o ódio pode alterar os circuitos do seu cérebro

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Saúde

É isso que o ódio faz com seu cérebro

Pesquisadores estudam como ideologias extremas podem mudar a programação da mente das pessoas. Mas será que há um jeito de desprogramá-las?
CM
ilustração por Camilo Medina
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Fui para Omaha, nos EUA, para descobrir se a internet tinha fodido com meu cérebro. Depois de chegar num laboratório da Universidade de Nebraska, me levaram para uma sala com um computador ligado a um monitor de resposta galvânica da pele – aqueles clipes que você coloca nos dedos, geralmente associados com detectores de mentira. Aí assisti uma apresentação de slides de imagens enquanto uma webcam rastreava os movimentos dos meus olhos e registrava minhas mudanças faciais. Os aparelhos deviam medir minhas reações inconscientes, ou microemoções, usando cinco medidas: prazer, raiva, surpresa, medo e contentamento. Anos passados no Reddit e 4Chan tinha me dessensibilizado ou me tornado mais suscetível a mensagens da alt-right, a direita norte-americana? Eu estava com medo da resposta.

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Eu não deveria estar naquela cadeia. Originalmente eu queria mandar o pai de um homem chamado Dave do Meio Oeste americano. Conheci Dave numa thread Me Pergunte Qualquer Coisa do Reddit, onde ele estava falando com um ex-membro da Ku Klux Klan sobre como tirar seu pai do movimento. O homem de vinte e poucos anos estava tentando afastar seu pai da Klan desde os 14 anos. Segundo Dave, seu pai foi sugado pelas preces racistas do grupo depois de se convencer que ação afirmativa tinha custado um emprego a ele. Mais tarde, o pai se tornou um recrutador supremacista branco e só deixou a KKK quando discordou de algumas mensagens antissemitas que os colegas começaram a espalhar durante a campanha de Donald Trump. Mas Dave (que não deu seu nome real) tinha ouvido recentemente que seu pai estava andando de novo com a velha turma – uma revelação que o fez sentir que sua família poderia nunca mais se reconciliar.

Pelo que ele contou, essa questão com o pai tinha sido o drama dominante da juventude de Dave. Depois do colégio, ele frequentou uma universidade jesuíta para estudar como os racistas usam as escrituras e livros como Os Protocolos dos Sábios de Sião e até Mein Kampf para justificar suas crenças. Seu objetivo era entender o homem que o levou para assistir cruzes queimarem, mas nunca o deixou fazer a saudação nazista. “Não que eu quisesse, mas foi uma das coisas que ficou na minha cabeça”, lembrava-se Dave. “Achei que talvez fosse um sinal de que ainda tinha algo de bom nele.” Apesar de ter largado a faculdade, ele ainda lutava com a questão de como um homem tão “doce”, que deu a ele sua primeira cerveja, também o proibia de andar com os primos mestiços.

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“Eu queria ajudá-lo”, ele me disse. “Mas ao mesmo tempo, não queria desperdiçar minha energia no que parecia uma causa perdida.”

Contatei Dave em maio para escrever sobre a vida e as lutas dele para tirar o pai do grupo de ódio. Ele me pediu para provar que era jornalista, e aí começamos a conversar. Mas mesmo depois de expressar que estava empolgado em compartilhar sua história com alguém que poderia usá-la para ajudar outros, Dave parou de me responder. É possível que ele tenha perdido o interesse na conversa, mas acho que ele ficou assustado com a ideia de que seus avós – que segundo ele não faziam ideia de nada disso e eram conhecidos em sua cidade pequena – poderiam descobrir sobre o segredo tenebroso do pai. (Ele também não respondeu a uma checagem de fatos.)

