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reportagem

Falamos com os ermitões da floresta assombrada da Indonésia

Em Alas Purwo é comum meditar e se comunicar com os espíritos dos fundadores do país.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Shinta Maharani
Como contado a Shinta Maharani
Colagem  por Dicho Rivan. Imagens via unsplash /Ashes Sitoula. por Dicho Rivan. Imagens via unsplash /Ashes Sitoula.

Matéria originalmente publicada pela VICE Indonésia .

A floresta em Alas Purwo é tão densa que o sol do meio-dia não consegue chegar ao chão. Eu estava em Banyuwangi, em Java Oriental, na Indonésia, e seguia uma trilha para chegar à floresta mais assombrada do país – um lugar que os locais acreditam ser povoado por espíritos, demônios e fantasmas. Minha missão era conhecer os lelono, ou ermitões, que usam o local para meditar e se comunicar com espíritos que já passaram para o outro lado.

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Os sons do mundo moderno desaparecem conforme você se embrenha pela floresta. Eu estava a apenas dois quilômetros do começo da trilha, mas os sons da natureza me engolfavam. Caminhava rumo a Gua Istana, um local onde os lelono vão para meditar. Levei cerca de 30 minutos para encontrar a caverna e lá, sentado de pernas cruzadas na boca da caverna, estava Hardi, um ermitão que me disse que meditava ali nos últimos três meses.

O local é usado por espiritualistas desde a era pré-colonial Majapahit, mas é um rumor mais recente – de que o pai fundador da Indonésia Sukarno costumava meditar na caverna – que vem alimentando sua popularidade hoje.

Não há evidência real de que Sukarno algum dia visitou a caverna – quanto mais meditou nela – mas a história circula entre as comunidades locais de Java Oriental por tanto tempo que, hoje, já é considerada fato. Entrando na caverna, uma foto de Sukarno em seu uniforme branco te recebe em uma das paredes.

Também há uma crença de que Alas Purwo, a floresta, é uma “parada” para as almas dos antigos reis javaneses. Eu sabia disso antes de fazer a trilha até a caverna, por isso não fiquei chocada quando Hardi me disse que tinha acabado de se encontrar com Sukarno, um homem que morreu 48 anos atrás, e seu vice-presidente, Mohammad Hatta, que também já faleceu.

“Vi os espíritos de Sukarno e Hatta em uniformes brancos meditando dentro da caverna”, me disse Hardi.

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Hardi, 56 anos, estava vestido como místico. Usava um longo colar com contas de madeira. Ele me disse que foi atraído pela floresta depois de ouvir um “chamado misterioso”, algo que acredita ter sido um espírito ou sua voz interior em sua cabeça. Ele saiu de sua casa em Tulungagung, um distrito a 350 quilômetros no interior do país, sem nada nos bolsos e com as roupas do corpo.

“Peguei carona até aqui”, me disse Hardi. “Tive sorte de encontrar alguém bondoso para me trazer.”

Ele se ofereceu para me mostrar a caverna onde ele estava meditando. Liguei a lanterna do meu celular e entrei pela abertura escura.

“Eu queria atingir um senso de paz interior aqui”, disse.

Ele perguntou se eu queria tentar meditar com ele. Perguntei se isso só funcionava para seguidores do kejawen, um ramo místico do islã indígena de Java.

“Qualquer religião serve, desde que suas intenções sejam boas”, respondeu Hardi.

Honestamente eu até que tentei. Mas meditar não é pra mim. Levou uns 15 minutos para o cheiro de cocô de morcego me fazer querer vomitar, aí quebrei o silêncio e perguntei a Hardi se eu podia continuar a entrevista com ele fora da caverna.

O lugar onde Hardi medita. Foto pela autora.

Hardi disse que tudo bem. Ele também não medita o dia todo. Como os demais ermitões, ele pausa para interagir com visitantes e faz tarefas diárias como lavar roupa e procurar comida. Hardi falou que geralmente come frutas que caem das árvores, mas às vezes suplementa sua dieta com água e comida doada por turistas que visitam a caverna.

