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O Criador de Burka Avenger Fala Sobre as Críticas a Seu Desenho Animado no Paquistão

Ele diz que o desenho é para empoderar as mulheres paquistanesas.

Burka Avenger é um desenho animado paquistanês sobre uma super-heroína foda que combate os bandidos e usa uma burca ninja para esconder sua verdadeira identidade. O programa tem rodado pela mídia, iniciando discussões sobre se o uso da burca como ferramenta de capacitação das mulheres é apropriado. Será que a Burka Avenger é exatamente o que a juventude paquistanesa precisa para a reforma social, ou será que isso está corrompendo a juventude ao tentar normalizar as burcas para as crianças?

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Logo na metade do primeiro episódio, exibido no final de julho, ficou claro para mim que, fora a novidade da burca substituindo a capa e cueca por cima da calça dos super-heróis comuns, Burka Avenger era como qualquer outro desenho animado. Fora algumas referências à cultura pop paquistanesa — como a menção a atriz Veena Malik, por exemplo — o programa segue a mesma premissa do Capitão Planeta. O desenho mostra três crianças boas samaritanas que se encrencam por desmascarar políticos corruptos, industriais gananciosos e autoridades religiosas, e a Vingadora de Burca é evocada no final para bater nos vilões e entregar uma lição de moral.

O mais surpreendente no desenho é que seu tema central — promover a educação formal para garotas do cinturão tribal do Paquistão — não foi baseada na história de Malala Yousefzai, a adolescente ativista da educação feminina baleada na cabeça por extremistas religiosos. Seis episódios do desenho foram concluídos antes que Malala fosse atacada. Para saber mais sobre o programa e a direção que ele pretende tomar, conversei com o criador do desenho, Haroon — que é mais conhecido por ser uma estrela pop internacional.

VICE: Você é mais conhecido no Paquistão por ter feito parte de uma boy band no meio dos anos 1990. Como você acabou criando algo tão controverso?
Haroon: Comecei a fazer minha própria produção de vídeos há muitos anos. Muitas vezes, assisto a algum filme local e penso: “Que lixo!”. Meu trabalho na produção de clipes no Paquistão nos últimos 20, 25 anos me deu mais experiência do que muita gente que vem fazendo isso por aqui atualmente. Aí pensei: “Por que não tentar fazer um filme?”.

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Começamos com um jogo para iPhone, que funcionou muito bem, então,começamos a fazer o storyboard da história dela. Sou contra o armamento, então, tivemos a ideia dela usar livros, canetas e mochilas escolares quando se trata de repelir o inimigo. Trabalhei com meu animador, Yousaf Ejaz, em algumas imagens e os programadores começaram a animá-las. Fiz a música e a dublagem separadamente em meu estúdio em casa.

O primeiro episódio é sobre caras maus que tentam fechar uma escola para garotas. A Burka Avenger aparece e luta com eles usando canetas e livros. Quando vi o produto final no outono de 2010, pensei: “Uau, temos todos os recursos para fazer animação aqui em Islamabad”. Ejaz me apresentou para outros animadores. No início, pensamos em fazer algo bem básico, com talvez 10 ou 20 pessoas, mas fomos ficando mais ambiciosos pelo caminho.

O enredo do primeiro episódio, que é sobre educação de meninas, quase previu o incidente com a Malala. Como essa história surgiu?
Quando se vive no Paquistão, todas essas questões sociais estão sempre bem à sua frente. É muito difícil ignorá-las. Quando me sentei para criar as ideias para um filme, uma delas era sobre uma protagonista que impede o fechamento de uma escola para garotas. Em 2010, li que muitas escolas para meninas estavam sendo fechadas por extremistas. Em 2011, decidi atuar na ideia. Pensei que um filme demoraria em torno de um ano para ser feito, então, comecei com o jogo para iPhone e depois parti para o desenho. Quando começamos éramos só eu, um artista, um animador e uma dupla de programadores. O time hoje conta com 22 animadores e tem até 32 pessoas no total. O primeiro episódio foi feito em maio de 2012. Esse era o episódio da escola, em que uma garotinha confronta os homens maus que querem fechar sua escola. Em outubro de 2012, já tínhamos seis episódios prontos. Foi nesse mês que o incidente com Malala aconteceu. Ficamos atordoados. Eu ainda não tinha ouvido falar da Malala. Parecia a vida imitando a arte. Isso passou a ser visto como um tópico muito importante no Paquistão. Muita gente insistiu para que a gente lançasse o programa naquela época.

