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Será que a carne Wagyu vale mesmo tanto assim?

Me encontrei com o autoproclamado chefão da ‘Wagyumafia’ para descobrir.
Todas as fotos pelo autor.

O autoproclamado chefão da Wagyumafia transporta a carne em maletas de prata. Ele viaja com três seguranças de cara fechada e tem licença para carregar uma katana. Durante anos ele escondeu seu rosto da internet, com medo de que a grande indústria da carne desse um fim à sua pregação clandestina da carne Wagyu a qualquer custo.

Brincadeira! Vestido todo de preto, com o cabelo grisalho num corte estilo Copa do Mundo, Hisato Hamada parece o personagem principal de algum filme, o típico chefe da máfia do cinema, mas a única lâmina que ele carrega é uma faca de chef. A indústria da carne no Japão é notoriamente cautelosa – demorou dez anos pra que ele conseguisse se infiltrar – mas hoje ele representa o que acredita ser o top 0.001% dos produtores. Hamada não teme nada, exceto bifes queimados.

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A amplitude de seu negócio em Tóquio é impressionante, e inclui um açougue, quatro restaurantes, uma academia de culinária e uma rede de distribuição para 20 fazendas. Além disso, ele está prestes a expandir seu império para a cidade de Nova York com um único restaurante "cozinha de açougue" exclusivo para membros, que ele considera a versão de carne bovina do lendário mercado de peixe de Tsukiji. Durante o dia eles venderão wagyu no varejo; durante a noite, uma refeição custará entre US$ 100 [uns R$ 380 na cotação atual] à la carte a US$ 500 [uns R$ 1900] por um menu completo, mas não será apenas um típico bom jantar.

“Quando se trata de wagyu, muitos lugares querem que você fique sentado por horas porque os ingredientes são muito caros,” diz Hamada com um sotaque que adquiriu passando metade de sua vida na Austrália, na Inglaterra e nos EUA. “Mas eu amo comida de rua, então tenho um estilo livre. Eu sei grelhar, fazer gyoza, takoyaki, bifes, qualquer coisa.”

Se você não comeu carne wagyu, sua conta bancária agradece. Em churrascarias como a RPM Steak, em Chicago, wagyu mais barata custa mais do que o filé mignon mais caro e é uma fração do tamanho, mas a cor da gordura é tão intensa que a carne parece quase tingida. Os criadores de gado, os chefs e os grandes frequentadores de churrascaria acreditam que o sabor é incomparável, mas vale mesmo a pena?

Os dados sugerem que os clientes acham que sim. A Associação Nacional dos Produtores de Carne Bovina relatou que as vendas de wagyu aumentaram 334% de 2012 para 2017 (155 toneladas para 528 toneladas), mas ainda é um pequeno 0.05% das vendas totais de carne bovina. Durante o mesmo período, as vendas da carne Prime também aumentaram 356% alcançando 0,4% das vendas totais. Mais fazendeiros americanos estão criando raças de wagyu domesticamente, fazendo com que o registro na Associação Americana de Wagyu aumentasse 400% nos últimos cinco anos. Apesar desse crescimento, quem zela pela pureza da carne como Hamada afirma que a wagyu americana é uma contradição de termos.

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“Wagyu significa literalmente carne japonesa. Tem que ser nascida no Japão, criada no Japão e abatida no Japão. Quase sempre a wagyu americana ou australiana é híbrida. Terminologicamente falando, não é wagyu,” diz Hamada, que é embaixador da Kobe, a maior marca de wagyu que existe.

George Owen, diretor executivo da Associação Americana de Wagyu, discorda. As linhagens americanas de wagyu datam de 1970, quando quatro bois foram importados para os EUA, seguidos por várias fêmeas nos anos 90. Pouco tempo depois, o Japão passou a considerar seu gado um tesouro nacional e encerrou todas as exportações.

“A Associação Americana de Wagyu registra vários níveis diferentes da carne. As de sangue puro que são importadas diretamente do Japão, tiveram o DNA verificado a cada geração,” diz Owen. “A mesma base genética usada no Japão na produção da marca Kobe é a genética que usamos nos Estados Unidos para produzir a carne wagyu. Mesmo gado, país diferente.”

Parte do argumento de Hamada para a supremacia japonesa vem da meticulosidade de seus fazendeiros. Ele visitou 300 fazendas, das quais apenas 20 atenderam aos seus padrões. Os bezerros passam os primeiros anos de suas vidas apenas pastando, depois iniciam uma alimentação com fórmulas de grãos que incluem até 15 ingredientes, desde azeitonas até subprodutos de cervejarias japonesas, mas nunca aditivos químicos que diminuam o tempo de produção. Produtores americanos como o Rocking 711 Ranch, em Victoria, Texas, se orgulham de seguir padrões de alimentação similares, mas admitem que as práticas de aceleração da produção, muitas vezes usadas nos EUA, afetam o sabor.

