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O Perigoso Fetiche do Japão por Embalagens

Embora 77% do plástico ser reciclado, fica claro que o nível de desperdício de embalagens no Japão contrasta muito com os esforços de reciclagem do país.

Todas as fotos por Joseph Eaton. 

O Japão é um dos maiores recicladores do mundo. Em 2010, 77% do plástico do país foi reciclado, e relatórios mais recentes colocam o total de lixo mandado para aterros num nível relativamente baixo de 16% (essa taxa nos EUA, por exemplo, fica em 70%).

Mas o nível de desperdício de embalagens no Japão contrasta muito com os esforços de reciclagem do país. Não sou eu quem vai dar lições de economia verde - tomo banhos de 20 minutos e tal -, mas, quando visitei o Japão, fiquei impressionado com o fetiche da cultura local por embalagens. Andando pelos supermercados, você logo percebe aquelas frutas que costumam ficar nuas nas prateleiras hibernando em camadas e mais camadas de plástico e encapsuladas em redes de espuma.

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Bananas individuais são vendidas envelopadas em celofane, com a condensação se acumulando dentro da embalagem. Vendo aquelas bananas suadas, imaginei o que havia de errado na casca biodegradável ao redor dela. Toda lojinha de esquina estoca essas abominações.

Restaurantes não são diferentes; em vez de hashis de plástico, que poderiam ser lavados e reutilizados, você recebe um suprimento infinito de hashis de madeira. Não estou dizendo que essa é a principal razão para o Japão estar destruindo as florestas siberianas, mas pode muito bem ser uma delas. Guardanapos de tecido reutilizáveis também não existem, sendo substituídos por guardanapos, aventais e babadores de papel. Claro que isso acontece no Reino Unido e em outras nações ocidentais, mas estou falando de restaurantes de alto nível, não de qualquer McDonald's.

Esse embalamento excessivo seria uma questão de apresentação obsessiva, uma tradição japonesa? Se sim, isso é um problema hoje? E como poderia ser resolvido? Para conhecer um ponto de vista de maior autoridade, falei com Roy Larke, um especialista em varejo, comportamento do consumidor e marketing que já trabalhou na Rikkyo University,em Tóquio.

VICE: Você percebe essa questão do embalamento excessivo como um problema para o meio ambiente?
Roy Larke: Claramente é um problema, dado o consumo elevado de produtos embalados no Japão e a grande população do país. A questão é que atualmente o Japão faz um ótimo trabalho de limpeza, então você não vê tanto lixo nas ruas como em outras cidades do mundo.

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Por que você acha que isso acontece? É uma questão de higiene?
Isso tem uma relação parcial com higiene e regulamentações. Cosméticos Lush, por exemplo, têm um problema quando chegam ao Japão, já que a maioria dos produtos, nos outros países, fica aberto para que as pessoas possam tocar e sentir o cheiro. De maneira parecida, os sacos de cereal matinal que vão dentro da caixa são de uma qualidade muito maior do que esperaríamos ou aceitaríamos fora do Japão. Não conheço nenhuma pesquisa sobre as preocupações dos consumidores japoneses com higiene, mas é bem possível que algumas aparecessem se esse excesso de embalagem não acontecesse.

Os maiores fatores são tradição, inércia e o que os japoneses consideram ser expectativa arraigada dos consumidores. Não adiantaria ser a única empresa vendendo chocolates não embalados individualmente, por exemplo. O mesmo vale para confeitos, biscoitos e assim por diante. É uma conveniência: os japoneses gostam de ter um suprimento [de doces], então embalagens individuais são preferidas por muitas pessoas. (Uma pesquisa entre nikkeis, feita no ano passado, descobriu que a maioria das mulheres anda com chocolates na bolsa o tempo todo para ajudá-las quando querem relaxar.)

Há também o fato de que as embalagens, excessivas ou não, são vistas como um toque adicional de luxo. Daí as múltiplas camadas de embalagem e sacolas plásticas distribuídas nas lojas de departamento que também ajudam a transmitir a marca - ou se colocar cada pedaço de pão de uma padaria em sua própria sacola plástica, com arame torcido para fechar e tudo mais. Embalar frutas nos supermercados é, acho, algo um pouco mais raro, e isso é geralmente usado para itens mais "sofisticados".

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E os consumidores japoneses têm consciência da questão?
Isso é difícil de responder. De modo muito geral, eu diria que não. No entanto, se você perguntar a um consumidor padrão japonês, acho que ele mencionaria um certo ultraje com a quantidade de embalagens, mas não estaria disposto a mudar seu comportamento. Indiscutivelmente, escolher por embalagens mais simples é muito difícil no Japão.

Então isso não seria um problema fácil de se resolver?
Sim e não. Como eu disse, é difícil dizer que isso é um problema. Como a caça às baleias: aos olhos do Ocidente (e globalmente), isso certamente é, mas aos olhos japoneses - tanto corporativos como consumidores - é provavelmente um problema menor, uma parte da vida.

As iniciativas que existem atualmente, pelo que sei, são coisas como o esquema de água da Coca-Cola e os esforços da IKEA para promover um uso menor de embalagens, além de algumas outras de marcas japonesas. E essas ações parecem funcionar extremamente bem - parcialmente, suspeito, porque continuam minoria, então se destacam em termos de marketing. Um punhado de supermercados promove o uso de sacolas reutilizáveis hoje - conheço uma rede que espera que os consumidores paguem pelas sacolas de compras -, mas a maioria passa longe dessa ideia ou, na melhor das hipóteses, pede uma doação ao consumidor que quer uma sacola.

Existem algumas iniciativas do governo para promover uma mudança nesse aspecto, incluindo um requerimento para reciclar apropriadamente todos os eletroeletrônicos, por exemplo, e isso tende a crescer.

Mas - tentando não ser de maneira alguma contra a tradição japonesa - o volume do lixo provavelmente é um problema. Como é historicamente comum no Japão, resolver isso vai envolver atingir um ponto beirando a crise; e então, sim, isso será resolvido - assim como a crise de energia pós-março de 2011, quando as pessoas começaram a usar menos energia elétrica.

O Japão demonstra uma obstinação e mansidão política incríveis quando se trata de aceitar resoluções que mostrem ser para o bem público. Quando os aterros estiverem finalmente transbordando, as coisas certamente vão mudar - e mudar extremamente rápido.

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Tradução: Marina Schnoor