Como artistas e influencers alavancaram a aviação clandestina no Brasil
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Como artistas e influencers alavancaram a aviação clandestina no Brasil

Com sites maquiados, serviços de caixa dois e falta de regulamentação, os táxis aéreos piratas oferecem um serviço 30% mais barato para sua rica clientela.

Você já deve ter visto que, em meio à rotina suada, muitos artistas e empresários brasileiros recorrem a uma aeronave particular. O apresentador Luciano Huck, que pegou uma ajudinha do BNDES, é um deles; o cantor Gusttavo Lima, que juntou grana de shows para realizar o sonho do seu jatinho próprio, é outro. Mas, como sabemos, nem todos conseguem desembolsar 40 milhões de reais para adquirir uma belezinha aérea. Para a grande maioria dessa galera que é milionária-mas-nem-tanto, a saída para viajar rápido e sair bem na foto do Insta é alugar uma nave para viagens pontuais. E, de preferência, uma locação que seja mais barata: uma clandestina.

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Para ser mais preciso, os táxis aéreos piratas dominam 70% do mercado segundo pesquisa recente da ABTAer (Associação Brasileira de Táxi-Aéreo). Por não ter autenticação do governo, essas empresas fora-da-lei não cumprem com as regulamentações obrigatórias e oferecem viagens por preços bem inferiores aos das companhias sérias. Interessados na melhor oferta, seus clientes vêm de todos os cantos do Brasil: são bandas, cantores sertanejos, socialites, startupeiros, modelos e influencers que precisam de transporte aéreo descomplicado.

Para se ter uma ideia, hoje existem apenas 120 empresas regularizadas e especializadas no transporte aéreo privado para atender o público de maior poder aquisitivo no Brasil. (Poucos anos atrás, eram 300.) Todas são autenticadas a partir das regras da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que exige exames periódicos da tripulação como relatórios e análises envolvendo o rendimento no trabalho, indicações do nível de sobriedade toxicológica e 60 manuais de conduta diferentes.

Cumprir essas exigências têm alto custo, claro. Estima-se que até 20% das despesas totais de empresa de transporte privada se dão com a demanda burocrática que o governo exige para reiterar a segurança do transporte de aviões, jatos e helicópteros. Isso explica, em parte, por que o número de companhias legais caiu quase pela metade em poucos anos. Muitos donos delas perderam grana com burocracia enquanto empresas piratas cresciam na surdina.

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"Os donos de serviço clandestino conseguem cobrar 20 a 30% mais barato do que as empresas licenciadas"

A ascensão das companhias de táxi aéreo clandestino, dizem pessoas do setor, começou poucos depois de 2008. Nessa época, com a onda da baixa do dólar, a classe A viu uma chance para adquirir seu helicóptero modelo Robinson 44 e contratar um piloto profissional para fazer possível suas viagens de última hora para qualquer lugar. Depois que a boa onda econômica passou, em 2013, as mesmas pessoas começaram a alugar suas naves para aliviar o próprio custo, já que não é uma coisa barata de manter.

"Por ser uma aeronave privada e não precisar das exigências que a ANAC exige para os táxis aéreos comerciais, os donos conseguem cobrar 20 a 30% mais barato do que as empresas licenciadas", afirma Jorge Bitter, da Associação Brasileira de Táxi Aéreo, ao Motherboard.

O dia em que Marília Mendonça e Anitta pegaram um táxi aéreo clandestino

Hoje é permitido um dono de nave emprestá-la pra um amigo sem custo nenhum. O problema é quando uma pessoa tem a licença particular e acaba custeando o aluguel. E como é difícil diferenciar uma coisa da outra, a fiscalização não é das mais simples.

Segundo Jesivaldo Santos, representante da ANAC, por muitas vezes as empresas clandestinas dão um toque no cliente para falar aos fiscais que a viagem é gratuita e só pegou emprestado de um amigo. “Se a ANAC não estiver como provar o contrário, a autuação não é possível", conta.

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As empresas clandestinas também não emitem nota fiscal, sonegam imposto e consequentemente praticam caixa dois por realizar uma transferência simples ao piloto ou dono da aeronave. Essas contratações são feitas de maneira informal, por indicação ou até via sites maquiados que se passam por assessorias especializadas em aeronáutica.

Quem as contrata são as produtoras de artistas ou assessores de empresários. Elas fazem a ponte entre a figura pública e o serviço. Muita gente famosa como Gusttavo Lima (antes de comprar sua própria) e Maiara e Maraísa já foram flagrados dentro desses táxis aéreos clandestinos e tiveram que prestar depoimentos para as autoridades.

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O dia em que Marília Mendonça foi pega em um desses aviões não foi diferente. O jatinho que transportava a cantora para Jundiaí foi parado pela ANAC em maio deste ano. Ela e toda sua equipe tiveram que prestar depoimento para os agentes. O avião em questão está matriculado e pertence à empresa Central Veredas de Agronegócios S.A, localizada em Indianópolis em São Paulo e que comercializa produtos para agricultura e pecuária. Um clássico caso de táxi aéreo clandestino pego pela fiscalização.

A ANAC não esconde que aproveita a agenda já pré-estabelecida desses artistas para preparar com antecedência as fiscalizações e conseguir sucesso na operação. Algo similar ocorreu com a cantora Anitta em uma viagem mais recente mês passado, quando a produtora contratou um avião pertencente a uma empresa imobiliária da Barra da Tijuca com a razão social de Fato Gestora de Negócios LTDA.

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Os serviços piratas autuados ficaram suspensos até o fim das investigações. A cassação da licença do piloto e o bloqueio do uso da nave acontecem apenas em casos reincidentes.

Tentativa de driblar a clandestinidade

Diante da perda de espaço, as empresas licenciadas de táxi aéreo comercial pensam ter achado uma solução: um serviço de sistema compartilhado voltado para o público de classe alta.

Segundo Paul Malicki, da Flapper, uma das startups de serviço de táxi aéreo compartilhado, a ambição da empresa é democratizar 2,67 milhões de cidadãos que têm o poder aquisitivo para primeira classe para ter acesso a esse tipo de serviço.

Os serviços, diz Malicki, são simples e feitos por meio de um aplicativo. Em questão de segundos o app te manda a conta e reserva um assento em um jatinho de alta classe ou um helicóptero moderno para dar um rolê e driblar o trânsito na cidade.

A aposta é tão grande quanto os investimentos. A Luciana Sales, SEO da Sales Serviços Aéreos, contou ao Motherboard que cada vez mais quer oferecer uma experiência diferente e exclusiva para os clientes. "Fizemos um investimento de R$ 10 milhões em nosso hangar para ampliar a operação e crescer 30% neste ano", ressalta a empresária.

Segundo a empresa, a demanda aumentou em torno de 45% após as interdições e operações da ANAC. Mesmo sendo quase impossível de encontrar as empresas clandestinas, a alternativa do mercado regular foi achar um outro público, também com dinheiro no bolso.

Agora, quem sabe, os ricos poderão voar em paz e sem se preocupar com um agente de fiscalização atrasando sua viagem.

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