O contraceptivo perfeito para homens já chegou. Porque não podemos usá-lo?
Ilustração: Lia Kantrowitz

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O contraceptivo perfeito para homens já chegou. Porque não podemos usá-lo?

Nos dias de hoje, as opções disponíveis não são grande coisa, e o peso - para mitigar as consequências dos nossos impulsos - recai, ainda, sobre as mulheres.

O futuro está aqui, e não é o que pensávamos que seria. Mas que se lixem os carros voadores e as hoverboards - onde está o nosso contraceptivo legítimo? Lembro-me de ter lido o Admirável Mundo Novo pela primeira vez e imaginar a Lenina e a Fanny Crowne a saltar de um lado para o outro na zona de exercício depois de uma dose de soma (carisoprodol) e de completar a técnica anticonceptiva malthusiana. O livro foi lançado em 1931, um ano depois dos cientistas isolarem as hormonas que viriam a ser utilizadas nos principais métodos de controle de natalidade, mas somente 30 anos depois é que "a pílula" ficou disponível - ou uma década mais tarde, se fosses uma mulher "solteira". Nos dias de hoje, as opções disponíveis não são grande coisa, e o peso ainda repousa, em grande parte, sobre as mulheres, para mitigar as consequências dos nossos impulsos. Fora o DIU, todos os dispositivos de controle de natalidade e produtos farmacêuticos disponíveis para as mulheres alteram as nossas hormonas com vários efeitos secundários bastante estranhos. Quando se trata de controle de natalidade para os homens, além de preservativos e do típico coito interrompido (nenhum dos quais muito confiáveis na práctica), a vasectomia tem sido a única outra opção para a prevenção de gravidezes indesejadas. Apesar de haver um 50% de probabilidade de ser reversível, não é o suficiente para fazer com que rapazes com menos de 40 a considerem conveniente. Alguns outros contraceptivos masculinos estão a ser estudados mas, nos Estados Unidos, não existem medicamentos aprovados para homens (dado que me foi confirmado pela porta-voz da US Food and Drug Administration, Andrea Fischer). Mas e se houvesse uma maneira mais simples do que a vasectomia de fazer com que os homens disparassem cartuchos vazios até que em conjunto com a sua companheira estivessem prontos para ter um filho? Medicamente, existe um caminho. Tem sido estudado em animais e seres humanos há mais de 30 anos, com quase nenhumas complicações documentadas. Conhecida como "a injecção anticoncepcional masculina", um aplicativo chamado RISUG ( Reversible Inhibition of Sperm Under Guidance) foi inventado na Índia em 1970 por Sujoy Guha, um professor de engenharia biomédica do Instituto Indiano de Tecnologia. É acessível, minimamente invasivo e totalmente reversível - e é a forma mais eficaz e não-permanente, para prevenir a gravidez (do lado do esperma), que o mundo já viu, de acordo com os estudos realizados até hoje. Em 2010, a Fundação Parsemus sediada nos Estados Unidos, uma organização sem fins lucrativos com a missão de "encontrar soluções de baixo custo negligenciadas pela indústria farmacêutica", comprou a patente da RISUG por 100.000 dólares. A organização está actualmente a analisar uma injecção de controle de natalidade ligeiramente diferente chamada Vasalgel que tem mais probabilidades de ser comercializada nos EUA.

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Com a excepção de certos círculos fetichistas, a maioria das pessoas concorda que: objectos cortantes + genitais = assustador.

