FYI.

This story is over 5 years old.

Motherboard

Investigadores criaram a primeira "máquina Enigma quântica"

Em teoria, seria um dispositivo capaz de usar fotões para criptografar mensagens por meio de chaves mais pequenas que os seus conteúdos. Na prática? Na prática é mesmo isso.
Em teoria, seria um dispositivo capaz de usar fotões para criptografar mensagens por meio de chaves mais pequenas que os seus conteúdos. Na prática? Na prática é mesmo isso. Imagem via Flickr/Darkday

Este artigo foi originalmente publicado pela nossa plataforma Motherboard.

Em 1949, o pai da teoria da informação, Claude Shannon, escreveu um artigo que provava que era possível criar uma mensagem perfeitamente segura, cujo código jamais seria quebrado, mesmo com todo o tempo e poder computacional do Universo.

De acordo com Shannon, isto poderia acontecer através de uma chave criptográfica gerada aleatoriamente, que fosse, ao mesmo tempo, tão longa como a própria mensagem e utilizada uma única vez.

Publicidade

O método de criação de uma chave aleatória não é importante. Shannon previu chaves perfeitamente seguras que utilizavam letras, palavras, ou mesmo a amplitude de um sinal de vídeo, para criptografar a mensagem. O aspecto mais importante é que a chave é totalmente aleatória, logo, não há absolutamente nenhuma relação com o texto original e não criptografado.

Uma mensagem criptografada e que utiliza um código totalmente aleatório, usado somente uma vez, é perfeitamente seguro, porque mesmo admitindo que só disponhas da força computacional para calcular todas as soluções possíveis para o código, acabarias com uma tonelada de mensagens coerentes, sendo impossível afirmar qual dessas mensagens é a solução correcta.

Nos anos que se seguiram ao artigo inovador de Shannon, a criptografia sofreu um renascimento e, agora, não é incomum utilizar métodos de criptografia que exigem computadores para resolver problemas de matemática tão difíceis que o universo acabaria antes de os computadores serem capazes de resolvê-los. Ainda assim, essas formas de criptografia não são tão seguras como Shannon gostaria, porque é totalmente possível que exista um algoritmo mais eficaz e capaz de quebrar o código em menos tempo. Acontece que os matemáticos ainda não o descobriram.

Essa jornada incessante em busca de uma mensagem segura estimulou Seth Lloyd, professor de informação quântica no MIT, a divulgar, em 2013, a teoria das máquinas Enigma quânticas. O dispositivo, cujo nome deriva da máquina de criptografia nazi denominada Enigma, utilizaria estados quânticos de fotões individuais para decodificar e criptografar mensagens, alterando propriedades da onda de fotões, como a amplitude, ou a frequência de onda.

Publicidade

Ao contrário da distribuição da chave quântica, que utiliza princípios da mecânica quântica para criptografar mensagens, as quais são então enviadas por meio dos canais de comunicação tradicionais, como a fibra óptica, ou as linhas telefónicas, a máquina Enigma quântica seria capaz de transmitir estados quânticos, através de um canal quântico entre o emissor e o receptor. Além disso, a chave utilizada para criptografar essa mensagem é mais curta do que a mensagem em si. Um método experimental de criptografia, conhecido como bloqueio de dado quântico.

A ideia do dispositivo era intrigante, porém, face às limitações tecnológicas, permaneceu unicamente em teoria. Isto até Maio deste ano, quando uma equipa de investigadores conseguiu, pela primeira vez, criar uma Enigma quântica verdadeira em laboratório.

A equipa de pesquisa foi liderada por Daniel Lum, um aluno de pós-graduação da Universidade de Rochester, que nunca tinha ouvido falar de uma máquina Enigma quântica até um ano antes, quando se deparou com um artigo de Lloyd na arXiv, que descrevia o dispositivo teórico. Intrigado, Lum levou a sua descoberta a uma reunião com o chefe do seu laboratório, o físico John Howell, e o elegeu como um possível projecto de investigação.

Encorajado pelo interesse dos seus colegas de laboratório na ideia, Lum entrou em contacto com Lloyd e mais alguns investigadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, que o auxiliaram no projecto de uma experiência que testaria a Enigma quântica de Lloyd.

Publicidade

A máquina Enigma quântica criada por Lum e pelos seus colegas tem por base um projecto elegantemente simples, porém, é notavelmente complexa na sua mecânica. No nível mais superficial, a máquina Enigma consiste em três componentes principais: um dispositivo capaz de gerar fotões únicos, dois moduladores espaciais de luz e um conjunto de nanofios de 8x8.

Para operar o dispositivo, um emissor (ou emissora, chamemos-lhe Alice) lançaria um fotão do cabo de fibra óptica através de um dos moduladores espaciais de luz. Esse modulador espacial de luz manipula a frente de onda do fotão, ao adicionar uma inclinação à onda e alterando a sua direcção, mais ou menos o que aconteceria se acendesses uma luz num espelho e começasses a balançar o espelho. A modulação desse fotão é a maneira como Alice consegue decodificar informações do fotão: a direcção a que Alice envia o fotão após a modulação é alinhada com um ponto bastante específico no conjunto de nanofios de 8x8, controlados pelo receptor (vamos chamar-lhe Bob).

