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Retrospectiva 2017

Na política nacional, 2017 foi o ano que não acabou

Achou o ano ruim? Imagina 2018.
Uma das fotos do ano:  Sérgio Lima/Poder 360. Originalmente publicada aqui.

Era esperado, é verdade, mas vamos combinar: mesmo com algumas surpresas especiais, 2017 estava fadado a ser prelúdio de 2018, o ano das eleições, em que finalmente se espera que o desarranjo institucional do impeachment de Dilma Rousseff seja de alguma forma resolvido ou superado — ou bagunçado de vez, como mostra a situação de Honduras.

Morre Zavascki, entra Moraes

2017 começou com uma bomba que deixou todo mundo assustado: a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki em um acidente de avião em Paraty, no Rio de Janeiro, no dia 19 de janeiro. Zavascki era o relator da Lava Jato no STF, o que deixou obviamente diversas pessoas com uma conspiração atrás da orelha. Afinal, a morte de Teori foi um presente dos céus para Temer. Na ocasião, chegou-se a especular que isso daria a Temer a opção de escolher o próximo relator da Lava Jato — porém, a sorte acabou colocando a operação nas mãos de Edson Fachin, que também enfrentaria suas doses de polêmica.

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Não que Temer tenha se feito de rogado. Descartou qualquer outro candidato mais “equilibrado” e meteu logo Alexandre de Moraes, seu ministro da Justiça, como novo ministro do STF — ironia do destino, uma vez que Dilma Rousseff, em tese, não poderia ter escolhido nenhum ministro durante seu segundo mandato graças à infame “PEC da Bengala”. A escolha de Temer se mostrou acertada, pelo menos para si, revelando um ministro pândego como Gilmar Mendes — a ponto de discutir novela no Twitter — mas que também joga a favor do Planalto, como quando pediu vistas do processo no STF acerca da restrição do foro privilegiado.

A ascensão do Botafogo

Já em fevereiro foi a vez de uma importante vitória de um dos políticos que mais cresceu em influência ao longo do ano. Depois de uma forte articulação com as bases governistas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi reeleito presidente da Câmara dos Deputados no dia 2 de fevereiro, disputando com outros cinco nomes. Maia quase teve a candidatura barrada, mas conseguiu manobrar bem — favorito do Planalto, em tese não poderia se reeleger, mas como ocupava um mandato-tampão no lugar do hoje presidiário Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acabou passando um pano pra si mesmo.

Temer não poderia contar com um aliado mais fiel e útil. Além de aprovar a PEC dos gastos públicos em 2016, foi essencial para passar a ignominiosa reforma trabalhista e para barrar na Câmara a primeira denúncia da PGR contra Temer no caso da JBS — se na segunda rodada ele não se esforçou a favor do Planalto, só a falta de ambição de sentar o suado bumbum na cadeira de Temer foi o suficiente para manter o peemedebista (além do ministro Moreira Franco, casado com sua mãe) no poder. Só um novo episódio de Brasil Paralelo para sabermos como seria 2017 caso o Botafogo da lista da Odebrecht tivesse a mesma sanha conspiratória do nosso ex-vice-presidente.

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A carne é fraca

O primeiro grande escândalo político-criminal de 2017 parece até coisa juvenil ao fim do ano. Em 17 de março, a Polícia Federal colocou mil agentes na rua para desbaratar um esquema nas superintendências do Ministério da Agricultura de Minas Gerais, Goiás e Paraná, em que fiscais ajudavam a fazer vista grossa à carne processada e distribuída pelo Brasil (e mundo) afora.

Batizada de Carne Fraca, a operação aconteceu poucos dias depois de o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) assumir o Ministério da Justiça no lugar de Alexandre de Moraes — Serraglio foi pego em um dos grampos da operação chamando um dos principais fiscais corruptos de “grande chefe”. À época desconfiou-se que a operação, que investigava o esquema há mais de ano, havia sido deflagrada pela PF em retaliação à escolha do inábil Serraglio para o ministério. De certa forma deu certo, e Serraglio foi trocado por Torquato Jardim no fim de maio.

Apesar disso, o estrago foi feio. Países se recusaram a importar carne brasileira logo após a repercussão geral do escândalo, o preço da carne caiu e Temer teve que sair fazendo campanha a favor da picanha brasileira mundo afora — começando por uma churrascaria em Brasília, que vendia apenas carne importada (risos), que serviu de palco para uma das imagens mais meméticas de Temer no cargo.

A volta da carne

Se as questões frigoríficas pareceram quase superadas lá por abril, em maio a maior bomba do governo Temer veio no embalo da gigante do mercado de carnes, a JBS. Em um acordo prévio com o Procurador Geral da República Rodrigo Janot, os irmãos Wesley e Joesley Batista, controladores da empresa, gravaram conversas com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e com Temer, prometendo pagamentos em dinheiro vivo e a compra do silêncio de Eduardo Cunha.

