Pessoas com tatuagens na cara explicam a sua opção

FYI.

This story is over 5 years old.

Viagem

Pessoas com tatuagens na cara explicam a sua opção

Ter uma implica muita coisa - podes ser visto como um "freak", podes ser tido como alguém envolvido em cenas obscuras, ou como alguém que esteve preso. No entanto, nem sempre é esse o caso.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Não é fácil encontrar pessoas com tatuagens na cara, mesmo em Nova Iorque. Ter uma implica muita coisa - podes ser visto como um "freak", podes ser tido como alguém envolvido em cenas obscuras, ou como alguém que esteve preso. No entanto, nem sempre é esse o caso.

Apesar da cultura das tatuagens na prisão ser algo bastante real, não é menos verdade que é algo que também existe na comunidade dos tatuadores em geral. No entanto, fazer uma pode ser complicado - há estúdios de tatuagens que exigem que a opção seja muito bem ponderada por quem a quer tomar, ou que a pessoa tenha já alguma tatuagem na cara e há até tatuadores que metem todos os contras em cima da mesa para ver se o cliente recua na intenção. Claro que, se souberes onde procurar, as barreiras também se desfazem muito facilmente.

Publicidade

Há uma ampla variedade de razões que levam alguém a fazer uma tatuagem na cara, dos clássicos lembretes sobre um determinado modo de vida, aos símbolos representativos da história pessoal, dos ícones culturais, às simples decisões idiotas.

Não importa o ímpeto motivacional, tatuar a cara implica uma dedicação profunda a um estilo de vida, uma cultura, uma carreira, ou a uma expressão pessoal que não pode ser revertida de forma fácil e totalmente "limpa". A VICE falou com cinco pessoas com tatuagens faciais para perceber a história por detrás das suas decisões.

Casey
25 Anos
Tatuadora no Estúdio Collar City Tattoo, em
Troy, Nova Iorque

Casey é artista tatuadora no estúdio Collar City, em Troy, Nova Iorque. Anteriormente trabalhou num outro estúdio, Fast Lane, na cidade vizinha de Castleton, onde um artista chamado Mitch Sousa lhe fez a primeira tatuagem na cara. O pássaro no lado esquerdo da face serve para lhe lembrar que deve sempre ser livre, enquanto a âncora no lado direito significa o oposto. Ela própria fez uma tatuagem facial a uma funcionária de outro estúdio onde trabalhou, em Alameda, na Califórnia.

Garante que, habitualmente, não recebe muitas reacções às suas tatuagens faciais - o espanto de algumas pessoas tem mais a ver com o seu aspecto no geral, que inclui tatuagens nos braços, peito, pescoço e vários piercings na cara. Dito isto, a tinta que ostenta na cara por vezes chama a atenção de "gajos um bocado nojentos" que acabam por se meter com ela. Casey, todavia, não tem qualquer arrependimento em relação a estas tatuagens. "Representam um comprometimento absoluto com a minha carreira e o meu estilo de vida".

Publicidade

Segue a Casey no Instagram.

Lucy
26 Anos
Vive em Brooklyn, Nova Iorque

As duas tatuagens na cara de Lucy são relativamente recentes. Foram feitas há apenas dois meses por um tatuador chamado Luka, no estúdio Ink It Up Tattoo, no Bronx. O nove debaixo do seu olho direito é um número que, ao longo da sua vida, lhe tem aparecido constantemente em diferentes ocasiões. Na numerologia, é o número da realização pessoal, do atingir metas, do acordar espiritual, de uma espécie de iluminação, bem como do amor próprio. A escolha de 09, em vez de apenas 9, "torna-o mais completo", sublinha Lucy.

Fez a tatuagem na altura em que começou a responder pelo nome Lucy, que tem também tatuado do lado esquerdo da testa. O nascimento de Lucy, que descreve como uma outra personalidade, é muito importante e inseparável das suas incursões artísticas, que incluem fotografar a cultura BDSM com recurso a máquinas descartáveis e tanto em locais públicos, como privados.


Vê também: "O rock de ginga na anca dos The Twist Connection"


A par da sua arte por vezes chocantes, as tatuagens são para Lucy uma forma de expressão. Apesar da crescente popularidade da cultura das tatuagens e da sua aceitação na cultura mainstream, Lucy acha que muitas vezes ainda são vistas sob um ponto de vista negativo, pelo que tatuar a cara acaba por ser uma forma de ir contra o que a sociedade espera.

Mas, mais importante, para ele é uma forma de encontrar uma espécie de positivismo corporal. Segundo conta, demorou muito tempo até conseguir aceitar o seu próprio corpo, especialmente quando se tratava de o incluir na sua própria arte. Algo que muitos viam como "estranho", mas que ele sempre entendeu como natural e bonito. "Tive que me sentir confortável com a ideia de tirar a roupa à frente de outras pessoas. Permitir-me estar numa situação vulnerável e acrescentar algo que não me era confortável". As suas tatuagens na cara são uma homenagem a esta personalidade que nasceu e que lhe permitiu crescer pessoalmente e atingir um outro nível de satisfação a nível criativo.

Publicidade

Segue o Lucy no Instagram.

Gavin
24 Anos
Natural de Houston, Texas
Vive em Troy, Nova Iorque

Gavin fez a sua primeira tatuagem facial durante a adolescência. Três pontos e uma cruz debaixo do seu olho direito, autoria de um amigo. Mais tarde, a imagem acabaria por ser tapada com uma nova tatuagem de um navio. ele explica que quando era mais novo costumava velejar e isso faz parte das suas melhores memórias de uma infância problemática vivida em Houston, no Texas.

