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Sustainability Week

​O futuro da moda pode estar nas bactérias

Num futuro próximo, lojas de departamento poderão vender uma série de roupas e acessórios feitos a partir de microorganismos, fungos e culturas celulares.

Peça feita de bactérias desenvolvida pela designer de moda Suzanne Lee. Crédito: Biocouture

A indústria da moda evoluiu muito desde que os primeiros hominídeos começaram a usar as peles dos animais de suas caças para se proteger do frio. Embora os avanços sejam incontestáveis, os estilistas contam hoje com apenas três tipos de material para criar roupas e acessórios: os tecidos animais, que incluem o couro e a seda, os vegetais, como o algodão e o linho, e os sintéticos, vindos do petróleo. Todos eles, vale dizer, pouco amigáveis ao ambiente.

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Os avanços das ciências biológicas — e particularmente da genética — nas últimas décadas começam a abrir caminho para um novo tipo de material menos danoso: o tecido biofabricado, feito a partir de células ou microrganismos vivos. São, por exemplo, fibras produzidas por leveduras geneticamente modificadas, couro feito a partir de células cultivadas em laboratório e tecidos costurados com bactérias em seu interior. É um novo mundo em que os cientistas se tornam tão importantes para a indústria da moda quanto os costureiros e estilistas, e os tubos de ensaio, provetas e microscópios passam a ser material de trabalho tão valorizado quanto a agulha e tesoura.

O que os pioneiros nesses tecidos biofabricadas esperam é criar novos tipos de materiais mais maleáveis, sustentáveis, resistentes e versáteis, capazes de expandir os limites da moda. "São materiais que oferecem novas propriedades estéticas e de performance, com uma pegada ambiental muito menor", diz a designer de moda Suzanne Lee, uma das pioneiras nesse tipo de pesquisa e autora do livro Fashioning the Future: Tomorrows Wardrobe ("Confeccionando o Futuro: O Guarda-Roupa do Amanhã", inédito em português).

Todos os anos, ela organiza a conferência Biofabricate, onde reúne os principais cientistas, estilistas, designers e artistas envolvidos com o desenvolvimento de materiais feitos a partir de células vivas. O encontro extrapola a indústria da moda, apresentando outros tipos de produtos biofabricados, como perfumes produzidos por microrganismos, corantes de bactérias, joias de tecido ósseo e móveis de fungos.

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Mas, segundo Suzanne, o interesse nos tecidos biofabricados tem crescido cada vez mais. "As escolas de design estão começando a explorar esse campo de estudos", diz. "Há um grande interesse da indústria da moda e a comunidade científica está se envolvendo mais."

Suzanne começou suas experiências na área em 2004, quando passou a pesquisar a possibilidade de usar micróbios para sintetizar celulose e substituir a fibra de origem vegetal. Ela desenvolveu uma fórmula que consiste em usar uma mistura de leveduras e bactérias para fermentar uma porção de açúcar adicionado ao chá verde. Em alguns dias, a ação dos microrganismos produz camadas de celulose no topo do líquido. A camada pode retirada, seca ao sol e usada como tecido.

O passo a passo da receita foi divulgado na internet para que qualquer um possa cultivar suas roupas em um tanque cheio de chá verde e fermento (o site da empresa, no entanto, passa por uma reformulação e se encontra fora do ar). Com o material, Suzanne já produziu jaquetas, saias, camisas e até sapatos.

Segundo a designer de moda, a preocupação ambiental foi central em seu estudo, assim como na maioria das pesquisas com tecidos biofabricados. Eles são em sua maioria biodegradáveis e consomem muito menos água, terra e energia do que a indústria têxtil em geral. "A fermentação é um processo muito menos danoso ao meio ambiente do que uma cultura agrícola", diz.

Carne, soja, cogumelos e teia de aranha

Hoje Suzanne trabalha como diretora criativa na Modern Meadow, uma empresa sediada em Nova York, nos EUA, que desenvolve materiais produzidos a partir de células animais. Uma de suas áreas de estudos é a produção de carne em laboratório sem que seja necessário a abate de animais. "Muitos de nossos apoiadores são de movimentos pelo bem-estar animal, da moda ética e de grupos pela sustentabilidade", diz Suzanne.

A empresa também desenvolve um couro criado a partir de culturas de células. Elas seriam retiradas dos animais com as melhores características, cultivadas nos laboratórios e depois organizadas em forma de fibra e tecido. A empresa ainda está no estágio de pesquisa e desenvolvimento e espera poder comercializar o couro nos próximos anos.

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Outra tecnologia de bastante destaque nos Estados Unidos é a BioLogic, desenvolvida por pesquisadores do MIT que estudam o uso de microrganismos para construir tecidos inteligentes, capazes de reagir ao meio ambiente. Eles analisaram a bactéria Bacillus subtilis natto, comumente empregada na culinária japonesa para fermentar grãos de soja. Ela possui a propriedade de reagir à umidade ambiente, expandindo ou diminuindo de tamanho.

Os pesquisadores então criaram um biofilme com a bactéria e imprimiram camadas delas por sobre um tecido. Com ajuda de designers da New Balance, criaram um material chamado Second Skin (Segunda Pele, em português), capaz de detectar a umidade do corpo da pessoa e se expandir. Assim, o tecido percebe quando o corpo de uma pessoa esquenta e começa a suar. Nessas regiões úmidas, abre pequenos poros e permite a passagem de ar.

As pesquisas promissoras na área são muitas. Os cientistas da Bolt Threads, nos EUA, estão desenvolvendo uma seda feita de teia de aranha produzida em laboratório. O material é obtido a partir da ação de leveduras geneticamente modificadas com alguns genes do aracnídeo.

Laboratório de fermentação da Bolt Threads. Crédito: Bolt Threads

Já a artista Erin Smith, que trabalha para a Microsoft Research, produziu seu vestido de casamento a partir de fungos encontrados na natureza. Ela usou o micélio, uma parte branca de sua estrutura. Como o vestido de noiva costuma ser usado uma só vez, ele pôde ser descartado para decompor ao ar livre.

Suzanne Lee estima que os materiais desenvolvidos pelos pesquisadores da área ainda devem demorar para chegar aos consumidores comuns. Como a tecnologia para produzi-los ainda é restrita, devem ir primeiro ao mercado de luxo. Mas a expectativa é que roupas produzidas por bactérias, fungos e células vivas possam, num futuro próximo, ser encontradas para vender nas lojas de departamento.