Tecnologia

Trabalhadores terceirizados do Google vão se sindicalizar

Os funcionários são de uma empresa chamada HCL, que abertamente desencorajou a formação de um sindicato.
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Stefan Sidelnick e Ben Gwin saindo da Biblioteca Carnegie momentos depois da votação onde os empregados da HCL America aceitaram se organizar com o United SteelWorkers. Imagem: Brian Conway.

Oitenta trabalhadores terceirizados da HCL America, uma empresa de Pittsburgh que presta serviços ao Google, decidiram se sindicalizar com o United Steel Workers (USW ou União dos Trabalhadores Siderúrgicos) na terça-feira (24). Os funcionários vão se organizar sob o nome de Pittsburgh Association of Tech Professionals (PATP ou Associação de Profissionais de Tecnologia de Pittsburgh). A decisão foi aprovado numa assembleia com 49 votos a favor e 24 contra.

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Damon Di Cicco, organizador do United Steel Workers, disse que o PATP foi formado com o apoio do Departamento para Empregados Profissionais (Department for Professional Employees - DPE), um ramo semiautônomo da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, a maior central sindicial dos EUA) representando mais de quatro milhões de profissionais, técnicos e outros trabalhadores de formação superior. A aprovação do sindicato é algo histórico para trabalhadores de tecnologia, e pode incentivar outros da indústria a seguirem por esse caminho.

Segundo Di Cicco, a ideia era criar uma associação guarda-chuva para facilitar a organização do setor de tecnologia, e eventualmente ajudar outros profissionais locais a se coordenar e cooperar entre si.

A formação da PATP, de acordo com Di Cicco aconteceu separadamente à sindicalização dos funcionários da HCL, porém foi o pontapé inicial para esse processo. Agora, o grupo teve sua primeira vitória.

A aprovação veio apesar das tentativas da HCL de evitar que seus funcionários formassem um sindicato. E-mails compartilhados com a Motherboard EUA mostram que Jeremy Carlson, vice-gerente-geral de operações da HCL America, mandou pelo menos meia dúzia de e-mails para seus funcionários duas semanas antes da votação. Muitos deles diziam aos empregados para não se sindicalizarem.

“Os siderúrgicos geralmente são 'colarinho azul', não trabalhadores da indústria de tecnologia como nós, e a grande maioria dos terceirizados com quem eles negociam são empregados de indústrias sem nenhuma relação com a nossa”, dizia um dos e-mails. “Você acha que os siderúrgicos entendem nossas necessidades, nossa indústria, nosso negócio, ou seja lá o que você faz todo dia? Acho que não.”

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“Realmente acredito que o melhor caminho para nós, para trabalhar com vocês e sua liderança – é sem um sindicato”, ele continuou. “Especialmente um sindicato que não nos entende, não entende o que fazemos e como trabalhamos. Enquanto o USW pode entender o que os trabalhadores da indústria do aço precisam ou como as empresas do ramo operam, a indústria de tecnologia é diferente – e essa diferença nos torna únicos.”

Outros e-mails enviados por Carlson sugerem que os grupos sindicais com o USW têm “remorso de comprador” e que tirar o certificado de um sindicato é um processo difícil: “Se os siderúrgicos vencerem a votação de 24 de setembro, vocês precisam planejar que eles tomem as decisões por vocês por anos, mesmo se não estiverem felizes com isso.” Outro e-mail enviado por Carlson uma semana antes da votação alega que os siderúrgicos têm um histórico de greves, e que uma ação assim pode ter um efeito negativo para os terceirizados: “Muitos de nós têm dificuldade para se sustentar se os salários param de chegar, e eu não gostaria que nenhum de vocês passasse por isso”, ele disse, se referindo à greve atual dos funcionários da General Motors.

Por telefone, Carlson disse que não iria comentar sem permissão do departamento de relações públicas da HCL. A HCL America não respondeu nossos pedidos de comentário.

“Trabalhamos com muitos parceiros, muitos deles com mão de obra sindicalizada, muitos outros não”, disse Jenn Kaiser, porta-voz do Google. “Quanto a todos os nossos parceiros, se os empregados da HCL se sindicalizam ou não é algo entre eles e seus funcionários. Vamos continuar nossa parceria com a HCL.”

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Os terceirizados "Crachás Vermelhos" do Google da HCL America, Alexa Grazio, Allie Hosinski, Mary Zuzack e Francesca Caisden, depois de votar para se sindicalizar com o United Steel Workers. Imagem: Brian Conway.

O Motherboard EUA entrevistou mais de uma dúzia de terceirizados do Google na HCL. As entrevistas revelaram que os funcionários – tanto contra como a favor do sindicato – temem que seus salários sejam mais baixos que os da equipe oficial do Google e que estejam recebendo menos benefícios.