Cobriu a tatuagem original quando se mudou para Oakland, onde os três pontos e a cruz eram confundidos com o símbolo de um gang. A imagem náutica foi feita quando trabalhava como aprendiz num estúdio local, cujo nome já não se lembra. Os gajos do estúdio não queriam fazer-lhe a tatuagem, mas, como se tratava de uma cobertura de algo já existente, acabaram por aceitar.

"Tatuei a cara porque achava que era invencível", realça Gavin. As suas outras tatuagens faciais incluem uma antiga alcunha ("Stardust", uma referência aos seus tempos de dealer na adolescência) debaixo do olho esquerdo, uma seta dupla mais abaixo e, no lado esquerdo da cabeça, duas mãos em posição de reza com a frase "it's all worth reaching for" - uma tatuagem que ele um grupo de amigos fizeram e que lembra um amigo que morreu e que tinha essa mesma imagem no braço. Quando lhe pergunto se se arrepende de alguma coisa, diz: "gostava de me parecer mais com um pai, do que com um condenado".

Publicidade

Eddie
Tatuador no Estúdio Armageddon Ink Gallery
Brooklyn, Nova Iorque

Eddie não sente qualquer arrependimento em relação ao "CS" tatuado na sua cara. "CS" significa "con safos" e diz respeito à cultura chicana. Pode ser traduzido por algo como "com respeito" e tem a sua origem na cena do graffiti das comunidades chicanas, em que era usado como elemento das assinaturas e como uma espécie de código de conduta (qualquer coisa marcada com "CS" era entendida como algo sobre a qual não se podia escrever por cima). E embora Eddie diga que, entretanto, este simbolismo já se tenha espalhado para além das comunidades chicanas, aqueles que conhecem esta ligação cultural têm, normalmente, muito orgulho nela.

A tatuagem de Eddie foi feita, em Fevereiro último, por Aaron Garcia (um amigo próximo e tatuador no estúdio Virginia Class Tattoo, em Manassas, Virginia), durante a Convenção de Tatuagens de Filadélfia. Segundo a tradição, uma tatuagem "CS" só pode ser feita por um amigo de confiança e que também tenha uma, de forma a garantir que percebe o peso cultural que lhe está inerente. Sobre as razões que o levaram a querer a tatuagem numa zona altamente visível do seu corpo, Eddie explica: "Porque para mim é uma honra ter esta tatuagem e não há melhor sítio para demonstrar o quão verdadeiro é esse sentimento!".

As reacções, assegura, têm sido positivas e, para ele, a tatuagem tem, também, um significado artístico importante. "Mostra que tanto os meus colegas tatuadores, como os meus conterrâneos me respeitam, por isso sinto-me verdadeiramente orgulhoso naquilo que faço e sei que terei sempre o apoio deles".

Publicidade

Segue o Eddie no Instagram.

Luka
29 Anos
Tatuador no Estúdio Ink It Up Tattoo
Bronx, Nova Iorque

Luka está totalmente envolvido no universo das tatuagens desde a adolescência e ostenta 12 tatuagens na cara. Estagiou e trabalhou em inúmeros estúdios, tanto no Bronx, onde nasceu, como em Los Angeles, mas só fez a sua primeira tatuagem facial em 2008, aos 22 anos. A maioria das 12 foram feitas pelos seus amigos Spider e Joel, da Tuff City Tattoos, porque lhe são próximos e são artistas que respeita e cuja evolução tem acompanhado ao longo dos anos. "Não confiaria em qualquer um para me tatuar a cara", garante.

A primeira que fez, na sobrancelha direita, diz "LA 1986". As letras são referência a uma ex-namorada, uma alcunha e à cidade californiana, onde passou parte da sua vida. E, claro, o ano é o do seu nascimento.

As tatuagens têm vários significados, sendo que algumas foram escolhidas pelas suas qualidades estéticas e outras por razões mais pessoais. Tem, por exemplo, uma frase em árabe na bochecha esquerda, escrita a vermelho, que significa "Sem Medo" e que escolheu para lhe lembrar que não deve ter medo de viver a vida. "É um lembrete permanente de que devo sempre viver de forma livre", justifica. "Muita gente, incluindo eu próprio, tem medo de viver e ainda mais de morrer".

A AK-47 debaixo do seu olho direito não tem nada a ver com gangs. É, isso sim, uma demonstração de respeito pela maravilha da engenharia desenhada por Kalashnikov. Como diz Luka: "É uma espécie de metáfora da pessoa que eu procuro ser. Inquebrável".

Publicidade

Outras tatuagens incluem um tubarão com um chapéu alto e um monóculo - um símbolo de dualidade, diz: "Eu sou uma alma gentil, mas por causa do que me rodeia e da forma como cresci, também tenho este lado de tubarão" -, lábios inspirados nas pinturas de Sylvia Ji, artista conhecida pelos seus trabalhos inspirados no Dia dos Mortos, ou o logotipo do filme 300 (de que Luka aparentemente gostou bastante quando foi lançado).

Por vezes ter aquilo que alguns consideram ser uma aparência "anormal", pode resultar em comentários mais desagradáveis. Uma vez, numa estação de comboios um gajo aos gritos chamou-o de diabo, assim do nada. "Foi simplesmente uma atitude mázinha", recorda Luka.

Nos últimos anos e com a idade a avançar - faz 30 este mês -, Luka tem levado mais a sério a tatuagem como forma de expressão artística e quer ganhar prémios e participar em cada vez mais convenções e encontros. E embora não seja uma coisa que faça frequentemente, já tatuou na cara de outras pessoas pelo menos uma dúzia de vezes, mas nunca pela primeira vez. No que diz respeito à sua própria cara, para já não planeia fazer mais. Mas acrescenta: "Posso sempre mudar de ideias".

Segue o Luka no Instagram.


Segue a VICE Portugal no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Vê mais vídeos, documentários e reportagens em VICE VÍDEO.