"Agora você vai ver a mágica de cuidar de duas crianças ao mesmo tempo", ela pontua enquanto leva o primogênito para debaixo do chuveiro. Antes mesmo de surgir qualquer pergunta, Daniela dispara: "Você tem um bebê grudado em você o tempo inteiro. Você dorme mal porque o bebê acorda durante a madrugada. Você não consegue fazer xixi. Às vezes, passa o dia inteiro e você não escovou os dentes, não lavou o rosto, não foi ao banheiro". Ela se autointitula como "mãe índia", apelido das mulheres que acreditam no parto humanizado, na criação com apego, na livre demanda (quando o bebê mama toda vez que quiser), que preferem carregá-lo num sling (aquele tecido em que a criança fica enrolada na mãe ou no pai) do que num carrinho, que dão colo toda vez que ouvem um choro. "Nos chamamos de índia porque fulano fala 'Ai, ter parto no chuveiro? Agachada? Sem anestesia? Amamentar com o peito de fora? Que coisa feia. Coisa de índia'. Opa, é nóis.""Cheiro de leite azedo, ó, é um blend incrível", ironiza a fotógrafa Daniela Toviansky sobre o leite que vaza do peito
"Saí da maternidade sem nenhum bebê e com cara de recém-parida", relembra a artista Estéfi Machado, que perdeu um casal de gêmeos ainda no hospital
O BABY BLUES E A DEPRESSÃO PÓS-PARTO
Baby blues, apesar do nome poético, é a tristeza que aparece após o parto.
A professora Joana*, que, antes de engravidar, sofreu um AVC, é portadora de necessidades especiais neurológicas. "Fiquei com algumas sequelas. Tenho problema de memória, de visão, hipersensibilidade ao barulho." Mas nada disso a impedia de ser mãe. Tanto que engravidou.Os sintomas de DPP começaram logo nos primeiros dias depois do parto. "Desde que a neném nasceu, eu tive aquela coisa de ficar chorosa. Que é normal. Eu chorava à toa. A única coisa que me fazia sorrir era a bebê. Foi um período em que fiquei muito sozinha." Ela já havia lido sobre baby blues. E acreditou que, talvez, a tristeza passasse. Talvez, não.SINTOMAS DA DEPRESSÃO PÓS-PARTO (DPP)
perda de energia e interesse;
perda da capacidade de experimentar prazer;
sentimentos de culpa;
dificuldade de concentração;
perda de apetite;
insônia ou sono excessivo;
ataques de ansiedade, pânico;
pensamentos obsessivos, pessimistas;
em casos mais graves, pode haver pensamentos de morte ou suicídio.Outros sintomas:
Cansaço intenso;
anorexia, perda de peso;
sentimento de incompetência frente ao bebê.
A gota d'água foi quando ela saiu do shopping, colocou a filha dentro do carro e, por conta dos problemas de memória, acabou trancando a criança lá dentro. "Tentei me manter calma, chamar o chaveiro. Mas o povo do shopping ficou mais desesperado do que eu tentando arrombar a porta. Comecei a chorar. Acabei quebrando o vidro. Ali foi o gatilho pra eu me sentir uma inútil, [pensar] que eu ia prejudicar a bebê, que eu fazia mal pra ela. E, aí, começaram a vir umas ideias mais nocivas. Se é que você me entende.""Pensei que alguma coisa estava errada comigo", revela a professora Joana*, que cogitou tirar a própria vida durante a depressão pós-parto
COMO IDENTIFICAR A DPP (DEPRESSÃO PÓS-PARTO)
Na mãe: observar o estado geral, de higiene, a presença de queixas somáticas, depressão grave, relação conflituosa com o (a) parceiro (a), ausência de rede de apoio, principalmente do (a) companheiro (a) e de pessoas significativas do sexo feminino, dificuldades financeiras acentuadas, ocorrência prévia de aborto ou morte de filhos, luto durante a gestação ou no pós-parto.
No bebê: observar a presença de distúrbios psicossomáticos recorrentes, distúrbios do sono e do apetite, retardo do desenvolvimento ou do crescimento; bebês considerados "difíceis", que choram muito e não são facilmente apaziguados.
MOTIVOS
A fotógrafa Daniela conhece bem o assunto. "Eu tenho saudade de fazer frila, de sair de casa e não ter horário pra voltar, de ter grana", ela suspira. "Ontem, fui ao shopping e queria comprar um vestido pra mim, mas só comprei roupa de criança." Comprar, inclusive, tornou-se um verbo pouco utilizado na família nos últimos tempos. "Eu tinha minha grana, comprava minhas coisas, ficava lendo revista de fotografia. Hoje em dia, eu nem tenho mais interesse nessas coisas. Fico procurando onde tá mais barato a carne moída. Porque agora é uma pessoa a menos em casa trampando.""Eu tinha minha grana, comprava minhas coisas, ficava lendo revista de fotografia. Hoje em dia, eu nem tenho mais interesse nessas coisas. Fico procurando onde tá mais barato a carne moída", diz a fotógrafa Daniela Toviansky
De acordo com Paloma, as mulheres têm dificuldade para falar sobre o assunto. E o diálogo é essencial para ajudar os sintomas mais difíceis a passar. "É importante conversar com as pessoas, poder falar sobre o que você está sentindo, ter alguém que não vá te julgar. Alguém que te ajude a perceber que isso vai passar porque vai passar. É temporário", explica a profissional.OS LUTOS DO PUERPÉRIO
Perda da barriga; perda do sonho do parto perfeito; perda de quem "eu" era; perda de cuidado e atenção (agora tudo é voltado para o bebê).