O procedimento leva cerca de 15 minutos. Um médico injecta um pequeno ponto de gel sintético dentro do canal de transporte de esperma do lado de fora de cada testículo. Uma vez injectados, os pontos de gel fixam-se nos canais e funcionam como filtros, permitindo a passagem de fluidos, mas não de esperma. "Como a água pode infiltrar-se através da gelatina", disse Elaine Lissner, directora da Fundação Parsemus. Isto não é como uma injecção de Depo Provera que tens de levar uma cada 2 ou 3 meses - uma vez injectado, o gel vai permanecer activo durante 10 anos. Se o destinatário decidir tentar ter filhos durante este tempo, tudo que é necessário é outra injecção de bicarbonato de sódio para dissolver o líquido, e a fábrica de esperma volta a estar operacional. Pode parecer demasiado bom para ser verdade, mas os ensaios clínicos e em animais na Índia têm demonstrado que o método funciona com resultados quase perfeitos e sem efeitos secundários graves. E, ao contrário da pílula anticoncepcional e dos preservativos, que têm uma taxa de eficácia na vida real muito menor do que a que querem vender, a injecção de controle de natalidade, assim como o DIU, não dá praticamente nenhuma margem para erros humanos. "Não há nada que tu, como uma pessoa, possas estragar", disse Aaron Hamlin, director-executivo da Iniciativa de Contracepção Masculina. "Quando temos à nossa disposição um método que nos permite esquecer as obrigações anticoncepcionais, como o Vasalgel, levamos a injecção nos vasos deferentes e saímos pela porta fora. Depois disso, quando chegar a hora do sexo, tudo o que antes era necessário fazer já está feito." Então, o que acontece com o esperma? Guha explica que, hipoteticamente, eles explodem ou são divididos em partes não funcionais quando chegam ao outro lado. Outros dizem que o esperma não pode atravessar o gel e é absorvido pelo o corpo como outras proteínas ou é, em caso contrário, desactivado pela acidez ou pela carga electromagnética do gel. "É difícil dizer o que acontece exactamente com o esperma, excepto que não sai do outro lado", disse David Sokal, co-fundador da Iniciativa de Contracepção Masculina e ex-médico. Mas ok, eu entendo; com a excepção de certos círculos fetichistas, a maioria das pessoas concorda que: objetos cortantes + genitais = assustador. Mas o que é pior: tocarem-te nos testículos 15 minutos e teres sexo livre de gravidez durante uma década, ou desistir de uma vida livre e independente para começar a criar uma criança surpresa durante os próximos 18 anos? "Existem muitos benefícios de sermos capazes de suprimir a gravidez ou de podermos decidir que chegou o seu momento", disse Hamlin. Outros homens recuam ao ouvir falar de qualquer coisa que envolva "contraceptivos masculinos" porque, obviamente, existem muitos conceitos errados que pairam sobre as implicações desta nova técnica. Esta não é uma vasectomia, nem sequer é considerada uma cirurgia. Os canais deferentes podem ser expostos sem a utilização de um bisturi, simplesmente picando o escroto com uma pinça especial e afastando a pele de cada canal. O buraco resultante é tão pequeno que nem sequer precisa de levar pontos.

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"Vais ouvir muitas vezes descrições falsas sobre o Vasalgel - do tipo: injecção é dada directamente no pénis, o que não é verdade. Isso naturalmente assusta os homens … mas é culpa de descrições totalmente erradas", disse Sokal. Mas durante a minha pesquisa encontrei algumas razões para estar um pouco céptica em relação ao RISUG e ao seu sucessor Vasalgel. Por um lado, os dados dos ensaios clínicos da fase III sobre o RISUG não são públicos, e os resultados preliminares que foram publicados são de uma década atrás e de uma amostra muito pequena. Quando entrei em contacto com a organização responsável pela realização dos ensaios na Índia, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica (ICMR), o vice-director geral Radheys Sharma disse que não poderia dar nenhuma informação sobre as taxas de sucesso e reversões a um meio de comunicação estrangeiro sem antes receber o consentimento do governo - ainda hoje não me respondeu. Fui capaz de chegar até Guha, o inventor da RISUG, e ele disse-me que tem trabalhado na RISUG na Índia em coordenação com o ICMR, fornecendo seringas e aconselhamento sobre os ensaios clínicos. "Como ainda não fui chamado a dar qualquer assistência em relação a estes assuntos, presumo que não existam problemas do ponto de vista técnico ou médico", escreveu ele num e-mail. Outro aspecto estranho da história é que o início da fase III de ensaios clínicos na Índia foi abortado em 2002, por motivos que o Ministério da Saúde indiano atribuiu a um efeito colateral não revelado, mas nenhuma prova deste efeito secundário foi alguma vez referido pelos médicos que realizavam estes ensaios clínicos em Nova Delhi. Até agora não existem provas, tanto dos testes em animais como dos humanos, de que não funciona, com excepção de um participante de um dos ensaios clínicos que relatou a gravidez da sua esposa depois de ter sido injectado. (Isto foi atribuído a uma injecção mal administrada, sem nunca descurar a possibilidade de que a sua esposa engravidasse de outra pessoa). Também encontrei um artigo que listava alguns componentes dos compostos poliméricos da RISUG e do Vasalgel que tinham sido previamente classificados como cancerígenos por causa dos efeitos observados em alguns acidentes químicos, a diferença é que as quantidades a que essas pessoas foram expostas eram muito maiores do que as usadas na injecção.

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"Eu realmente não acho que seja um complot patriarcal a impedir a sua comercialização. Acho que é o dinheiro. É preciso muito dinheiro."