Pode ser útil visualizar o conjunto de nanofios de Bob como um teclado, no qual cada um dos 64 nanofios representa uma tecla. Nesse exemplo, Alice comunica com Bob ao lançar fotões no teclado de nanofios, de forma a criar uma mensagem.

Se é isso o que uma máquina Enigma quântica pode fazer, então seria fácil para uma pessoa bisbilhoteira (digamos que chama Eve) ler as mensagens trocadas entre Bob e Alice. Bastaria que Eve medisse o sistema, enquanto o fotão se move através dele, de forma a determinar para qual tecla do teclado de nanofios ele se direcciona.

Publicidade

Assim, além de manipular a direcção pela qual o fotão viaja, para poder codificar as suas informações, o modulador espacial de luz também baralha a frente de onda do fotão, através da aplicação de um padrão aleatório à onda – se a frente de onda for inicialmente suave, então agora ela torna-se irregular. É assim que Alice criptografa a sua mensagem para Bob: ao deixar a frente de onda acidentada, ela desfoca o fotão, para que as hipóteses de que ele chegue ao ponto pretendido no conjunto de nanofios de Bob sejam incrivelmente baixas.

O padrão aleatório aplicado à frente de onda do fotão deriva de um livro de códigos público ao qual Bob, Alice e Eve têm acesso. Por meio desse livro de códigos, Bob e Alice podem estabelecer qual o padrão aleatório que será aplicado ao fotão antes que Alice o envie através do canal para Bob. Por causa do grande número de padrões aleatórios que poderiam ser aplicados ao fotão, é impossível a Eve deteminar qual padrão é necessário para clarificar a frente de onda do fotão sem ter acesso à chave que Bob e Alice escolheram. Quando o fotão chega a Bob, ela usa o seu modulador espacial de luz para clarificar a frente de onda do fotão, permitindo que, assim, chegue ao nanofio pretendido por Alice.

As vantagens deste método de bloqueio de dados quântico são imensas. Em primeiro lugar, por causa das limitações actuais da memória quântica, os estados quânticos (tais como os do fotão) não podem ser armazenados indefinidamente – eles irão, em algum momento, desconectar-se e ser absorvidos pelo ambiente. Normalmente, se uma mensagem criptografada de modo tradicional é interceptada, ela pode ser salva pelo espião, que pode tentar diferentes tipos de quebra de código, ou aguardar até dispor de informações que o ajudem a quebrar o código.

Publicidade

Porém, Eve tem uma única tentativa de clarificar o fotão enviado entre Bob e Alice – na sua primeira tentativa, ela terá corrompido a mensagem devido a um princípio fundamental da mecânica quântica, no qual a medição de um sistema quântico pode alterar o sistema. Supondo que ela não tenha acesso aos padrões aleatórios que Bob e Alice concordaram em aplicar ao fotão de antemão, as hipóteses de que Eve acerte no padrão à primeira são próximas de zero. Além disso, como os estados quânticos não podem ser armazenados indefinidamente, ela terá de efectuar a primeira tentativa de quebrar o código logo após interceptar a mensagem, antes que o estado quântico do fotão se desfaça.

Em resumo, o que Lum e os seus colegas conseguiram fazer com a sua investigação foi aprimorar o projecto de Shannon de mensagens perfeitamente seguras. Isto porque a chave é realmente mais curta do que a própria mensagem criptografada e também inclui uma nova chave secreta a ser usada na resposta. Isto assegura que uma dada chave jamais será utilizada mais do que uma vez.

Na sua experiência, Lum e os colegas criptografaram cada fotão com seis bits de informação. Desses seis bits, um foi utillizado para codificar a mensagem, 2,3 bits foram utilizados para codificar a nova chave secreta e os demais bits foram utilizados para a correcção de erros, a fim de corrigir informações perdidas durante a transmissão.

Cada vez que enviassem uma mensagem, codificariam-na numa onda de 63 fotões, transportando um total de 378 bits de informação. Isso significa que uma chave de 147 bits (2,3 bits por fotão) ainda era capaz de criptografar todo o pacote de 378 bits de informação (63 fotões com seis bits de informações cada).

Embora a máquina Enigma de Lum e da sua equipa seja somente a prova de um conceito, ela mostrou-se suficientemente sólida para receber uma crítica na Physical Review A, onde os resultados doestudo serão publicados nos próximos meses.

Enquanto isso, Lum e os colegas querem continuar a desenvolver o seu método de bloqueio de dados quântico. Além de testarem a sua força contra diferentes tipos de invasões, Lum afirma que é necessário descobrir como eliminar a perda de informações que inevitavelmente irá ocorrer durante a transmissão dos estados quânticos.

"A nossa investigação foi uma prova de princípio e entendemos que essa implementação nunca será útil para as comunicações de longa distância", afirma Lum. E conclui: "Muitas pessoas dizem que não vale a pena prosseguir, pois é um problema muito difícil, mas acredito que é possível diminuir suficientemente as perdas, para transmitir de maneira confiável os dados através de um canal quântico. O bloqueio de dados quântico ainda está nos seus primórdios".