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Mas vocês não fizeram isso.
Não. Senti que seria como tentar lucrar em cima de uma tragédia e, em segundo lugar, eu não tinha todos os 13 episódios prontos. Eu queria todos eles terminados. Conseguimos terminá-los em janeiro de 2013 e o programa foi lançado no meio do Ramadã.

É o que eles sempre dizem: “O Ramadã é para as crianças”.
[Risos]

Quais são alguns dos tópicos dos outros episódios?
Falamos sobre trabalho infantil, roubo de eletricidade e coisas assim. Quando eu era criança, lembro que meus pais liam histórias com moral no final para mim. Infelizmente, muita gente é analfabeta no Paquistão e muitas crianças não podem experimentar isso. Muitas das histórias são construídas com uma moral ou um tema.

Um dos episódios lida com a discriminação. Vadero Pajero, um político corrupto, tenta construir um hotel duas estrelas chamado Feroz Sentimental na vila onde uma das crianças da escola, Mooli, vive. Toda a família de Mooli foi desenhada para se parecer com ele, com poucos fios de cabelos grossos, uma cabeça grande e óculos grossos. Vadero Pajero começa a criar hostilidade contra a família de Mooli. Ele faz um discurso na cidade dizendo: “Essas pessoas, os Mooli, são diferentes de nós. O que eles querem aqui? Vocês deveriam expulsá-las”.

A cidade inteira se volta contra a família de Mooli e os outros personagens ficam tristes e imploram: “Não queremos que você vá embora, Mooli”. E Mooli diz: “Eu também não quero ir. Adoro vocês, pessoal. Halwapur é meu lar, mas as pessoas não nos querem mais aqui”.

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Então, a versão animada da banda canadense Josh [um famoso grupo canadense de Bhangra] aparece e pergunta às crianças qual é problema.

A banda conta que a dupla é formada por um paquistanês e um indiano — um muçulmano e um sikh. Eles falam sobre viajar pelo mundo juntos e cantam uma música sobre irmandade e paz. E todas as pessoas da cidade cantam junto com eles, envergonhadas por terem sido intolerantes.

Como você escreve os episódios?
Penso num tema e construo um episódio em torno disso, como roubo de eletricidade. Superstição também é um tema que queremos abordar, porque os paquistaneses ainda são muito supersticiosos. Em um episódio, um homem numa mesquita sequestra as crianças e as leva para uma bhoot bungala [casa mal-assombrada], que, na verdade, é uma fábrica que usa trabalho infantil. Esse episódio se divide em duas partes: a primeira fala sobre superstição, porque todo mundo tem medo da casa mal-assombrada, e a segunda, sobre a questão do trabalho infantil.

O que você acha que as pessoas precisam saber sobre o Burka Avenger?
O desenho é sobre dar poder às mulheres. É sobre girl power. Temos três personagens femininas importantes. Uma é Jiya, a professora da escola e a Burka Avenger. Outra é Ashu, uma garotinha segura e inteligente que pensa profundamente sobre as coisas. Ela enfrenta Baba Bandook quando ele tenta fechar a escola. A terceira personagem é uma repórter de televisão. Quando a escola é fechada, ela fica ultrajada: “Como eles ousam fechar a escola? O que eles vão fazer depois, nos impedir de viver e de respirar?”.

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Algumas mulheres do Ocidente me escreveram dizendo que não gostam do modo como as super-heroínas são hipersexualizadas e como a maioria das personagens da Disney parecem antiquadas. Nossas personagens femininas são fortes e não são submissas.