A frase “tem que manter isso, viu?” virou bordão na oposição — assim como o “grande acordo nacional” do senador Romero Jucá (PMDB-RR) — ainda no dia 17 de maio, quando a delação dos irmãos Batista vazou pela imprensa. Fragilizadíssimo mesmo entre aliados, Temer subiu o truco no dia seguinte em uma tensa declaração: “não renunciarei”, afirmou, enfático.

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Aécio, por sua vez, enfrentou um desgaste ainda maior. Dono de frases como “tem que escolher um que a gente mata antes de delatar” ao se referir aos operadores da propina que receberia da JBS, perdeu o comando do PSDB, chegou a ser afastado do cargo e colocado sob prisão domiciliar — as decisões seriam revertidas mais tarde. Sua irmã e principal assessora política, Andrea Neves, chegou a passar uma temporada na cadeia e outra em prisão domiciliar.

Mesmo com imagens de uma mala com R$ 500 mil sendo recebida pelo assessor Rocha Loures (PMDB-PR), Temer sobreviveu à votação duas denúncias apresentada pela PGR à Câmara. Porém, o desgaste político acabou atrasando as votações da Reforma da Previdência, que deve ser deixada para 2018, sempre aventada como medida-chave para a recuperação econômica pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles (PSD-GO).

A queda de braço entre Temer e Janot teve, entre suas vítimas, a palavra do presidente: apesar de prometer em 2016 que escolheria o primeiro colocado da lista tríplice votada pelos membros do Ministério Público Federal para substituir Janot, cujo mandato venceu em setembro, acabou preferindo a segunda colocada da votação, realizada em junho, Raquel Dodge, no lugar de Nicolao Dino, aliado de Janot e irmão do governador do Maranhã Flavio Dino (PCdoB), que havia vencido o pleito.

A lenta operação de abafamento da Lava Jato e seus desdobramentos chegou ao auge quando Temer trocou o diretor da Polícia Federal Leandro Daiello por Fernando Segóvia, nome próximo do ex-presidente José Sarney — o novo diretor mudou inclusive o comando da PF no Paraná, atingindo diretamente a força-tarefa da Lava Jato.

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A crise econômica que vai e não vai

Talvez o momento mais espetacularmente dramático de como a crise econômica atingiu as contas de diferentes estados — e o bolso dos brasileiros como um todo — foi a greve da Polícia Militar do Espírito Santo. Em diversas regiões do estado foram registrados saques e homicídios a rodo, numa espécie de “The Purge” (“Uma Noite de Crime”) que começou no dia 4 de fevereiro, com direito a presença massiva de tropas da Força Nacional a partir do dia 6, e só foi estabilizada depois de um mês.

As cenas da explosão de violência capixaba não ficaram tão longe da crise permanente do Rio de Janeiro endividado, com mais de 120 policiais militares mortos até o momento, sem contar o sem-número de cidadãos atingidos por balas perdidas, executados ou mortos em conflito com a polícia ou entre facções criminosas.

Além das dívidas dos estados, a crise econômica não parece ter sido superada, apesar da previsão do ministro da Fazenda de que teremos o “melhor Natal em muito tempo”. Mesmo com a revisão dos dados do PIB mostrando que a recessão de 2015/2016 não foi “a maior de todos os tempos”, como se acreditava, o ritmo de recuperação segue desastrosamente lento. A redução do desemprego, como previsto, segue devagar. A inflação deve furar o “piso” da meta, ficando próxima de uma perigosa deflação — só o aumento dos combustíveis e do gás devem reverter a tendência. A “prévia do PIB” aponta um crescimento de 1,3% até setembro, mas é muito cedo para afirmar qualquer coisa — as previsões do mercado apontam para algo em torno de 0,9%.

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A timidez da recuperação, que não atinge o bolso furado do trabalhador, é a maior pedra no sapato do governo Temer e suas pretensões eleitorais (sim, elas existem) — juntamente com a percepção de corrupção, é a principal responsável pela globalmente pífia aprovação de 3% do governo.

A briga pela reforma trabalhista mostrou os limites do governo — e também como o horizonte das eleições em 2018 travaram o debate nacional. Depois de uma paralisação nacional de um dia em 28 de abril ter deixado o Planalto com o cu na mão, centrais sindicais como UGT e Força Sindical venderam a CLT seguindo uma promessa de Temer de ressuscitar a contribuição sindical — apesar disso, ficaram a ver navios.