Talvez a melhor razão para ser céptico em relação à RISUG e ao Vasalgel, a partir de um ponto de vista científico, repousa sobre um factor cultural: os homens geralmente não querem falar sobre os seus testículos com os médicos. Fazer com que tenham de ser acompanhados um, cinco, ou 10 anos após o procedimento é complicado, e tem impedido os investigadores de recolher dados suficientes para provar aos órgãos reguladores que ele funciona. Mas os ensaios clínicos que foram concluídos e publicados na Índia ao longo das últimas três décadas têm mostrado grande sucesso, o suficiente para chamar a atenção da Fundação Parsemus, que tem investido a maior parte dos seus esforços em expandir a pesquisa para encontrar uma injecção contraceptiva masculina nos EUA. Ainda assim, a existência futura do que poderia ser possivelmente a solução mais práctica para o controle da natalidade inventado nos últimos 100 anos, depende da capacidade de ultrapassar os dois principais obstáculos: a Food and Drug Administration (FDA) e a falta de dinheiro. "Eu realmente não acho que seja um complot patriarcal a impedir a sua comercialização. Acho que é o dinheiro. É preciso muito dinheiro.", diz Lissner Tudo isto porque a FDA não reconhece resultados conseguidos em ensaios clínicos feitos no estrangeiro, todos os testes feitos na Índia devem ser replicados nos EUA com amostras maiores e com directrizes mais rigorosas para a duração dos ensaios. Testes com animais custam entre 200.000 e 300.000 dólares cada, e caso a FDA dê autorização para fazer ensaios clínicos em humanos, "o próximo passo vai envolver milhões de dólares," disse Lissner. Entre cinco a dez milhões de dólares, para ser mais precisa. Enquanto este projecto parece perfeito para ser apoiado por uma grande organização humanitária, a resposta tem sido débil. Lissner disse que os representantes da Fundação de Bill e Melinda Gates, por exemplo, "não vêem o porquê de uma versão masculina", no que diz respeito aos métodos de contracepção eles concentram-se principalmente nas opções para as mulheres dos países desenvolvidos. "A ciência de contraceptivos para homens é menos avançada, como é a prova de conceito para homens que usam contracepção nos países mais pobres do mundo", disse Kellie Sloan, directora de planeamento familiar na fundação, em comunicado à Motherboard. O Vasagel, ao contrário de produtos com grande valor comercial, não tem a capacidade de gerar lucro suficiente, já que é aplicado uma só vez utilizando materiais de produção e distribuição relativamente baratos. Lissner salientou que se uma pessoa atinge a puberdade aos 13 anos, e não deseja ter filhos antes dos 35, isso significa que as empresas farmacêuticas podem lucrar com a venda de métodos contraceptivos, durante mais de 20 anos. "As grandes empresas farmacêuticas gostam de drogas que as pessoas têm de tomar durante anos a fio, todos os dias", diz Sokal. Por outro lado, os fabricantes da RISUG já se gabaram de que esta custa menos do que a seringa usada para injectá-la; Vasalgel custaria menos do que o típico DIU de 800 dólares. "[As empresas farmacêuticas] acreditam que não vale a pena perderem tempo e energia a investir numa nova droga, se com esta não conseguirem ganhar no mínimo 500 milhões de dólares por ano ", conta-nos Sokal, citando uma das suas conversas com representantes farmacêuticos. Segundo esta estimativa, seria necessário aplicar 625 mil injecções por ano para poder interessar a um grande laboratório - o que significa que são mais 125.000 procedimentos do que o número de vasectomias realizadas anualmente nos EUA. E mesmo que uma grande campanha de publicidade popularizasse esta injecção, por que razão as grandes empresas farmacêuticas, que detêm posições em todas as formas de controle de natalidade hormonal, queriam que ela existisse? Sokal não vê aqui uma conspiração, mas sim uma falha ao não se conseguirem revelar. "Eu não sei se [as grandes empresas farmacêuticas] estão a tentar torpedear a pesquisa do Vasalgel. Eles provavelmente nem o vêem como uma ameaça", disse ele. "Os principais cientistas estão a ignorar esta situação. Já que esta não fez realmente nenhum furor dentro dos meios de comunicação social. Até terem os dados clínicos, eles provavelmente vão continuar a ver este negócio como subfinanciado, mais ou menos como um tiro no escuro ". Quando a RISUG foi inventada, foi classificada como "um injectável, químico não oclusivo," mas assim que a Fundação Parsemus começou a trabalhar em Vasalgel nos EUA, eles optaram por classificá-la como um "injectável, dispositivo anticoncepcional não oclusivo", considerado um "tampão" ou "filtro" para terem melhores probabilidades de serem aprovados pela FDA. A Fundação Parsemus decidiu parar a investigação da RISUG e perseguir a variante, Vasalgel, em vez disso. O principal problema com a RISUG era a falta de estabilidade química exigida pelas normas da FDA. Porque o principal ingrediente da RISUG acidificava ao ficar demasiado tempo dentro de uma seringa empacotada, o que se põe dentro da seringa é muitas vezes um pouco diferente do que irá sair passado um ano ou mais. Para contornar este problema, a fundação usou simplesmente o subproduto ácido da RISUG como ponto de partida e chamou-lhe Vasalgel. "Tivemos que fazer uma versão mais estável para armazenamento", disse Lissner. "Nós pensámos que não íamos conseguir passá-la pela FDA se não pudéssemos provar a sua estabilidade. Portanto porque não tentar de uma vez a forma ácida e ver se funciona?" Os primeiros estudos em coelhos sugerem que o Vasalgel funciona tão bem como RISUG, mas serão necessários mais estudos para provar que tem a mesma eficácia e segurança. "Estamos a arriscar-nos muito, porque foi apenas um ano de estudos. Por isso vamos esperar que seja tão resistente como a RISUG", disse ela. Actualmente, Guha continua o seu trabalho desenvolvendo a RISUG no Instituto Indiano de Tecnologia em Kharagpur, Índia, e também através da empresa privada IcubedG, na qual ele é um dos quatro directores. Ele está optimista com a perspectiva de que a RISUG chegue aos consumidores brevemente, pelo menos na Índia.

