cinco moedas alemãs cunhadas entre 1938 e 1941, além de fragmentos de um prato feito na Alemanha.
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Daniel Schávelzon: Não é um prédio feito para se proteger de bombas nem nada assim. É um local de isolamento. Ele é composto de três construções no meio da floresta. Não é possível ver os prédios do rio. Tudo é coberto de vegetação. Um dos prédios é uma casa normal cercada por um grande muro. Outro é um celeiro ou algo assim. O terceiro fica no topo de uma colina, uma torre sobre os outros prédios abaixo, com grandes janelas sem vidro para se ver todo o entorno.[O lugar não poderia abrigar] mais de duas famílias ou um grupo de seis ou oito homens. Há só um banheiro, uma cozinha (provavelmente) e dois quartos, [além de] uma sala comum e uma pequena varanda, e só.Seria o suficiente para pessoas sobreviverem ali?
As condições do local são muito difíceis. Não é um bom lugar para se morar. Acho que ele foi planejado para ser usado como refúgio [pelos nazistas, pois], em 1945, ninguém vivia por ali. Não havia cidades próximas. Era um ponto realmente isolado. Não era um lugar legal para se ficar.Não é um local para se plantar. É impossível cultivar qualquer coisa lá. Aquilo é a selva. Talvez você pudesse caçar alguns animais. Mas é um bom lugar para pesca: há peixes grandes. A casa fica a dois minutos do rio.Quão isolado é o esconderijo? Quão difícil seria chegar até uma cidade?
Há como se chegar à cidade mais próxima pelo rio. Ninguém ia saber de onde você veio. Imagine: Misiones, em 1945, era o fim do mundo. Hoje, a cidade mais próxima fica a 60 quilômetros, mas só foi fundada em 1945. É uma cidade nova. Ali perto, só há trilhas para cavalos e caminhada.
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Achamos que isso foi construído antes do final da guerra. Provavelmente, durante 43 ou 44. Acho que não seria difícil para pessoas da Alemanha comandarem a construção, que foi feita por pessoal local, com recursos locais. Pelo que sabemos da literatura, da história, havia muitos espiões e pessoas trabalhando para os alemães aqui, como em outros países também. Acho que não seria difícil para um grupo de engenheiros vir até Misiones e fazer isso. Era um lugar isolado, e as pessoas ficariam felizes em arrumar um trabalho.Como o sítio foi encontrado se fica numa parte tão remota do país?
Hoje, o sítio fica num parque aberto ao público. Há pessoas morando em toda a área hoje. Há estradas a alguns quilômetros de distância.Uma dessas construções foi descoberta quando o parque foi aberto no final dos anos 80. As pessoas acharam as pedras e disseram: "OK, isso é uma casa". Há uma lenda que todo mundo repete de que essa era a casa de Martin Bormann, o secretário de Hitler, provavelmente porque havia muitos caçadores de nazistas americanos e europeus no sul do Brasil, Paraguai e nordeste da Argentina, tentando achar Mengele e outros nazistas. Esses caçadores de nazistas devem ter falado de Bormann. A casa nunca foi explicada – são três construções de pedra no meio do nada. Então, as pessoas associaram as duas coisas: prédios estranhos e um homem que as pessoas estavam procurando e pagando por informações. E parecia uma boa ideia dizer: "Essa é a casa de Martin Bormann!". Há uma placa dizendo isso, feita pelas pessoas no controle do parque cinco anos atrás. Mas ninguém tinha estudado isso até agora. Havia muito trabalho a se fazer no resto do país.
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Isso é algo completamente fora da minha linha de trabalho. Sou um arqueólogo urbano, trabalhando em cidades muito longe daquele lugar. Mas eu estava curioso, porque ninguém tinha escavado ali e não havia explicações.Não sou mais tão jovem. Tenho 64 anos e trabalho nesse campo há 40. Achei que era hora de fazer o que eu queria, não o que a instituição me mandava fazer [risos]. E esse era um projeto que estava na minha cabeça há anos. Então, meu grupo disse: "OK, hora de começar isso. Vai ser interessante". E foi mais interessante do que podíamos esperar.Somos poucos. Não temos muito dinheiro, não temos recursos. É nosso esforço e dinheiro do nosso bolso, e estamos tentando fazer o melhor possível.Encontramos artefatos [nazistas]. Mas nada a ver com Bormann.O que você pensou quando percebeu o que o sítio era? Quão importante é descobrir… não um rancho nazista, mas um pequeno forte escondido, para a arqueologia do seu país?
Fiquei preocupado, porque não estou acostumado [a trabalhar em sítios tão recentes]. E sou de uma família judia. Essas duas coisas juntas, e as condições do lugar… bom, foi muito interessante. Foi uma experiência.Não sei dizer quão importante é isso hoje. Acho que, para algumas pessoas, é muito importante. Para outras, deveríamos colocar uma pedra em cima disso de novo [risos]. Lembre-se de que nós [os argentinos] protegemos nazistas no governo Perón. Acho que muitas pessoas, no governo e em outros lugares, não gostam de falar sobre Perón e os nazistas. Para mim, isso é história, não política. Mas não sei…Siga o Mark Hay no Twitter.Tradução: Marina Schnoor