No final, eu não podia atingir meu objetivo original de contar toda a história do Dave. Mas eu não conseguia parar de pensar sobre certos aspectos dela; principalmente a ideia de uma figura paterna simpática, mas sem remorsos. Dave odiava as crenças do pai, mas ele ainda era sua família. Tudo que eu queria era uma explicação sobre por que a principal figura masculina da vida dele tinha se voltado para esse caminho. O pai dele era intrinsecamente racista ou não tinha outras pessoas com quem socializar fora os membros da KKK que o aceitaram? Ou será que ele não tinha começado racista, mas se tornou um depois de sua associação? Onde estava a diferença funcional?

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“Há essa dúvida séria sobre se o homem que quero salvar realmente ainda existe”, me disse Dave. “Sinto que perdi muito tempo e honestamente nesse ponto só estou cruzando os dedos e torcendo para alguém conseguir fazer o que eu não pude.”

Logo depois que supremacistas brancos marcharam na Universidade de Virgínia em Charlottesville ano passado, a escritora birracial Panama Jackson escreveu um ensaio sobre o custo emocional de se afastar de uma mãe simpatizante de Trump. Contos de pessoas tentando deixar grupos de ódio se tornaram um gênero popular de matérias sob a administração Trump. Enquanto isso, pouco tem sido escrito sobre como a parte mental do racismo extremo – em vez das coisas rudimentares, cotidianas e sistêmicas – podia ser identificada e tratada.

E foi assim que me vi em Omaha. Imaginei que, se eu não pudesse ajudar o homem que conheci online a encontrar as respostas que ele procura há uma década, pelo menos podia aprender mais sobre a pesquisa mais avançada sobre o que o ódio faz com seu cérebro. Como uma jornalista que passa horas por semana vagando pelo 4Chan e Reddit, muitas vezes fiquei pensando se eu tinha me envenenado com ironia, ou pelo menos ficado tão dessensibilizada com os buracos mais escuros da internet que meu cérebro tinha mudado para abraçar a retórica que eu tanto abominava. Eu parecia uma proxy suficientemente boa por essa lógica.

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Ilustração: Camilo Medina

“Você está segura por enquanto”, brincou um pesquisador chamado Pete Simi enquanto verificávamos os resultados do teste com uma professora de administração da Universidade de Nebraska Omaha chamada Gina Ligon e alguns outros estudante. Juntos, assistimos minha gravação olhando uma marcha com bandeiras vermelhas, e a medição mostrando que minha “raiva” foi parar no teto quando suásticas apareceram. Honestamente, fiquei muito aliviada.

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Depois do notório linchamento de Emmett Till em 1955, o secretário-executivo do NAACP Roy Wilkins, disse aos repórteres algo que agora pareceria uma afirmação nova: os assassinos do adolescente nasceram com uma característica imutável que os levava à violência racial. “Eles tinham que provar que eram superiores”, ele disse sobre os acusados. “Eles tiveram que provar isso matando um garoto de 14 anos. Você sabe que isso está no vírus, está no sangue do Mississippi. Não tinha nada que ele pudesse fazer.”

O discurso de Wilkins foi influenciado por um esforço da ciência social pós-Segunda Guerra Mundial para explicar a raiz do racismo como um problema psicopatológico. O trabalho mais influente sobre o tema lançado logo depois do Terceiro Reich, o livro de 1950 A Personalidade Autoritária, apontava traços de personalidade que permitiam ao racismo extremo a “síndrome f” – “f” sendo fascismo.

Um dos coautores do livro, Nevitt Sanford, argumentava que a personalidade autoritária era “mais ou menos normalmente distribuída” na sociedade moderna, o que quer dizer possivelmente inevitável. Mas a implementação da legislação de direitos civis nos anos 1960 inspirou as pessoas a pensar sobre o racismo como algo que pode ser extinto, ou pelo menos contido. Segundo um estudo de 2016 chamado “O Racista Doente: Racismo e Psicopatologia na Era que Não Vê Cor”, essa mentalidade culminou com um grupo de psiquiatras negros dizendo que intolerância era o contrário de normal – que isso pode realmente constituir de uma doença mental classificável. O chefe do estudo, Alvin Poussaint, argumentou que depois do assassinato de Martin Luther King Jr. em 1968, o racismo deveria ser acrescentado ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (o DSM) como um subconjunto do transtorno delirante.

