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Não é nostalgia, não é desdém pelo agora, pela juventude, pela nova vaga de música feita em Portugal e cantada em português, que Ribeiro diz apreciar e apoiar, apesar de "lhe soar tudo um bocado ao mesmo". É só uma constatação óbvia: o metal, depois de uma voltinha milionária pelo mainstream, quis voltar ao underground. Quis resguardar-se, proteger-se. Criou o seu próprio circuito, de festivais, de concertos, de fãs, de edições, de imprensa. A dimensão, a variedade de géneros, era e é suficiente para isso.E os Moonspell estiveram no centro desse turbilhão. Nasceram há 25 anos e passaram os últimos 20 na estrada, nos estúdios, a criar coisas melhores ou piores, conforme os gostos de quem os segue, a perder fãs e a ganhar fãs. Como acontece a todas as bandas que, a dada altura percebem que são mesmo uma banda, que são músicos e que a vida deles é aquela e não outra. Que têm de sair de casa dos pais e tentar, porque sabem que vão conseguir.
É por isso que os Moonspell, seja-se ou não fã, goste-se mais ou menos do que diz Fernando Ribeiro, siga-se ou não o trabalho da banda, são o que são: uma instituição do metal a nível internacional. Só que, em vez de serem uma instituição de efemérides, de comemorações, celebrações, aniversários e afins, escolheram outro caminho. E isso irrita muita gente. Escolheram não parar, arriscar sempre e continuar em frente. E pode parecer estranho dizer isto na altura em que se preparam para ir ao Campo Pequeno tocar três discos de enfiada, dois deles com 20 anos, e gravar um DVD. Mas não é. Estes gajos estão-se a marimbar para o que gajos como eu (ou tu, vá, porque eu ainda assim ouvi muito metal na vida e estive em muito concerto de pedal duplo a rebentar os tímpanos) pensam.São lobos. Com fome. Quarentões com filhos e vidas familiares, mas que não se deixaram cair no facilitismo do "mais do mesmo" atrás de "mais do mesmo". Ribeiro garante, no entanto, que não se sentem putos outra vez de cada vez que se entusiasmam por alguma coisa nova. Pelo contrário, sentem-se homens feitos, prontos a embarcar na aventura, mas conscientes dos tomates que foram ganhando com os anos."São lobos. Quarentões com filhos e vidas familiares, mas que não se deixaram cair no facilitismo do 'mais do mesmo' atrás de 'mais do mesmo'".
Tivemos exactamente esta conversa com a editora, éramos miúdos, não tínhamos qualquer experiência para lidar com eles, mas conseguimos muitas coisas, porque viram que estávamos a sério naquilo, que éramos trabalhadores e que dávamos tudo pela nossa música. E aí começámos a ver algum retorno daqueles três ou quatro anos em que andámos a tocar e a tocar, a ver a banda a crescer, mas que, no fundo, não tínhamos nada para contar.Acho que nenhum de nós se levantou uma manhã e disse: "vou ser músico". Talvez o nosso guitarrista, o Ricardo, tivesse mais essa inclinação. Aconteceu um bocadinho, por acaso, mas também não caímos de pára-quedas. Gostávamos da música, da estética, estávamos envolvidos no universo underground das fanzines e sentíamos que, para nós, isso era insuficiente e o que acontecia era insuficiente. Queríamos mostrar lá fora uma banda mais contemporânea, que abordasse mais temáticas e ideias, para além do thrash, ou do death. E foi por isso que fundámos os Morbid God primeiro e depois Moonspell.Como tal, só conseguimos chegar a essa consciência de que "somos mesmo músicos, vivemos disto e somos uma banda 'profissional'", lá para 97/98. Porque só fazíamos música, não fazíamos mais nada. E foi isso que dissemos à editora. Se estávamos a ser reconhecidos como uma banda importante, se o disco vendia tanto, também era altura de assumirmos isso. E eles perceberam. Podiam não ter percebido."Éramos miúdos, não tínhamos qualquer experiência para lidar com eles, mas conseguimos muitas coisas, porque viram que estávamos a sério naquilo, que éramos trabalhadores e que dávamos tudo pela nossa música".
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Eu não meto os ovos todos no digital. Nem pensar. A cena dos vinis é muito interessante. Agora tenho uma editora [Alma Mater Records] e acho que o vinil é uma espécie de win-win. As pessoas gostam… também sei perfeitamente que há muita gente que, porque quer seguir as tendências, ou o que quer que seja, compra o vinil e não o ouve. Mas, entendo que haja quem queira, simplesmente, ter o objecto físico e não sinta necessidade de o ouvir, que queira apoiar a banda, por exemplo… depois ouve noutras plataformas.
Isto para dizer que, para nós, Moonspell, o mercado físico é muito importante e continuamos a vender surpreendentemente bem. No mercado digital, por outro lado, não temos praticamente expressão. Quer dizer, temos um bom número de seguidores no Spotify - o que não significa que todos eles sejam utilizadores a pagar. Mas, a música já é uma coisa completamente imaterial, intangível, para fazer uma indústria foi o cabo dos trabalhos, como o foi para calcular royalties, por exemplo. Quando isso estava num esquema que, definitivamente, favorecia os intermediários, rapidamente se mudou tudo, mas para o seu contrário e o músico foi apanhado neste fogo cruzado. Houve muitas bandas que sofreram e muito com isto.Por exemplo?Eu, por exemplo, nunca achei que os Metallica, por serem milionários, fossem uns chorões quando entraram naquele conflito com o Napster. Pelo contrário, sempre os defendi e também fui atacado na altura, por causa dessa defesa. As pessoas tendem a olhar para o problema só de uma maneira, ou seja, "os Metallica são milionários, portanto nós podemos ter a música deles de borla". Se pensássemos assim em relação a tudo, era a anarquia. Se calhar era fixe, mas era a anarquia. Eu ia ali ao [restaurante do] Sá Pessoa, não tenho dinheiro, mas dizia que queria comer, comia e ia-me embora…"Eu, por exemplo, nunca achei que os Metallica, por serem milionários, fossem uns chorões quando entraram naquele conflito com o Napster".