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“As pessoas me dão água, pão e lanches”, disse Hardi.

Animais extintos reaparecem na caverna

Mas há mais coisas em Alas Purwo do que espíritos e meditação. Esse é um grande santuário da vida selvagem. O parque cobre uma grande porção de Java Oriental, e alguns acreditam que sua floresta pode esconder animais que as pessoas consideram extintos – como o tigre-de-java.

Se passar tempo suficiente em Alas Purwo, você vai acabar cruzando com todo tipo de bicho. Jafar, outro lelono, me disse que vê javalis, macacos e lagartos diariamente desde que entrou na floresta. Mas, até agora, ele não teve problemas com seus vizinhos selvagens.

“Os animais nunca me incomodaram”, me disse Jafar. “Cobras e tigres, até onde sei, nunca entram na caverna. Provavelmente porque peregrinos estão sempre aqui, então as cobras e tigres têm medo.”

Os lelono também tomam cuidado para obedecer as leis tácitas da floresta. Eles acreditam que ninguém tem permissão para caçar ou plantar nada dentro de Alas Purwo. Eles também controlam seu comportamento – pensamentos negativos, palavrões e roubo são proibidos, segundo a lenda da floresta.

Quem desobedece as regras sofre um terrível desastre. Ouvi uma lenda sobre um homem que foi sugado por uma parte escura da floresta por quebrar as regras. Outro homem ficou louco três dias depois de deixar Alas Purwo. E essas não são histórias contadaspara assustar crianças. A crença de que algo mais antigo e poderoso que o homem mora na floresta é tão forte que até os guardas-florestais me avisaram para ter cuidado quando eu entrava na trilha.

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“Não faça nenhuma bobagem em Alas Purwo”, avisou Suwandi, um dos guardas-florestais. “Você não vai se safar.”

Essas crenças fazem mais que manter os locais acordados à noite. Elas também protegem a floresta de madeireiros ilegais e empresas do agronegócio, explicou Sri Margana, historiadora da Universidade Gadjah Mada.

“Essas crenças locais são mais eficientes para conservar a floresta do que colocar placas de alerta”, ela me disse. “Essas lendas atenuam impactos negativos no meio ambiente.”

A floresta tem tal poder sobre as pessoas que ela continua relativamente intocada, apesar de estar na ilha densamente povoada de Java. Sri Margana acredita que há relíquias antigas enterradas na floresta, além de restos de tragédias recentes, como os expurgos anticomunistas ou o surto de caça às bruxas que tomou Java Oriental no final dos anos 90.

Retiro para almas machucadas

Enquanto Hardi estava parado na frente da caverna, outro homem que eu não tinha visto antes se aproximou. Ele disse que seu nome era Din e que ele estava meditando no coração da floresta nos últimos 71 dias. Ele veio para cá encontrar paz depois que sua vida deu uma má guinada, disse.

“Eu estava esgotado”, me disse Din. “Meu casamento foi um desastre. Eu queria encontrar alguma paz aqui.”

Ele prefere meditar na Caverna Padepokan, que fica a dez minutos de caminhada da primeira caverna. Din me disse que é muçulmano e que ainda reza cinco vezes por dia. Mas fora isso, o resto do seu dia é dedicado a sobreviver na floresta remota e meditar. Ele toma banho e lava suas roupas num rio próximo. Quando fica entediado, ele se ocupa varrendo as folhas da boca da caverna.

Din. Foto pela autora.

Din me disse que não tinha certeza de quando finalmente deixaria a floresta. Ele esperava ter uma vida melhor fora da caverna, ele só não sabia quando, ou se, esse momento vai chegar. Perguntei o que ele faria até lá.

“Vou seguir meu coração”, ele disse. “Entreguei minha vida a ele.”

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