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Segundo “O Racista Doente”, a Associação de Psicologia Americana (APA) rejeitou o argumento deles para a inclusão, usando um estudo que mostrava níveis iguais de autoritarismo entre pessoas do sul e do norte dos EUA para dizer que o racismo era normal e, portanto, não contava como uma doença mental.

Mas o debate não morreu. Na reunião anual do APA em 1978, um psicólogo chamado Carl Bell argumentou que o racismo era basicamente só transtorno de personalidade narcisista. Em 1980, o presidente da APA disse que era obrigação do campo decidir se racismo era um transtorno mental ou um problema social. Mas eles não decidiram. Tentativas fracassadas para decidir o debate apareceram depois em 1987 e 1994.

A normalização do preconceito de Sanford – não como algo bom, mas como algo inevitável – permanece na vida americana. Em 2005, o Washington Post publicou um artigo sobre o debate atual, dizendo que profissionais de saúde eram contra a ideia de acrescentar o racismo ao DSM porque isso levaria a uma “lavagem cerebral” de pessoas exibindo “preconceito comum”. Numa ligação recente, Poussaint, agora com 84 anos e reitor associado de estudantes da Escola de Medicina de Harvard, disse que essa ainda é a linha de pensamento predominante. “As pessoas que fazem o DSM não vão aceitar isso”, ele me disse. “Eles sentem que desculpariam pessoas que são racistas assassinos como mentalmente doentes.” E é verdade que pintar crimes de ódio como produto de insanidade podia teoricamente ser um tiro pela culatra no cenário legal – um juiz de Wyoming no julgamento do assassinato de Matthew Shepard teve que barrar uma defesa de “pânico gay” para um dos acusados, apesar dessa defesa ainda ser tecnicamente admissível em todos os estados americanos menos três.

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Mas, mesmo que grande parte da comunidade médica continue desconfortável em usar linguagem clínica para descrever a intolerância, pessoas comuns muitas vezes parecem ansiosas para citar isso como uma explicação para comportamento ruim e até vil. Quando o jogador de basebol John Rocker deu sua infame entrevista de 1999 para a Sports Illustrated cheia de comentários de ódio, o comissário da liga ordenou que ele fizesse terapia. Tanto Michael Richards como Paula Deen disseram ter procurado ajuda psicológica depois de usarem gírias racistas. Mais recentemente, Roseanne Barr culpou a droga Ambien por seu tuíte racista sobre a ex-conselheira de Obama Valerie Jarrett.

Claro, pessoas passando por escrutínio público se beneficiam quando dizem que seu mau comportamento foi causado por forças além do seu controle. Mas especialistas como Poussaint ainda parecem pensar que, mesmo se química alterada no cérebro não possa sempre explicar o racismo, uma pessoa pode mudar para se tornar menos preconceituosa.

“A mídia não se foca nas pessoas que eram racistas e mudaram”, ele me disse. “Não é algo comum, mas conforme a vida delas se torna mais equilibrada, elas têm menos ansiedade e depressão, e essas crenças delirantes desaparecem. Aposto que acontece.”

Figuras públicas famosas por procurar ajuda depois de cuspir epítetos provavelmente são racistas mais cotidianos que um recrutador da KKK. Mas membros de grupos de ódio ficam menos extremos em suas crenças quando se tornam mais felizes e centrados?

