Entretenimento

O episódio bônus de ‘A Máfia dos Tigres’ dá uma zuada na série toda

A sequência apresentada por Joel McHale gasta tempo demais com piadas e não faz as perguntas certas.
Bettina Makalintal
Brooklyn, US
MS
Traduzido por Marina Schnoor
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Foto cortesia Netflix.

Semana passada, a Netflix anunciou – através de um vídeo do comediante Joel McHale enrolando num cobertor de estampa de leopardo e usando um chapéu de cowboy – que um episódio de sequência de A Máfia dos Tigres estrearia no final e semana. O episódio bônus de 40 minutos, “O Rei Tigre e Eu”, chegou ao serviço de streaming sábado, e mesmo sendo difícil superar uma série com alegações de assassinato, trisal caipira, e uma possível seita sexual de um cara com fetiche pela Índia só nos primeiros três episódios, “O Rei Tigre e Eu” foi uma decepção desnecessária para um documentário hipnótico.

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Um dos maiores assuntos da pandemia até agora, a série Máfia dos Tigres da Netflix conta a história de personagens gonzos do comércio de animais selvagens dos EUA, principalmente pela narrativa de Joseph “Joe Exotic” Maldonado-Passage, seus parceiros de negócio e inimigos. O dono de zoológico de Oklahoma que se candidatou a presidente atualmente cumpre pena de 22 anos por matar tigres e tentar encomendar o assassinato da rival Carole Baskin, sua maior inimiga no mundo dos grandes felinos. Os sete episódios originais são tipo um circo bizarro de mullets e roupas camufladas, crueldade animal, manipulação de seita, pobreza americana e uma obsessão insana por estampa de oncinha. Mas as histórias são reais, e assistindo as filmagens inacreditáveis, podemos pelo menos fingir que assistir TV lixo é igual a ver um “documentário”. (A Máfia dos Tigres tem seus problemas e o uso da palavra documentário é controverso.)

Como o diretor Eric Goode disse ao New York Times no começo do mês, ele passou cinco anos filmando a série e acabou decidindo que ela “merecia” ser dividida em sete episódios. Mas dá pra sacar alguma coisa vendo que Goode não participou do episódio de sequência. Apresentado por Joel McHale e filmado através de videochamadas durante a pandemia, “O Rei Tigre e Eu” substitui a fachada de “documentário” por uma coisa mais reunião de reality show ruim.

Ninguém realmente se reúne, já que McHale entrevista cada pessoa separadamente, e os maiores astros de A Máfia dos Tigres como Joe Exotic, Carole Baskin e Doc Antle não aparecem (Baskin não ficou nada feliz com a série). Em vez disso, McHale fala com as figuras periféricas do programa: os donos do zoológico G.W. atualmente, Lauren e Jeff Lowe; o chefe do zoológico Erik Cowie; o ex-gerente John Reinke; o ex-funcionário Saff Saffery; o chefe da campanha de Exotic, Joshua Dial; o ex-marido de Exotic John Finlay; e o ex-produtor da Joe Exotic TV, Rick Kirkham. Uma sequência que seria interessante de ver teria entrevistas incisivas sobre coisas como de onde vem o dinheiro de Jeff Lowe, como era ser casado com Exotic, ou até mais sobre o caso do caminhão de carne podre do Walmart. Em vez de iluminar algo novo, McHale trata a série e seus participantes como um episódio sem graça do The Soup, onde ele tira sarro dos participantes em vez de levá-los a sério quando há acusações pesadas ainda no ar.

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O episódio resultante faz manchetes como a do Washington Post, que dizia que o episódio tinha “novos detalhes perturbadores”, parecerem bem exageradas. A principal coisa que ficamos sabendo no episódio é que McHale é um entrevistador ruinzinho que não sabe perceber quando o humor é apropriado, e as poucas novas informações que recebemos sobre crueldade com animais nas instalações não são explicadas direito ou questionadas.

Considerando as ações de Exotic, Baskin e Antle, é fácil argumentar que os coadjuvantes de A Máfia dos Tigres são as pessoas com quem é mais fácil simpatizar. Fora Lauren e Jeff Lowe, que tomaram o manto problemático de Exotic, e Kirkham, que vê conteúdo em potencial de cada elemento da vida absurda de Exotic, o resto do pessoal envolvido em “O Rei Tigre e Eu” foi varrido por um sistema ruim. Cowie, Dial, Reinke e Saffery entraram no mundo dramático de Exotic porque precisavam de um trabalho; aparentemente, Finlay foi manipulado para continuar no relacionamento com Exotic por tanto tempo.

A linha de “entrevista” de McHale zomba das pessoas mais vulneráveis de A Máfia dos Tigres com a desculpa de ser simpático. Depois de perguntar a Saffery sobre ser chamado pelo gênero errado na série inicial, por exemplo, McHale pergunta sobre o ataque de tigre onde ele perdeu o braço, e depois faz uma piadinha sobre o tigre olhando para o outro braço dele e “lambendo os beiços”. Quando McHale fala com Reinke, ele extremamente condescendente quando diz que a calça velha de Reinke deve estar valendo uma grana agora, por causa de sua ligeira fama na TV (que todo mundo sabe que é passageira). No geral, parece que McHale só está estimulando essas pessoas a falar para que a Netflix continue explorando a vida delas como conteúdo.

Apesar de termos gostado do espetáculo de A Máfia dos Tigres, temos que reconhecer que as piadas e comentários na série são sobre pessoas às margens da sociedade americana. É isso que McHale não parece perceber: a oportunidade de falar com o elenco de A Máfia dos Tigres pareceu mais uma chance de ridicularizar essas pessoas para o público, que acha graça no azar deles. O episódio resultante não parece sincero, e só acrescenta ao senso constrangedor de exploração da série.

Todo mundo está desesperado para assistir qualquer coisa na quarentena, mas como na visão inicial de Goode, A Máfia dos Tigres deveria ter ficado em apenas sete episódios mesmo.

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