A única coisa que ainda não existe é um reconhecimento verdadeiro do mainstream em relação ao Metal. Esse reconhecimento durou enquanto durou a febre do Black Album, mas, como os metaleiros têm sempre um bocado um sentimento de culpa, porque viemos do underground, trocávamos cassetes e essas coisas todas e depois tivemos sucesso. O Heavy Metal é um género precioso e apesar de, como eu, muita gente gostar de divulgar e de mostrar as coisas, há sempre esta espécie de medo de "estragar"…Mas, apesar de o Heavy Metal estar forte, nem todos os dias sai um álbum como o último dos Metallica… a criatividade tem-se perdido um bocado e essa coisa de as bandas fazerem todas o mesmo é uma questão que a mim me preocupa mais. A nós até já nos disseram que por cá a culpa era nossa, que secámos um bocadinho a cena."Sei perfeitamente que, ir em digressão com uma banda que faça a diferença e, se calhar, ir em digressão com os Moonspell fazia a diferença para muitas bandas, passa não só pelo querer, ou por estar à espera".
Eu sei perfeitamente que, ir em digressão com uma banda que faça a diferença e, se calhar, ir em digressão com os Moonspell fazia a diferença para muitas bandas, passa não só pelo querer, ou por estar à espera. Passa pelo investimento, pela estrutura, pelo risco. Nós não tínhamos nada quando nos metemos numa carrinha e fomos e arriscámos… Só nunca levámos uma banda portuguesa em digressão, porque nunca tivemos uma proposta séria para o fazer. Naquela altura, há 20 anos atrás, estávamos demasiadamente ocupados - e podem chamar-nos egoístas, mas acho que qualquer um faria o mesmo - em tentar perceber o que nos estava a acontecer.E, mesmo assim, tentámos divulgar bandas portuguesas e assinar bandas portuguesas, mas as editoras não quiseram, não acharam que havia continuidade. E isso também pode ter a ver com aquela cena do "portuguese metal", que é sempre muito death, trash e há milhentas bandas assim. Há poucas bandas de Gothic Metal, de Black Metal, de Folk Metal. Portugal ficou preso a uma cena que não funciona.
Por outro lado, também não queríamos passar a ideia de que os Moonspell são uma banda só de passado e era importante tocarmos o Extinct, porque foi o álbum que preferimos lançar, em vez de andarmos a comemorar os 20 anos do Wolfheart. Eu sempre disse que nós não somos uma banda de efemérides e não íamos cair num ciclo vicioso… para o ano faz o Sin 20 anos, depois há mais não sei quê para assinalar… podes andar o resto da vida nessa coisa.Nisto apareceu-nos a proposta e o projecto de gravarmos o DVD em Lisboa [concerto de 4 de Fevereiro, no Campo Pequeno] e avançámos para o espectáculo triplo. Os três ambientes e os três repertórios. É longo, é uma prova de fogo para os fãs, mas, em Guimarães, ninguém arredou pé até à última nota do Extinct, que é um álbum que correu muito bem e que nos trouxe novos fãs, mas também recuperou muitos fãs antigos, mais ligados àquela nossa vertente fantasista, se calhar.O conjunto até acabou por funcionar melhor do que estavas à espera?Funcionou. Claro que sim. É a mesma banda e temos a consciência de que há um fio condutor, mas há rupturas também. E depois não é só chegar e tocar os três discos de enfiada. A ideia é remeter as pessoas para cada contexto.O que é que aí vem depois destas comemorações?Encaixa ainda tudo um bocadinho no concerto do Campo Pequeno e na gravação do DVD. A nossa editora [Napalm Records] tinha-nos pedido um pequeno bónus para o DVD. Eu tinha duas ou três músicas escritas em português sobre o Terramoto de Lisboa. Trabalhámos nelas, fizemos um EP, mas depois, olhámos para aquilo e pensámos que tinha de ser um álbum.Ou seja, ainda este ano, vamos regressar a Portugal com uma coisa completamente diferente que é o primeiro álbum de Moonspell totalmente em português. E, é claro que estamos entusiasmados com os concertos, com o DVD, com os concertos que faremos entretanto na América Latina, com tudo, mas, para nós, é extremamente importante termos este equilíbrio que atingimos este ano. Não somos o tipo de banda que consiga estar a dar ao público a mesma coisa durante muito tempo. E, por isso, esta ruptura e este disco, que deverá sair em Novembro e que vai ser muito mais metaleiro. Vai ser, quase literalmente, um terramoto e uma espécie de renascer.Mudaste alguma coisa na tua maneira de escrever, por o estares a fazer em português?De certa maneira sim, mas já o tinha feito antes, embora noutros contextos e projectos de outra dimensão. O projecto Orfeu Rebelde, por exemplo, é uma boa referência, apesar de serem coisas muito diferentes.De vez em quando temos de perceber que a música é uma coisa visceral e simples e deixar que as coisas aconteçam. Aproveitar aqueles momentos de fome que temos por estar sempre a fazer coisas novas e canalizá-los para isto."Os três ambientes e os três repertórios. É longo, é uma prova de fogo para os fãs, mas, em Guimarães, ninguém arredou pé até à última nota do Extinct".