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Estima-se que Vasalgel esteja no mercado em 2020.

"Os problemas técnicos e médicos foram resolvidos e já tem um financiamento adequado. Por isso, de momento não temos nenhum problema", disse Guha à LadyBits por email. Em relação às demoras dos ensaios da fase III, ele ressaltou que foram consequência das normas de segurança da Índia e da importância de acompanhar os participantes do ensaio, 10 anos após a injecção inicial. "A Índia não se vai apressar, de forma negligente, apenas para ganhar notoriedade e benefícios comerciais mas sim, esperar até que os resultados dos estudos pré-clínicos e clínicos estejam abertos ao escrutínio internacional." Negligentemente ou não, Parsemus está a dar esperança a milhares de pessoas que querem Vasalgel; Actualmente existem 22.000 homens na lista de espera para os ensaios clínicos, de acordo com Lissner. "Nós não estamos em contacto com Dr. Guha, nem sabemos qual a sua posição", disse Lissner. "Esperamos que esteja a fazer progressos. Porque de qualquer maneira, ao chegar-se a uma solução, é o mundo que tem a ganhar". De acordo com Lissner, a maioria dos inquéritos sobre Vasalgel vêm de pessoas nos seus vinte anos - homens que procuram controlar o seu futuro reprodutivo, e mulheres que têm problemas com os métodos disponíveis. O grupo mais presente, são "os jovens ainda no 'mercado' e que estão preocupados com a fiabilidade do preservativo ou da pílula. Eu acho que o que está a conter as coisas, é definitivamente a ideia de que os homens há 20 anos não estavam interessados. E talvez há 20 anos não estivessem. Mas os homens de hoje estão de certeza", disse ela. Em Maio, a Fundação Parsemus vai partilhar dados de um estudo realizado com Vasalgel em babuínos. Tem como intenção a realização de uma campanha de crowdfunding este Verão, e esperam começar com os testes clínicos em 2016. Apesar de que um punhado de artigos sensacionalistas de Setembro de 2014 previram que o Vasalgel estaria disponível ao consumidor em 2017, Hamlin disse que, realisticamente, será só para 2020. Se conseguir chegar às nossas farmácias. "Ninguém aumentou o investimento nem os esforços para terminá-lo", disse Lissner. Mesmo se os ensaios do Vasalgel sejam bem sucedidos, ainda não se sabe quem vai produzir a injecção para o resto do mundo. Se a droga for apresentada nos próximos cinco anos, talvez as fundações humanitárias sejam forçadas a tomar uma atitude. Pessoalmente, espero um futuro em que a maioria dos homens sejam membros do clube da injecção contraceptiva - um mundo onde a gravidez adolescente não seja o grande destruidor de vidas que é hoje, e as mulheres não sejam forçadas a encher-se de hormonas ou a serem submetidas a procedimentos cirúrgicos perigosos para garantir a sua esterilidade. Com algumas inovações interessantes que começam a aparecer no mundo dos preservativos, o sexo seria melhor e mais livre de preocupações do que nunca. Até então, nós estamos presos na mesma roda de métodos contraceptivos, mesmo sabendo que existe uma resposta por aí há mais de 30 anos.

Este artigo é parte dos Bodies of the Future, uma colaboração entre a Motherboard e a LadyBits.

Este artigo foi originalmente publicado em Motherboard.

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