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Foi isso que aconteceu com Tony McAleer, que começou a questionar seu envolvimento com o movimento de supremacia branca quando se tornou pai em 1991, e decidiu deixar isso para trás em 1998, depois que algo mudou dentro dele. Não que tenha sido fácil. Na verdade, numa entrevista que fiz com ele, que desde 2011 comanda uma organização sem fins lucrativos devotada a ajudar pessoas a deixar grupos de ódio, ele descreveu o processo prolongado como entrar num tipo de existência limítrofe que ele chamava de “o vácuo”. Depois de renunciar o grupo neonazista Resistência Ariana Branca, cujo slogan é “Revolução branca é a única solução”, ele não era mais bem-vindo nas festas nas casas de outros membros que formavam sua vida social no oeste do Canadá. Aí tinha o fato de que seus amigos e família – que ele trocou por um grupo de racistas violentos – não estavam muito empolgados com tê-lo de volta em suas vidas. Solitário, sem ter pra onde ir, McAlerr frequentava um bar irlandês sozinho, enchia a cara, ficava melancólico e voltava pra casa para ouvir discos antigos do Skrewdriver. Apesar de seu desejo de mudar, ele se viu relembrando a diversão que tinha com seus antigos colegas skinheads. Essa diversão vinha às custas de outras pessoas, claro, mas mesmo nos cenários mais horríveis, ele conseguia encontrar experiências positivas se colocasse um óculos cor-de-rosa.

Em um artigo de 1995 chamado “Bowling Alone: America's Declining Social Capital” [“Jogando Boliche Sozinho: o Declínio do Capital Social nos EUA”], o sociólogo de Harvard Robert Putnam argumentava que a democracia americana estava enfraquecendo porque as pessoas não estavam mais participando de organizações ou clubes sociais. O nome do trabalho, que depois se tornou um livro popular e levou seu autor a ser convidado para o Camp David e entrevistado pela revista People, vinha do fato que de 1980 a 1993, a participação na liga de boliche dos EUA caiu 40%, enquanto o número de jogadores aumentou em 10%. Além desse detalhe, Putnam destacava que poucos pais estavam se juntando ao Jaycees, menos esposas estavam participando de associações de pais e mestres, e menos garotos estavam se juntando aos escoteiros, em parte por causa do influxo de mulheres na força de trabalho e maior mobilidade geográfica. Ele argumentava que nossa sociedade – antes “invejável” mas agora povoada por pessoas sem um propósito – não se engajava mais em discussões cívicas porque seus membros preferiam passar o tempo livre na frente da televisão que com outras pessoas.

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Ano passado, o sociólogo Michael Kimmel disse em seu livro Healing from Hate que a mesma falta de acesso a capital social era o que geralmente empurrava os jovens para o extremismo. Quando o entrevistei sobre o livro, Kimmel me disse que a camaradagem que ele encontrou nesses grupos também mantinha os recrutas neles por muito tempo depois que eles começavam a questionar as conclusões tóxicas da supremacia branca. Como McAleer descreveu: quando você ostraciza o resto da sociedade com visões abomináveis, é solitário para essas pessoas abandonar os únicos amigos que as aceitam.

E mais, o “cabo de guerra” pelo qual McAleer passou soava muito como o que Dave relembrava sobre suas experiências com o pai. “De um jeito estranho, a Klan é parecida com um grupo de apoio, tipo o Alcoólatras Anônimos”, Dave me disse, sugerindo que parte da história do racismo intratável tem pelo menos algo a ver com um desejo de pertencimento.

É óbvio que algumas pessoas que se juntam a esses grupos estão numa busca por identidade. Então como você pode cortar o crescimento dos movimentos supremacistas brancos quando, como Putnam argumentou em “Bowling Alone”, alternativas viáveis de socialização estão decaindo há décadas? Não há dúvida que a tendência de passar tempo sozinho aumentou desde o meio dos anos 90. Os noticiários de TV a cabo que os mais velhos assistem são partidários e servem para reforçar preconceitos. Millennials preferem ficar em casa a sair. Os mais jovens estão passando a maioria das horas acordados nas redes sociais, que funcionam como sua própria bolha. Pode-se argumentar que o aumento da participação em grupos de ódio é uma resposta ao isolamento da vida moderna, ou que esses americanos solitários incubaram formas mais banais de racismo e as transformaram em algo mais extremo.

