O telefone de Ricardo Lísias não para de tocar desde as seis da manhã desta sexta-feira (11). "O Brasil está vivendo um estado de alucinação", diz o autor que está sendo investigado por suspeita de falsificação e uso de documento público, como foi noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo. Tudo começou depois que o escritor recebeu uma intimação da Polícia Federal pedindo explicações sobre a origem do documento que aparece no quinto fascículo da sua novela digital Delegado Tobias.Documento da discórdia retirado do quinto fascículo deDelegado Tobias. Reprodução."Parece que estou sendo acusado de ter falsificado um documento que eu inventei que está numa obra literária minha, o Delegado Tobias", explica o autor conhecido por relacionar verdade e ficção em obras como Céu dos Suicidas, Divórcio e o próprio Delegado Tobias. Segundo Lísias, o processo da PF foi motivado a partir de uma denúncia feita por "um grupo de jornalistas ou um grupo de advogados". "Pelo que entendi eles tiraram o documento que eu fiz de contexto e não disseram que era uma obra de ficção", fala o escritor.Pedro Luiz Bueno de Andrade, advogado de Lísias, explica que um dos "elementos artísticos" usados em Delegado Tobias é uma cópia de uma decisão judicial. "Aquele elemento da obra dele apareceu no Facebook e foi encaminhado, não sabemos por quem, para a Justiça Federal cuja assessoria de imprensa teria tirado aquele elemento de contexto", comenta. "Talvez as pessoas não tenham entendido que aquilo se tratava de autoficção, e foi aí que entenderam que estavam falsificando um documento da Justiça Federal".
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A confusão fez com que a Justiça Federal entregasse o suposto documento falsificado para o Ministério Público Federal que decidiu investigar o caso. Tá pouco de processo? Foi assim que o MPF, conta o advogado, requisitou ao delegado da Polícia Federal a instauração de um inquérito para "apurar crimes de falsificação de documento público e uso de documento público falsificado, são dois crimes diferentes"."Eu estava sentado aqui e inventei um nome [do relator que consta na decisão judicial ficcional], e depois eu conferi pra ter certeza que não existia a pessoa", relembra Lísias sobre o processo de criação da peça ficcional. "É como se você estivesse filmando uma novela, uma criança nascesse e o diretor mostrasse na tela uma certidão de nascimento", relaciona o autor que lança a questão: "Você vai processar o diretor por isso?".O documento, explica Lísias, foi propositalmente criado para causar estranhamento — "só não esperava que fosse tanto [estranhamento], não imaginava que o Ministério Público Federal fosse abrir um inquérito".O imbróglio retirado da ficção diretamente para a realidade só será concluído depois que o escritor for ouvido pelo MPF. Caso a instituição entenda que faltam provas que comprovem a ficcionalidade do documento, será aberta uma ação penal contra Ricardo Lísias. A pena para o crime, caso Lísias seja julgado culpado, é reclusão de dois a seis anos mais multa.O advogado do autor lembra que "um crime de falsificação de documento não existe se o suposto documento falso não causa nenhum prejuízo a ninguém". Enquanto isso, Lísias diz que a história que já tinha dado por encerrada deve ter uma continuação: Delegado Tobias, o Renascido das Cinzas."O documento foi propositalmente criado para causar estranhamento — só não esperava que fosse tanto estranhamento."