É bom ver essas questões sendo abordadas como entretenimento. Por que você acha que não há tanto desse tipo de entretenimento abordando essas questões no Paquistão?
Acho que tem um pouco a ver com a influência da mídia indiana. No Paquistão, especialmente agora, os canais acham mais fácil passar conteúdo indiano e deixam o conteúdo paquistanês de lado. Muito do conteúdo indiano me parece “enlatado”. Eles contratam uma dubladora famosa como a Sonal Nigum para a dublagem, um grande diretor de Bollywood para dirigir e atrizes famosas todas produzidas para atuar. É difícil para os artistas paquistaneses, com orçamentos sempre apertados, competir com isso. Muitos orçamentos para um único videoclipe indiano são maiores do que o que gastamos com um projeto inteiro e a promoção dele.

Isso é um assunto um tanto delicado, mas por que você acha que o Paquistão está tão fodido?
Foram os anos 1980, sob a ditadura de Zia ul Haq [que tinha o apoio dos Estados Unidos]. Ele trouxe o islã wahabi [da Arábia Saudita] para o Paquistão. Nos anos 1960 e 1970, o Paquistão era muito mais liberal. Vendo as fotografias daquela época, é fácil perceber a diferença no modo como todo mundo se vestia. Durante os anos 1980, Zia usou o wahabismo como ferramenta política para conseguir mais apoio na nova direita do país.

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Eles pararam com todos os programas de música. Quando eu era adolescente, o único jeito de ver ou ouvir música era por meio do Top 20 da BBC ou das rádios de ondas curtas. Sempre que um amigo ou parente ia para a Inglaterra, eu implorava para que eles gravassem o Top of the Pops pra mim e eu assistia aquelas fitas sem parar. O Paquistão não teve nenhum programa musical na televisão até os anos 1990. Do que me lembro bem nos anos 1980 era a falta de liberdade de imprensa. Lembro de receber o jornal em casa quando criança e ver a matéria da primeira página toda apagada. Eles não tinham tempo de mudar a história, então um artigo inteiro da primeira página podia ser apagado.

Há alguma história dos anos 1980 que você gostaria recriar no Burka Avenger?
Lembro de ter presenciado um ataque de laathi [cassetete] nos anos 1980. Na verdade, essa é uma história engraçada. Naquela época, o breakdance era uma coisa grande no Paquistão. Formamos uma pequena turma de break na adolescência e fomos enfrentar outra turma no Mercado Jinnah.

Colocamos nosso pequeno boom box no chão, fizemos nossa coreografia e eles fizeram a deles. Enquanto isso, uma multidão se juntou em volta para ver. Naquela época, reuniões públicas eram proibidas porque Zia era paranoico com levantes populares. De repente, 20 minutos depois de começarmos, ouvimos um apito alto e policiais com enormes dandas [pedaços de pau] chegaram espancando a multidão. Lembro de me virar para meu irmão menor, Benny, que só tinha dez anos, agarrar a mão dele e correr pelas nossas vidas. Eu tinha 15 na época e foi a coisa mais louca que enfrentei até aquele momento. Estávamos fugindo e a polícia estava nos perseguindo. A multidão corria para todas as direções. Era assim a vida sob a ditadura de Zia ul Haq nos anos 1980.

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Uau. E qual tem sido a resposta ao Burka Avenger?
A resposta ao primeiro episódio foi incrivelmente positiva. O único feedback negativo veio das blogueiras feministas ultraliberais. Elas não assistiram ao programa, só ouviram o nome ou assistiram ao trailer. Elas não sabem que a Burka Avenger é o alterego de Jiya, a professora das crianças, que ensina ética a elas. Ela não usa o véu ou mesmo um lenço. A maioria dos paquistaneses e das pessoas do Ocidente entenderam a ideia, mas 0,0001% das blogueiras feministas do Paquistão não.

Essas mulheres não assistiram ao programa, isso é só uma reação instintiva. Mesmo os conservadores que achavam que isso iria banalizar o islã assistiram aos episódios e viram como o programa defende a ética do verdadeiro islã. Eles adoraram o desenho. A rede GEO tem tido pontos altos de audiência e só está crescendo. Desde a estreia, o programa se tornou popular não só no Paquistão, mas por todo o mundo. As pessoas estão curtindo muito.

Saiba mais sobre o Burka Avenger aqui.

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