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Simi, o pesquisador do laboratório no Nebraska, tem arquivos de ex e atuais supremacistas brancos vindos dessas três gerações. Como um jovem acadêmico, ele costumava contatar extremistas por meio de cartas e convidá-los para visitar suas instalações. Em 2012, ele começou a coletar histórias de seus temas para estudar as dificuldades de deixar a extrema direita.

Um padrão emergiu rapidamente – muitos dos “ex-membros” reclamavam sobre respostas involuntárias ou indesejadas que eles continuavam a ter a certos gatilhos. Por exemplo, ele falou com uma mulher chamada Bonnie, que descreveu entrar numa discussão com uma balconista latina de restaurante fast food e, num surto de raiva porque achou se hambúrguer muito pequeno, cuspir uma gíria racista e dizer “poder branco” enquanto fazia a saudação nazista. Depois, como ela disse a Simi, ela ficou “cheia de vergonha e descrença”. No total, um terço dos 89 participantes com quem ele falou por cinco anos usavam a palavra “vício” quando descreviam sua luta para expurgar crenças tóxicas.

Simi me explicou que era difícil dizer por que exatamente os entrevistados escolheram essa palavra. Uma teoria que ele desenvolveu é que vício pode ser apenas uma narrativa familiar no nosso discurso – a epidemia de opiáceos nos EUA é a pior crise de drogas dos EUA, e a sociedade evoluiu para ser mais empática sobre abuso de substâncias. E alguns deles podiam estar tentando se absolver da responsabilidade. Mas enquanto Simi conduzia suas entrevistas, ele começou a pensar que seus temas poderiam realmente ter um problema.

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“Uma das coisas que foi ficando bem clara desde 2012 era que os indivíduos relatavam sentir como se tivessem prejudicado permanentemente seu cérebro por causa de seu envolvimento, falando sobre coisas serem involuntárias e indesejadas, meio que um efeito durador”, me disse Simi. “As pessoas descreviam o que chamamos em sociologia de 'identidade residual', que quer dizer que quando você deixa uma identidade, você ainda pode sentir efeitos duradores ou recaídas periódicas. Então há esse potencial residual para qualquer tipo de identidade, especialmente uma que tinha um papel tão central na vida da pessoa.”

Simi está entre um grupo de pesquisadores investigando como o ódio pode deixar traços duradores no cérebro. Num estudo piloto conduzido na Universidade de Nebraska em Lincoln no último verão, ele e Ligon ligaram ex-supremacistas brancos a máquinas de eletroencefalograma e aparelhos para rastrear movimentos dos olhos, e mostraram a eles uma série de imagens como as que eu assisti. Algumas eram violentas, outras mostravam casais interraciais, e outras mostravam símbolos da ideologia supremacista branca, como suásticas. Num laboratório separado, o Centro de Cérebro, Biologia e Comportamento, participantes passavam pelo menos processo enquanto os pesquisadores usavam ressonância magnética para mapear a atividade do cérebro.

O estudo comparava cinco ex-membros com cinco lutadores de MMA; esses últimos escolhidos como grupo de controle porque eram homens brancos que também se envolviam em comportamento agressivo. Apesar da amostra pequena, os dados forneceram um começo intrigante. Por exemplo, ao tratar do grupo de ex-membros, várias regiões do cérebro se acendiam quando o mesmo não acontecia com o grupo de controle. Divergência notável emergiu em testes de áreas governando o processamento de rostos, linguagens, símbolos e caracteres, além de repressão emocional, cerca de 100 milissegundos depois que os participantes viam as imagens provocadoras.

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Isso vem com algumas ressalvas. Por exemplo, é possível que por que as pessoas estudadas tinham renunciado conscientemente à supremacia branca, regiões mais sofisticadas do cérebro como o giro frontal médio, que está envolvido em repressão emocional, se ativava para reagir a diferença inicial em processar ou para reprimir emoções associadas a isso. Em outras palavras, talvez eles soubessem como não deviam reagir. Ainda assim, as descobertas preliminares do estudo sugeriam que as pessoas com um histórico de supremacia branca percebiam fundamentalmente esses estímulos de maneira diferente da do grupo de controle – e rápido o suficiente para sugerir que isso acontece num nível inconsciente.

