Era fevereiro. O dia estava ensolarado e quente. De calcinha lilás, cabelos longos e lisos e com os seios à mostra, a soldado do Corpo de Bombeiros do Paraná Lilian Vilas Boas, 32, posava para as lentes do fotógrafo curitibano Arnaldo Belotto. Um dia depois da publicação das imagens no site do projeto, a soldado recebeu uma carta da corporação. Mas a punição, de fato, surgiu somente em julho. Lilian terá de ficar detida por oito dias. A questão que paira no ar é: por que bombeiros homens podem aparecer em fotos sensuais e sem camisa sem receber nenhuma punição?

O calendário Heróis do Rio, autorizado pela própria corporação do Rio de Janeiro, traz fotos de bombeiros cariocas em poses sensuais. Mas nenhum deles é punido por isso – mesmo que o Regulamento Disciplinar do Exército valha para todo o território nacional. Fotos de sujeitos fortes e descamisados são postadas à exaustão nas redes sociais, como no Instagram e no Facebook do projeto.

Nas fotos de Lilian não havia nenhuma menção à sua profissão, nenhum uniforme, nada. Mas, aparentemente, os homens podem usar mangueiras, capacetes e roupas da corporação nesse tipo de ensaio. Lilian não.

De acordo com uma nota divulgada por uma amiga da soldado, que não pode dar entrevistas, ela, "apesar de tudo, fica satisfeita por estar surgindo um movimento muito positivo para alertar a sociedade de como as mulheres são tratadas dentro das corporações militares e fora delas, e também por estar levantando a questão da coerência das normatizações aplicadas nos dias de hoje".

Ex-sargento do Exército durante uma década e há 16 anos atuando na área de direito militar, o advogado Flávio Tavares acredita que o cunho da punição tenha relação com o fato de Lilian ser, simplesmente, mulher. "Penso que, caso a punição se concretize, além de machista será uma atitude hipócrita, especialmente porque a própria corporação já explorou a sensualidade de inúmeros militares. Além disso, estarão dando à ela um tratamento diferente daquele que foi dado para outros militares em diversos casos semelhantes."

O advogado relembra outros casos de ensaios sensuais que nunca tiveram problemas judiciais, como do capitão de bombeiros Albucacys, que posou para o calendário Heróis do Rio, em 2003, e da judoca militar Katherine Campos, que fez fotos sensuais.

"Os casos de militares que exploram a sua beleza e sensualidade são incontáveis", relata Tavares. "Dezenas deles participaram de ensaios sensuais como, por exemplo, Talisca Reis (da Marinha), Raphaella Galacho (Exército) e a esgrimista Amanda Semeão (Exército)."

O G1 publicou o boletim interno com a punição da militar. O documento apresenta os artigos e incisos que teriam sido transgredidos.

Quando Lilian recebeu a carta da corporação, logo entrou em contato com o fotógrafo curitibano Arnaldo Belotto. "Conversamos e resolvemos tirar do ar no mesmo dia", relembra o profissional. "Vários homens fazem fotos sensuais, calendários. Claro que é machismo. É ridículo. Pra mim, é uma tristeza." As fotos foram publicadas no Projeto Velvet, que Belotto iniciou em agosto do ano passado.

O advogado da soldado está conduzindo o caso e recorrendo da decisão. Em nota oficial, o Comando do Corpo de Bombeiros e o Comando Geral da Polícia Militar do Paraná afirmaram que, em caso de recurso, "farão a reavaliação sob todas as óticas, seja dos fundamentos da punição ou em relação às suas circunstâncias e dosimetria da pena".

Nesta semana, uma outra polêmica eclodiu: um concurso público para ingressar no Corpo de Bombeiros do Distrito Federal exige das candidatas o papanicolau, um exame ginecológico direcionado à mulheres sexualmente ativas para detectar doenças como câncer de útero, HPV e DSTs. Segundo o edital, mulheres virgens não precisam fazer o exame, mas devem apresentar um comprovante médico que ateste virgindade. Nenhum exame do tipo é solicitado para candidatos homens.

Nota: a publicação da foto que ilustra esta reportagem foi autorizada pela soldado Lilian Vilas Boas.

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