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“Eu já comi carne wagyu produzida no Japão e também já comi carne de sangue puro produzida nos EUA,” diz Jim Long, proprietário da Rocking 711. “No que diz respeito ao sabor, a wagyu de sangue cem por cento puro tem uma textura mais gordurosa e mais macia. Mas nem todas as wagyu de sangue puro produzidas nos EUA são tão boas, porque nem todos os produtores finalizam o processo no mesmo período de tempo em que é realizado no Japão.”

Mais importante ainda, Hamada julga cuidadosamente o caráter de seus agricultores. Se eles não são pessoas boas, eles não vão criar o ambiente stress-free crucial para manter a integridade da carne. (E esse ambiente stress-free é levado a sério; frequentemente os fazendeiros massageiam as vacas e tocam música clássica para elas.) Inclusive, o próprio Hamada dá nome à maioria das vacas.

“Eu não sou fazendeiro, mas conheço as vacas desde o primeiro dia. Assim que o bezerro nasce, eu dou o nome, isso é o quanto eu me dedico. De certa forma eu sou o chefão,” diz ele.

Hamada fala de um jeito tão apaixonado que é fácil se deixar levar pelo hype. Pessoalmente, eu aprecio a diferença entre os graus da carne bovina, mas também amo churrasco, tradição que deriva em grande parte de cortes de carne descartados. Então, quando alguém começa a falar sobre vacas chamadas de David Beckham, já apitam meus radares.

Por sorte, eu tive a chance de experimentar a carne produzida pela Wagyumafia. No Windy City Smokeout, em Chicago, Hamada serviu espetinhos de wagyu ao lado de pratos icônicos do churrasco, como a costela colossal de carne bovina do Hometown Bar-B-Que, as costelas mágicas do 17th Street Barbecue e o churrasco grego do LeRoy & Lewis. A equipe de Hamada vendeu os espetos de wagyu por $10 cada, abanando o carvão binchotan sem parar pra garantir a temperatura correta.

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Fico feliz em dizer que a wagyu estava deliciosa pra caralho. Evidentemente, era do tamanho de um petisco, mas cada mordida causava um curto-circuito na minha língua. Outras pessoas com quem eu conversei concordaram: eles amaram e não precisaram de muito mais. Especialmente quando você poderia comprar uma porção monstruosa de um dos melhores cortes do Texas, assado pela Phoenix’s Little Miss BBQ há apenas alguns metros, pelo mesmo preço.

Eu captei a ideia geral com aquelas quatro mordidas, mas como eu sou um investigador culinário sério (e a galera gosta de deixar os jornalistas felizes), eu tinha mais duas experiências com wagyu na espera.

Na noite seguinte, eu participei de um jantar de $125 no Sushi-san e provei uma versão miniatura do sanduíche Wagyu, absurdamente caro, que provavelmente tem aparecido bastante no seu feed no Instagram. Enquanto Hamada prepara um caldo de ramen na cozinha, pergunto o valor monetário da carne que ele está prestes a servir. No verdadeiro estilo chefão, ele diz que ele teria que perguntar ao seu contador.

No salão iluminado com pouca luz, os convidados são recebidos com um coquetel Old Fashioned fat-washed (prática de adicionar gordura na bebida) e um pedaço de carne do tamanho de um selo postal. Um símbolo da Wagyumafia enorme e personalizado em forma de bife paira sobre a cozinha aberta. Os cozinheiros ocupados o tempo todo queimam o nigiri de wagyu com maçaricos, depois cuidadosamente recheiam cada pedaço com caviar e fecham. Hamada entra com aplausos e faz uma apresentação divertida que influenciaria até mesmo a pessoa mais cética. Ele é um vendedor nato, não um mafioso perigoso. Um apelido mais adequado pra ele poderia ser o Lobo de Wagyu Street.

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Deixando de lado a surpresa e a admiração, foi uma sorte encontrar alguma coisa entre os dois pedaços de pão que tinham o mesmo gosto do sanduíche de wagyu empanado. É impressionante. As texturas dançam juntas: panko crocante, carne macia como manteiga, pão suavemente torrado. É impossível negar que essa carne é extraordinária - ela canta na sua boca com um nível de umami que entorpece a mente e literalmente fizeram meus olhos revirar em direções opostas.

“Muitos japoneses consideram o sanduíche uma loucura,” diz Hamada. “Mas todo mundo cala a boca logo na primeira mordida. É tão óbvio que até meus filhos entendem, ela tem um sabor de comfort food. O que eu faço é baseado nos ingredientes, então eu tento fazer uma comida muito simples, que as pessoas não tenham que pensar muito ou estudá-la.

Um casal de loucos por wagyu sentados à minha esquerda estavam no céu. Eles seguem Hamada no Instagram, viajaram especificamente para o evento, e planejam visitar Tóquio. Eles perguntaram como poderiam fazer uma reserva em seus restaurantes e Hamada pediu que enviassem uma mensagem direta pra ele.