No dia 24 de maio, um protesto contra as reformas saiu de controle e Temer convocou as Forças Armadas para sitiar a Esplanada dos Ministérios, o Planalto e o Congresso. Escrita com o apoio de empresários e sem a participação de entidades que representassem os trabalhadores, a reforma foi aprovada a toque de caixa e representou um importante desgaste para os deputados e senadores. E pior, não serviu para reverter a periclitante situação de desemprego e até desanimou empresários estrangeiros.

Além do desgaste com a reforma, a salvação de Temer e a demora na resposta da economia seguem cobrando seu preço na Reforma da Previdência. A meta governamental era aprovar o ajuste ainda em 2017, mas até Meirelles já admite que deve ficar para o ano eleitoral de 2018.

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O ano pré-eleitoral

O pleito de 2018 foi a grande sombra projetada sobre a política nacional em 2017. Líder isolado em todas as pesquisas para a corrida presidencial, Lula (PT) foi condenado (como se esperava) em julho pelo juiz Sergio Moro no “caso do tríplex” a 9 anos e 6 meses de prisão — enquanto espera o resultado da apelação, que pode tirá-lo das eleições, o ex-presidente saiu em caravanas de ônibus país afora, passando pelo Nordeste e os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. A indefinição sobre a candidatura de Lula vai seguir como um dos principais fatos políticos 2018 adentro.

O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), por sua vez, tem tateado de todo jeito para viabilizar a sua candidatura. Além de ter conquistado um partido para chamar de seu, o PEN, que vai mudar de nome para Patriotas, Bolsonaro tenta suavizar a imagem que construiu como representante da extrema-direita radical, que apoia a ditadura. Trocou seu nacionalismo saudosista do período militar por uma postura economicamente mais “liberal”, tem tido “aulas” de economia para evitar gafes e, numa demonstração de incontida sabujice, bateu continência à bandeira dos EUA durante uma visita ao país. No meio da treta, tem garantido, sem aparecer muito, uma posição constante no segundo lugar das pesquisas, sempre amparado pelo seu jovem exército nas redes sociais — seu discurso de endurecimento da segurança pública tem resistido a auto-denúncias de corrupção e seguidas condenações judiciais.

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No andar de baixo da disputa presidencial, a briga é de foice. Marina Silva (Rede) segue a mesma tática de declarações vazias que não rendeu muitos dividendos políticos em 2010 ou 2014, mas se mantém rondando o terceiro lugar das pesquisas. Ciro Gomes (PDT), por sua vez, é quase uma antítese, falando pelos cotovelos e atacando qualquer adversário potencial durante todo o ano — sob forte risco de se estrepar junto. Para aumentar a tensão no campo canhoto, o PCdoB também deu uma cartada e, no finzinho do ano, lançou Manuela D’Ávila como candidata presidencial.

Do lado destro a fita também segue brava. No desespero de encontrar um candidato com mais carisma que Geraldo Alckmin (PSDB), que vai se consolidando como a preferência tucana, apelou-se até para Luciano Huck. Depois de algumas semanas de balão de ensaio imprensa afora, o apresentador tirou o corpo fora. O Planalto também tenta colocar as asinhas de fora, aventando um apoio à candidatura de Rodrigo Maia ou então de Henrique Meirelles. Seria um páreo feio para o candidato governista: historicamente candidatos de governos com baixa popularidade se estrepam no país, caso de Ulysses Guimarães pelo PMDB em 1989 e José Serra pelo PSDB em 2002.

A maior vítima da pré-disputa, no entanto, foi o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB). Auto-incensado pela inédita vitória no primeiro turno paulistano, saiu tentando puxar o tapete do padrinho político Alckmin na disputa presidencial. Comemorado pelos mesmos políticos de sempre, o “gestor anti-político” viu suas pretensões darem em água. Não decolou nas pesquisas, amargou um sério declínio de popularidade na capital paulista (que abandonou para realizar viagens por todo o país ainda no primeiro ano de mandato), não soube lidar com as críticas ao seu projeto de distribuir “ração humana” e foi obrigado a desistir dos planos presidenciais. Junto, arrastou para a lama o seu principal grupo de apoio, o MBL, que, para tentar alguma relevância, se jogou de vez para a disputa da narrativa conservadora — apesar de fracassar em sua marcha nacional pelo Escola Sem Partido e abalado por diferentes denúncias, o “movimento” deve lançar Kim Kataguiri e outros indigestos nomes para o Legislativo em 2018.

O próximo ano promete emoções bem mais fortes. A recuperação da economia dificilmente vai vir na forma de uma explosão, acirrando ainda mais os ânimos. A Copa do Mundo na Rússia promete uma leve distração, mas o noticiário vai ser dominado pelo complexo xadrez eleitoral que deve ver mudanças bruscas em estados endividados (como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo), a renovação de dois terços do Senado e algum reflexo da impopularidade das reformas na Câmara — isso sem contar, é claro, com a famigerada presidência. A sorte está lançada: que comecem os jogos.

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