Para o estudo, Simi fez uma parceria com Ligon, que estuda por que as pessoas respondem a certas mensagens de consumo. Ela decidiu voltar seus conhecimentos para o radicalismo – ou o que ela chama de “marcas terroristas” – depois de participar de uma conferência em que aprendeu que pessoas com um certo estilo de apego tinham mais chances de lembrar de um produto inserido propositalmente num filme se estavam num estado aumentado de medo.

“Teoricamente, você fica com medo assistindo um filme de terror, então você se concentra numa garrafa de água que aparece numa cena se tem essas características em particular”, ela me disse. “É incrível as coisas que eles conseguem medir. E se você pode fazer isso com um filme de terror e uma garrafa de água, você pode fazer com um vídeo do Estado Islâmico.”

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Ilustração: Camilo Medina

Apesar de não parecer óbvio que uma escola de administração seria o lugar para pesquisar radicalização, isso faz sentido. Afinal de contas, o líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, tecnicamente está vendendo alguma coisa, seja a promessa de uma vida imbuída de sentido ou meramente um senso de pertencimento.

O que os dois acadêmicos descobriram em ex-membros de grupos de ódio foi uma verdadeira dissonância cognitiva: apesar dessas pessoas terem publicamente rejeitado a ideologia supremacista branca, elas ainda exibiam picos de “prazer” vendo imagens de um protesto nazista. A implicação era que extremismo era algo que nunca pode ser realmente desligado, não importa quanto você queira.

Embora o teste que fiz não sugerisse que eu tinha estragado meu cérebro lendo fóruns e threads racistas para o trabalho, isso me deu uma visão melhor de como “marcas terroristas” ainda podem afetar uma pessoa fora de círculos extremistas. Minha resposta de prazer teve um pico quando vi uma família de refugiados, uma família neonazista e um grupo de crianças descendo um tobogã, parte de uma propaganda do Estado Islâmico. Minha personalidade aparentemente era extremamente suscetível a essas imagens de orientação familiar.

Mas esse tipo de ciência só vai até um ponto para oferecer esperanças de criar uma ponte sobre divisões como as que se abriram entre Dave e seu pai. Durante nossas conversas, ele disse que foi se distanciando da própria família – incluindo o homem que ele esperava salvar. “Quero deixar claro que não faço apologia ao racismo nem defendo meu pai de qualquer maneira”, ele me disse. “Ele se tornou uma pessoa má e horrível, mesmo com suas próprias preocupações sobre o grupo de que faz parte. Mas entendo como ele chegou lá, e acho que as pessoas são rápidas em demonizar os racistas sem realmente saber como eles ficaram assim. Ninguém nasce racista, mas milhões de homens e mulheres como meu pai se voltaram para essa mentalidade, e baseado no que vi e ouvi, eles chegaram ali através das mesmas, ou muito parecidas, experiências.”

As pessoas podem mesmo demonizar racistas, como Dave disse, mas ainda não concordamos, pelo menos em níveis oficiais, que a condição deles é mental e está além do controle deles. E Simi disse que ele precisa saber muito mais sobre a arquitetura neuropsicológica da questão para poder sugerir qualquer tratamento ou intervenção.

“Mas em termos de terapia comportamental cognitiva, isso nos dá um entendimento muito melhor de com que estamos lidando em termos de quão profundamente entrincheirada parte dessa mentalidade pode ser”, ele me disse. “Então no nível mais básico isso nos diz que, quando você deixa um grupo, não é o fim da história. Acho que há implicações substanciais.”

Em outras palavras, as últimas evidências sugerem que abraçar uma ideologia de ódio pode reprogramar seu cérebro. Isso quer dizer que depois que você entra, como você chegou lá pode não importar mais.

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