Nem todo mundo estava tão impressionado. Na fila do banheiro, uma mulher cochichou para mim que aquele evento todo era superestimado. As reservas esgotaram imediatamente e seus amigos estavam tão extasiados com a exclusividade que ela não se sentiu confortável em admitir que ela não era uma pessoa muito fã de carne e que o evento não a fez mudar de ideia.

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Eu já tinha plena certeza, mas ainda não tinha provado um bife wagyu propriamente dito, então duas noites depois eu realizei meu teste final na RPM Steak acompanhado do ser humano mais cético, meu pai. Ele é a representação perfeita de alguém que só come carne e batata. Quando eu tento fazer com que ele experimente algo desconhecido, ele responde que tem 66 anos e não precisa tentar algo novo.

Meu pai pediu o típico New York Strip (maturada a seco por 28 dias, 450g, $64). E eu escolhi um Wagyu Japonês A5 da prefeitura de Miyazaki (Campeão de Wagyu em 2007 e 2012, $93, peso não especificado). Não era da Wagyumafia (eles atualmente só distribuem na Ásia e na Europa), mas o garçom tinha uma longa história sobre seu sabor e suas origens.

Quando os pedidos chegaram na nossa mesa, eu pensei que meu pai fosse surtar. Naturalmente, seu bife veio como o esperado, um pedaço enorme de músculo com uma crosta crocante e um vazando um pouquinho de caldo. Em comparação, o meu parecia uma piada. Seis fatias de carne, de grossura milimétrica, com uma gotinha de wasabi do tamanho de uma ervilha e uma poça de shoyu. Numa incrível demonstração de autocontrole, meu pai não disse nada, mas até eu estava chocado com o tamanho da porção.

De acordo com Doug Psaltis, o chefe executivo da RPM Steak e fundador da Windy City Smokeout, em Chicago, que convidou Hamada para vir à cidade, a maioria dos clientes não se importam com o tamanho.

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“As menores porções não são um problema; é bem o oposto, na verdade,” diz Psaltis. “Essas porções permitem que os clientes consigam provar todos esses tipos diferentes de carnes japonesas requintadas extremamente caras e decadentes. Uma ou duas mordidas são realmente tudo o que você precisa.

Eu fiquei encarando meu wagyu, ajeitando cuidadosamente no prato pra conseguir três dígitos de likes. Era tão mal passado que parecia frágil, rodeado por essas faixas de gordura tão macias quanto a Via Láctea. Os japoneses medem a densidade da gordura numa escala A1-5 (a classificação Prime da escala dos EUA atinge a pontuação A3). Esse bife era um tipo 5, mas parecia um 10 perfeito. A aparência realmente lembrava mármore.

Algo que é muito bom quando se trata de bifes é a gula. A tira de bife do meu pai parecia não ter fim. Sua primeira garfada massiva equivalia a duas das minhas fatias de wagyu. Ele encheu a boca toda, mastigando um tendão, uma satisfação verdadeiramente primitiva. Minhas carnes eram tão finas e preciosas que eu poderia cortá-las com um garfo. Eu separei um pequeno pedaço do tamanho de um chiclete e levei à boca.

Geralmente eu não falo palavrões na frente do meu pai, mas deixei escapar um “puta merda.” Eu odeio desapontar os céticos, mas esse foi o predaço de bife mais saboroso que eu já comi na vida. Tinha um sabor doce, como a essência verdadeira da carne. Senti um arrepio que nunca havia sentido em meus braços, uma sensação que também acontece sempre que eu tenho uma overdose de carne de costela gordurosa. Normalmente eu preciso de meio quilo de churrasco para experienciar a mesma sensação, e isso foi apenas uma mordidinha.

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Eu já estava claramente vendido, mas o teste real ainda estava por vir. Passei uma fatia de wagyu para o prato do meu pai. Parecia uma versão de casinha de boneca perto do New York Strip do meu pai. Ele levou o garfo à sua boca e quase engoliu a fatia inteira.

O veredito?

Ele curtiu! Ele não é um especialista em sabores mas concordou que realmente tinha um sabor doce, bem diferente de um bife normal. Quando perguntei se ele consideraria pedir um pra ele, ele apenas riu.

Eu saboreei o resto do meu wagyu, aproveitando cada mordida, totalmente extasiado. O bife wagyu superou as minhas expectativas. Eu fiquei perfeitamente satisfeito, sentindo uma a carne de de um jeito que nunca tinha experienciado antes. Eu ofereci dividir a última fatia com meu pai, mas ele recusou educadamente e continuou devorando sua porção de Godzilla. Depois de mais algumas mordidas, ele cortou o resto de seu bife ao meio e gentilmente me ofereceu como um hábito paterno seu (ele está sempre dizendo que eu preciso engordar).

Meu estômago já estava cheio, mas olhar para aquele pedaço grosseiro de carne invocou um instinto visceral e desencadeou algo primitivo que anulou totalmente minha falta de apetite. Não tinha como recusar.

Este artigo foi publicado originalmente no Munchies US.

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