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​A falsa liberdade de Marcola

Apesar de muita gente ter falado que o chefe do PCC deixaria a cadeia em 2017, ele pode — no mínimo — ficar preso até 2029.

Na noite de 12 de maio de 2006, sexta-feira, a maior organização criminosa da história do Brasil, o PCC, pôs em prática um ataque simultâneo a dezenas de alvos pela cidade e motins por cadeias em todo o estado. 59 agentes policiais foram mortos. A retaliação veio com força total, de farda ou capuz, e, nos dias seguintes, centenas de civis morreram por arma de fogo. Este bangue-bangue urbano moderno virou São Paulo do avesso, e, guardadas as devidas proporções, deixou uma marca profunda na psiquê coletiva da cidade, à lá 11 de setembro. Aproveitamos a ocasião de uma década dos Crimes de Maio para relembrar, com uma série de matérias em todos os nossos sites, a fatídica semana, um trauma social que até hoje tem imensa influência na sociedade paulista, das favelas ao Jardins, passando pelo Palácio dos Bandeirantes.

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Em 2014 uma reportagem noticiou com grande alarmismo que em 2017, o suposto líder máximo do Primeiro Comando da Capital, Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola), sairia em liberdade ao completar 30 anos de pena. Como o Brasil não admite prisão perpétua e nem pena de morte no seu sistema penal e, de acordo com a Constituição Federal, ninguém pode permanecer mais de 30 anos encarcerado, não pareceu uma nota tão absurda.

Porém, as informações não batem.

Marcola, de fato, passou metade da sua vida atrás das grades. Maior de idade (leia sobre sua vida antes disso aqui), sua primeira condenação na justiça foi em 1987 pelo crime de assalto à mão armada contra uma jovem, além de carregar outras acusações por roubo no ano anterior. Entretanto, o que efetivamente o manteve preso – e assim está até hoje – foi a participação em dois roubos milionários cometidos em 1998. A soma do assalto à mão armada, junto com dois roubos cometidos nos anos 1980 e os dois assaltos a banco resultaram em 39 anos de pena no regime fechado. Essa condenação ainda não foi cumprida nem pela metade por Marcola.

Sabemos que cálculos de matemática não são o forte dos jornalistas, mas mesmo para não faz sentido. Para discutir a suposta saída de Marcola no ano que vem, primeiro teríamos que considerar que ele está preso, sem interrupções, desde 1987.

Então, seguindo o raciocínio da reportagem, a contagem seria: 1987 + 30 anos de pena = liberdade em 2017. Certo?

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Mas como Marcola foi condenado de ter participado de dois assaltos a banco em 1998 se já estava encarcerado desde 1987? Vamos refazer as contas: se ele está efetivamente preso desde 1999 (isso que não estamos levando em consideração que antes disso ele fugiu da cadeia), então, teoricamente, apenas no ano de 2029 ele poderá sair em liberdade.

"É absurdo alguém chegar a pensar que ele sairia tão cedo", analisa Alexis Couto de Brito, advogado criminalista, doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor pela Universidade de Coimbra e coordenador do IBCCRIM.

O criminalista está correto. No decorrer da pena de Marcola, ele foi acusado de mais crimes que, ao todo, somam 234 anos de prisão. Em 2013, o TJSP decidiu manter a sentença de Camacho de 29 anos por ter ordenado o assassinato de Antônio José Machado Dias, juiz da vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente em 2003. No mesmo ano, o líder da facção também foi condenado a 160 anos de prisão por ser o mandante das mortes ocorridas na Casa de Detenção do Carandiru durante a megarrebelião de 2001.

Mesmo que não seja permitido ficar mais de 30 anos na cadeia, essas penas como a de Fernandinho Beira-Mar e do Bandido da Luz Vermelha de mais de 200, 300 anos, contam muito na hora de discutir a progressão no regime de pena à luz da Lei de Execuções Penais.

"Sim, a pessoa não poderá ficar presa mais de 30 anos. Só que ela não também não vai conseguir os direitos dela com base numa pena de 30 anos, ela vai conseguir os direitos dela com base na pena de 300 anos", diz o jurista. Então, no caso de Marcola, com 234 anos nas costas, ele terá que cumprir pelo menos 39 anos para começar a discutir se ele poderia ir para o regime semiaberto, o que depende de bom comportamento (talvez ser acusado de comandar uma facção criminosa, megarrebeliões e o Salve Geral de 2006 não seja exatamente uma prova de "bom comportamento").

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"Óbvio que quando cumprir 30 anos, ele teria que ser imediatamente posto em liberdade, mas são 30 anos na cadeia. 30 anos trancado. Isso que nem estamos levando em consideração que terão novas condenações durante esse período", frisa Brito.

É muito provável que ainda outros processos criminais em aberto sejam julgados, o que poderá estender ainda mais o tempo de Marcola no regime fechado. "Tanto ele quanto o Beira-Mar possuem processos em andamento, então com certeza o Marcola será condenado antes de completar os 30 anos de prisão. Porque se tiver algo guardado na gaveta, o pessoal vai tocar isso rápido. Não é uma forma correta, porque os processos deveriam ter andando normalmente, revelando uma parcialidade", diz.

Com isso, se não houver mais nenhum crime incumbido ao líder do PCC, ele poderá, sim, sair das grades em 2029. "Ele pode até ser preso preventivamente se estiver respondendo outros processos, mas essa prisão preventiva precisa ser justificada pelo juiz e baseada em dados objetivos que comprovem que ele poderá fugir ou comprometer prova no processo", explica.

O criminalista atenta que os poucos casos onde uma pessoa pode ser confinada por mais que o tempo permitido na Constituição só se aplicam aos inimputáveis, pessoas consideradas doentes mentais que receberam medidas de segurança para residir em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. "Mas nem isso o STF admite mais. Se a pessoa é considerada terrível, então que o sistema de segurança pública seja mais eficiente para evitar que ele cometa outros crimes."

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