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O Miguel levou uma chibadela e ficou um ano dentro

Agora está a tirar um curso de multimédia.

Há muito tempo que o Miguel (nome fictício) anda nesta vida. Aos 13 anos já metia drogas — primeiro, as leves, depois, as mais pesadas — e aos 17 já traficava. Fazia-o pelo prazer de fazer negócios e pelo desejo de ter a mesma vida que invejava nos colegas. Aos 22 aceitou a proposta de, entre aspas, viajar até à Madeira, levando consigo um pacote na mala. Foi apanhado logo à segunda viagem — ia carregado de cavalo. O Miguel acredita que foi chibado por um invejoso e garante que o problema já foi resolvido, embora não me explique como. Fui à Amadora para o conhecer e saber se ainda anda nestes filmes. VICE: Sempre viveste na zona da Amadora?
Miguel: Ya. Nasci cá e sempre vivi cá. Conta-me: como te iniciaste?
Com 13, 14 anos comecei a pegar na ganza. Sempre fui da ganza, mesmo… E ainda és porque cheira.
É normal. É aquela cena. Não tinha guita, precisava de guita para mim e para a minha cota e não queria trabalhar porque tinha de estudar. Foi assim. Comecei com o chamon, o pólen, bolota e erva. Foi de tudo um pouco. Mas para que te servia a guita?
Precisava mesmo de ter dinheiro para mim. Sou uma pessoa que não pode estar sem dinheiro. Agora já não, já me conformo. Se não tiver dinheiro no bolso penso “ya, ‘tá-se bem, que se foda”, mas antes precisava mesmo de ter dinheiro. Mas isso já com 13 anos?
Ya, meu. Jogava basquetebol e queria estar sempre a comprar coisas boas. Tinha de ter dinheiro de alguma maneira. Ou era a família que me dava de vez em quando, e eu depois gastava, ou, ya, tinha de fazer o meu dinheiro. E depois dessa fase, como foi?
Quando comecei a vender já fumava. Comecei a ganhar mais conhecimento e passei a vender bolota, erva, pólen… E as cenas mais pesadas vieram quando?
Pá, não sei. Há uns quatro ou cinco anos. Aos 17, portanto.
Ya, quando comecei a ir a festas de trance. Aí já comecei a dar no MD, ácidos e essa merda. Houve aí uma fase em que eu ia às festas e vendia MD. Só para diversão. Depois disso aventuraste-te noutras merdas.
Depois, aí com 22, comecei a vender só mesmo de vez em quando porque andava aí tudo muito espigado. Tinhas muita gente a olhar para ti?
Não era só em mim, no geral. E foi nessa altura que comecei a fazer umas viagens. Fiz uma, fiz duas… À segunda deram uma chibadela e fui agarrado. Para onde eram essas viagens?
Para a Madeira. Agora cheguei, tive um ano preso à espera de julgamento. Cheguei a julgamento, fui primário e tive pena suspensa. Agora estou aqui. Foste apanhado cá ou na Madeira?
Na Madeira. Ias com a carga para lá?
Sim, levava a carga na mala. Mas o que levavas?
Na primeira viagem fui com branca. [Entretanto começa a enrolar um charro.] Apanharam-te com quanto?
Fui agarrado com um quilo e 100 gramas de cavalo. Qual é a diferença de preços?
Aqui compras um quilo de branca por 25, 30 e lá vendes por 60, 65. Compensa. Uma placa de 100 gramas de pólen custa-me 130, 140 e lá vou vendê-la a 600 paus. É lucro. Uma tira de cinco aqui, lá é 25, 30. Foste apanhado pelos cães?
Não. Foi chibadela mesmo. Eu ia tranquilo — um gajo que vai fazer essa merda não se pode borrar por qualquer coisa. A PJ estava a perguntar-me o que tinha e eu disse que não tinha nada. Quando eles me rasgaram a mala e viram lá a droga, disse que não sabia o que era. Só quando vi que já não dava para continuar a enfiar o barrete nos bófias é que disse: “Ya, ‘tá-se bem. Que se foda.” Nunca tiveste problemas com os teus clientes?
Só não gosto que falem sobre isto ao telefone. Avisei-o a primeira vez. Avisei-o a segunda. À terceira, não o avisei mais. Ligou-me a pedir dez euros de pólen. “Filha da puta. Consigo pois, vem cá.” Peguei nos dez euros, fui ter com o meu sócio, fumei umas e bazei. Disse-lhe que os dez euros também bazaram. “Ah, porquê?” Tinha o cartão há três dias e ia ter de comprar um novo à pala dele. E acabou-se a conversa. Acabou-se a puta da conversa logo ali. Pois.
Não é por um gajo ir buscar dez euros uma ou duas vezes por semana que eu vou ficar rico. Não é à pala desses. É à pala dos que vêm todos os dias. Esses eu estimo e esses também me respeitam. Por que é que achas que foste chibado?
Posso dizer tantas coisas, mas foi mesmo por inveja. Há pessoas que não sabem fazer negócios e que são afastadas. Nessas alturas, essas pessoas ficam chateadas por terem sido afastadas. Quem foram os gajos que te chibaram?
Já não vale a pena. O assunto já está tratado. Já não interessa. Mas falaste com eles depois?
Achas que sim? À pala disso é que fui preso. Disse “falar”, mas queria dizer ajustar as contas.
Já está tratado. Como?
Se disser alguma coisa ainda pode alguém ir preso. Ok, mudando de assunto. Ficaste logo na Madeira, não te transferiram para Lisboa?
Não, meu. Fiquei logo na Madeira. Tive de ficar lá um ano à espera de julgamento. E na prisão também fazias essas cenas?
Lá dentro até telemóvel tinha. Quanto é que te custou?
Era todo podre, custou-me 200 paus. Lá dentro era igual.
Era a mesma coisa. Se eu cá fora precisava, lá dentro ainda mais. Antes de seres preso quanto é que tiravas?
Depende do dinheiro que as pessoas tivessem. Numa noite já fiz 600, 800 paus com MD. Consumias tudo o que vendias? Cavalo, branca…
Não, pá. Essas cenas eu vendia para outro man. Não levava a minha droga, era tipo pombo-correio. Agora, as cenas que eu vendia para mim, ya, sempre dei em tudo. E hoje o que estás a fazer? Estás desempregado?
Estou a tirar um curso de multimédia e recebo dinheiro pelo curso que estou a tirar. E a partir de agora, vais ficar certinho?
Pá, isso… Então?
Agora estou a fazer o curso de multimédia, estou a curtir. Quero ver se me especializo na área do vídeo. Mas também quero ficar na cena da imagem para fazer as capas dos CDs da malta aqui da zona. Isso é fixe.
Mano, mas se chega uma altura em que vejo que o dinheiro não me chega e tenho de arranjar mais, é mesmo: não faço mal a ninguém, se não for eu a vender aos meus clientes vou ter de estar a chamar um amigo para isso, por isso prefiro ser eu a vender. Ganho eu dinheiro e não dou dinheiro a ganhar aos outros. Mas começaste agora o curso.
Ya, comecei agora o curso e não tenho dinheiro ainda, mas no final do mês já vai ser diferente. É aquela cena, mano. Fotografia por Nuno Barroso