Hong Kong

Um tiro e canhões d'água: os protestos de Hong Kong estão cada vez mais assustadores

Polícia e manifestantes usaram de violência no último final de semana nos protestos pró-democracia.
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Laurel Chor para Vice News.Um manifestante joga uma bomba de gás lacrimogêneo de volta para a polícia em Kwun Tong, 24 de agosto. (Foto: Laurel Chor para VICE News.)

HONG KONG – No domingo, a polícia disparou o primeiro tiro para o ar desde que os protestos começaram em Hong Kong 11 semanas atrás, um marco sombrio na luta da cidade contra uma proposta de lei de extradição que se transformou num movimento pró-democracia. Foi um dia de vários primeiros casos violentos: a polícia também disparou canhões d'água contra os manifestantes, pela primeira vez na história da cidade.

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Os manifestantes, enquanto isso, fizeram pouco para acalmar a tensão, jogando tijolos e coquetéis molotov durante dois dias das manifestações. Em resposta, a polícia os rotulou de “arruaceiros” e alertou que suas ações tinham “ultrapassado o limite de uma sociedade civilizada”.

Algo muito distante da relativa paz e harmonia da sexta-feira, quando cerca de 135 mil manifestantes deram às mãos por quase 64 quilômetros da cidade para formar a “Via Hong Kong”.

Mas agora os dois lados parecem esperar apenas mais violência nas próximas semanas. A polícia deu pouca indicação de que vai abandonar os métodos violentos de controle de multidão, e os manifestantes insistem que não vão recuar. Na verdade, parece que eles estão se preparando para uma batalha de longo prazo.

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Depois de apanharem e serem perseguidos por manifestantes, policiais sacaram suas armas contra observadores e jornalistas, e deram um tiro de advertência, em Tsuen Wan, 25 de agosto. (Foto: Laurel Chor para VICE News)

“Acho que [a violência] só vai piorar, mas claro que ela vem dos dois lados: uma mão não consegue aplaudir sozinha, certo?” disse Tom, um universitário de 24 anos que não deu seu sobrenome para evitar ser identificado pela polícia. “O governo não está disposto a responder nossas exigências, então vamos continuar.”

Pichações que apareceram em pontes e prédios da cidade só estimulam os manifestantes a lutar, com frases como “HK livre, ou Terceira Guerra Mundial” e “Se Hong Kong queima, o mundo queima”.

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Manifestantes invadiram um restaurante que acreditavam ser operado por tríades, grupos de crime organizado de Hong Kong, em Tsuen Wan, 25 de agosto. Foto: Laurel Chor para Vice News.

Alguns observadores tinham previsto que os protestos se acalmariam quando os jovens voltassem às aulas, mas Tom não acredita nisso. “Pessoalmente, acho que as manifestações vão continuar até pelo menos outubro ou novembro. No meu campus, colegas estão se preparando para entrar em greve.”

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Numa entrevista coletiva nas primeiras horas da segunda-feira, a superintendente de relações-públicas da polícia, Yolanda Yu, tentou colocar a culpa do caos do final de semana nos manifestantes, passando um vídeo com manifestantes atacando uma van da polícia com pedaços de pau e outro mostrando os manifestantes perseguindo e batendo em policiais, que então deram um tiro de advertência para o alto.

“Neste ponto, as vidas dos nossos oficias estão em grande perigo”, disse a porta-voz, explicando que o tiro de advertência foi “necessário e razoável”.

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A polícia usou canhões de água contra os manifestantes – pela primeira vez na história de Hong Kong – em Tsuen Wan, 25 de agosto. Foto: Laurel Chor para Vice News.

Para explicar o uso de canhões d'água, Yu disse que apesar de avisos repetidos aos “manifestantes radicais”, a polícia “não teve escolha a não ser usar o mínimo de força necessária para dispersá-los”. E os manifestantes realmente foram violentos, em vários casos batendo em policiais isolados ou vandalizando estabelecimento que acreditavam ser propriedade das tríades, os grupos de crime organizado de Hong Kong.

Mas a Força Policial de Hong Kong tem sido criticada pela comunidade internacional, com o Escritório de Direitos Humanos da ONU dizendo que revisou “provas críveis de que as autoridades estão empregando armas não-letais de maneiras proibidas pelas normas e padrões internacionais”.

No total, 86 manifestantes foram presos, o mais jovem de apenas 12 anos, e 15 policiais foram hospitalizados.

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A polícia marchando na frente de um shopping em Kwun Tong, onde houve enfrentamentos com manifestantes, 24 de agosto. Laurel Chor para Vice News.

É esperado que os protestos sem liderança, organizados em grande parte anonimamente pela internet, continuem até pelo menos 1º de outubro, o Dia Nacional da China. As manifestações planejadas para a próxima semana incluem uma passeata de defensores de animais em reposta a relatos de bichos de estimação expostos a gás lacrimogêneo, um protesto #MeToo para condenar relatos de policiais agredindo sexualmente mulheres durante e depois de suas prisões, e outra grande marcha pacífica para marcar o aniversário de cinco anos do Partido Comunista Chinês decidindo contra dar o sufrágio universal para os cidadãos de Hong Kong.

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Muitos em Hong Kong apoiam o movimento mas não participam necessariamente dos protestos violentos – como ficou claro com as 1,7 milhão de pessoas que participaram de uma marcha sábado passado. Mas muitos agora estão preparados para intensificar a violência a qualquer custo, especialmente se as exigências continuarem sendo ignoradas.

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A polícia dispara gás lacrimogêneo contra manifestantes em Kwun Tong, 24 de agosto, depois que uma marcha se tornou violenta, com manifestantes bloqueando a avenida e confrontando os policiais. Laurel Chor para Vice News.

“A maioria dos manifestantes já entendeu que protestos pacíficos não funcionam com Carrie Lam [a líder de Hong Kong]”, disse Michael Leung, 26 anos, engenheiro.

“Se o governo central decidir mandar suas tropas para acabar com os protestos em Hong Kong, estamos prontos para sacrificar nossos interesses, futuro e até nossas vidas”, ele continuou. “E muita gente está disposta a morrer por Hong Kong. Não podemos perder esta guerra, ou nossa liberdade e bem-estar serão eliminados pelo Partido Comunista.”

Matéria originalmente publicada na VICE News

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