Segundo um relatório do New York Times, trabalhadores temporários, vendedores e funcionários terceirizados superam o número de empregados reais do Google. As castas dos trabalhadores são determinada pela cor de seus crachás. Quem trabalha no Google em tempo integral tem crachá azul, enquanto terceirizados têm crachás vermelhos.

A votação foi marcada depois que dois terços dos aproximadamente 80 trabalhadores terceirizados do Google pela HCL assinaram cartões no final de agosto indicando seu apoio para um sindicato, segundo o site do USW.

Nos últimos meses, terceirizados de tecnologia começaram a mostrar sua força. Trabalhadores do Google assinaram uma petição que acabou levando o gigante da tecnologia a encerrar seus trabalhos com o Projeto Maven [uma inteligência artificial para drones do Pentágono]. Trabalhadores de segurança também estão se organizando, mas casos de terceirizados da indústria da tecnologia seguindo o mesmo exemplo ainda são raros.

Christian Sweeney, vice-diretor de organização da AFL-CIO, disse que seu grupo está orgulhoso das conquistas históricas feitas pelo movimento dos trabalhadores em relação a trabalhadores que recebiam salários baixos e de formação mais simples, mas que no ano passado especialmente houve “muita militância entre trabalhadores de educação superior”, desde funcionários da indústria dos videogames até pesquisadores universitários.

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Em relação à conquista da última terça-feira (24), ele afirma que “não é surpresa; nós vimos essa tendência emergir”.

A votação aconteceu na Biblioteca Carnegie, a alguns quarteirões da central do Google em Pittsburgh. Mês passado, mais de 300 trabalhadores das biblioteca de Pittsburgh votaram para se juntar ao USW.

“Estamos vendo um aumento da conscientização entre profissionais de tecnologia”, disse Ethan Miller, gerente de pesquisa da DPE. Ele mencionou os esforços recentes de sindicalização do Kickstarter e da empresa de software Lanetix, mas elogiou os terceirizados da HCL e os organizadores da USW por serem os primeiros a organizarem uma campanha perante o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (National Labor Relations Board) e ganharem.

Ben Gwin, funcionário da HCL, foi o primeiro a abordar o USW. Logo depois de se juntar a HCL, a mãe de sua filha morreu, e se viu com dificuldades para tirar dias de folga e ter uma renda suficiente. “Eu não tinha flexibilidade; eu estava muito perto de ficar totalmente fodido financeiramente, aí pensei 'Preciso fazer algo sobre isso'”, disse.

A sindicalização criou uma divisão na força de trabalho terceirizada. Trabalhadores pró-sindicato disseram que e-mails não autorizados foram mandados para contatos de emergência de trabalhadores que se posicionaram contra a sindicalização. Trabalhadores antissindicato alegam que uma apresentação feita pela PATP antes da votação continha alegações falsas, e que os defensores do sindicato não compartilharam a apresentação com eles depois da votação. (Os membros do PATP não compartilharam a apresentação com o Motherboard EUA também, dizendo que ela tinha propósitos educativos internos.)

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Dez dias antes da votação, metade dos trabalhadores contra o sindicato se reuniram numa biblioteca local para coordenar seus esforços. Eles não eram fundamentalmente contra sindicatos, segundo eles, mas achavam que tinham muito a perder.

Um trabalhador contra o sindicato, Steve Grygo, disse que os empregos com benefícios eram de muitas maneiras uma “creche para adultos”, e mesmo que eles tenham alguns ganhos em termos de aumento de salário e benefícios, eles podiam perder tudo caso o Google não renovar seu contrato com a HCL.

Vários terceirizados disseram que eles são proibidos de discutir seus salários com colegas, mas que conversas revelaram que há diferença de dezenas de milhares de dólares entre trabalhadores da mesma ocupação, ainda mais entre eles e os “googlers” de tempo integral.

Um membro do comitê organizador, Johanne Rokholt, disse que embora que os terceirizados tenham alguns dos mesmos benefícios que os empregados do Google, “o que não gosto é ter que me preocupar que não terei mais trabalho em duas semanas porque não temos a segurança empregatícias que os googlers têm”.

O Dia de Martin Luther King e o Dia do Presidente são feriados pagos para trabalhadores do Google, mas não para os funcionários da HCL. Como resultado, vários terceirizados da HCL dizem que precisam usar folgas pessoais nesses feriados, já que não têm permissão para entrar no escritório do Google sem funcionários de tempo integral da empresa presentes.

Os terceirizados não têm permissão para falar muito sobre o trabalho que fazem no Google, mas Rokholt disse que muitos deles trabalham em projetos com equipes de terceirizados por todo o mundo, e ela acredita que levaria meses para o Google retreinar trabalhadores para realizar as funções que eles realizam agora.

“Somos uma parte integral das funções do Google”, ela disse.

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