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Tatiane da Silva Santos, mais uma mulher negra comum

Jovem de 29 anos foi vítima de violências e abusos durante toda a vida e condenada a 24 anos de prisão.
Imagem: Thais Linhares/Liberdade Para Tatiane.

Um coletivo de mulheres advogadas, bacharéis em Direito e ativistas feministas lançou essa semana uma campanha pedindo a liberdade de Tatiane da Silva Santos, uma jovem de 29 anos que passou por diversos abandonos do Estado e a punição desenfreada da justiça criminal no Rio Grande do Sul. A hashtag #LiberdadeParaTatiane começou a ser difundida nas redes para contar o caso emblemático da jovem.

Para quem acompanhou a pouca repercussão que o caso gerou em 2013, a história de Tatiante começa em novembro de 2013 quando foi denunciada por homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vitima, tortura e maus tratos do seu quatro filho, Diogo, morto com 1 ano e 2 meses. Em 2016 foi levada a julgamento no Tribunal de Júri na cidade de Porto Alegre e foi considerada uma mulher narcisista, imprudente e masoquista. Inclusive pela psicóloga que fez um laudo sobre a jovem.

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No entanto, a vida de Tatiane vai além das páginas policiais. Nascida no Sul do Brasil, testemunhou em casa um relacionamento abusivo entre o pai e a mãe. Engravidou aos 17 anos e pouco tempo depois conheceu Amilton. Apaixonada, oito meses depois teve seu segundo filho com o namorado e passou a morar junto que o companheiro, que até então era estável e tinha um emprego fixo.

Foi Amilton ficar desempregado que as coisas mudaram. Começou a desenvolver dependência pela cocaína, vendeu drogas e nutria um ciúmes doentio pela companheira. Agressões, ameaças e abusos constantes pautavam o relacionamento de ambos. Muitas vezes, Tatiane buscou a polícia e a justiça para conseguir se separar de Amilton e mantê-lo longe dela e dos filhos. No entanto, as autoridades não se convenceram dos apelos da jovem, fazendo com que Amilton voltasse para casa sob promessas de se regenerar.

Trabalhando sete dias por semana para sustentar os quatro filhos, Tatiane cedia às ameaças de Amilton de tirar os filhos da mãe e mantinha o relacionamento. Chegou a registrar uma ocorrência cinco meses antes da morte de Diogo contra Amilton, que foi até seu trabalho ameaçando e a agredindo para que se reconciliassem. Orientado pelo Conselho Tutelar, Amilton registrou também uma ocorrência contra Tatiane alegando que a mesma estava descumprindo uma decisão judicial e que não estava deixando ele ver os filhos aos sábados. Com isso, Tatiane retornou mais uma vez ao relacionamento marcado por abusos e violência de Amilton.

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Em 2013, sustentando sozinha a casa, não pode deixar Diogo na escolinha sob recomendação médica. Não tinha condições de bancar uma creche para o filho e não teve escolha senão deixar sob os cuidados com o pai até voltar do trabalho. Amilton mostrou interesse e um extremo cuidado, convencendo até Tatiane que estava melhor, mas seis dias ela depois chegou do trabalho e encontrou seu bebê respirando com dificuldade no berço e cheio de hematomas. Diogo foi levado até o hospital, mas não resistiu.

Não restou dúvidas para a polícia que Tatiane era a maior culpada pela morte de Diogo. Foi denunciada por homicídio e levada algemada para o Presídio Madre Pelletier, onde está até hoje. No Tribunal do Júri foi culpabilizada por viver em um relacionamento abusivo. Para a promotora de acusação, Tatiane era masoquista porque gostava de apanhar do marido abusivo e voltava para casa. Foi acusada de ter uma personalidade narcisista, egoísta e condenada pelo corpo de juradas, formado por sete mulheres.

Em 27 de setembro, dia de seu aniversário de 29 anos, a 1ª Câmara Criminal do TJ-RS julgou a apelação de Tatiane e aumentou a pena de 22 anos para 24 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão.

Acompanhando o caso de perto desde que era estudante, a bacharel em Direito Sophie Dall'olmo começou a prestar apoio para a jovem encarcerada, levando produtos básicos de higiene e que com a ajuda de outras mulheres começou a lançar a campanha pela justiça e liberdade de Tatiane.

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"A apelação dela já foi julgada, mas tem recursos que ainda cabem no caso. As chances são pequenas, mas ainda não perdemos a esperança. Também queremos fazer uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas isso leva um tempo porque precisa atender a vários requisitos para subir até lá", explica Sophie.

Winnie Bueno, mestranda em Direito Público pela universidade Unisinos, feminista e ativista do movimento negro, foi uma das vozes que estão dando publicidade para o caso triste de Tatiane. Assim como muitas pessoas que souberam da história essa semana, Bueno se mostrou horrorizada em como Tatiane foi esquecida.

"Em razão ~da região que é fora desse eixo Rio-SP e todas as condições histórias que se remetem ao Rio Grande do Sul, lido como um lugar que não tem negros, isso acabou passando batido", explica. "Sou de Porto Alegre e acho que o silêncio sobre o caso explicita bem sobre o próprio movimento feminista também. Precisamos nos atualizar, observar o processo, estudar o processo, conhecer o caso e fazer um esforço coletivo para que a gente tenha uma possibilidade de conversar e falar sobre esse caso de uma maneira ampla."

Tanto Winnie quanto Sophie destacam que o caso é emblemático para entender como a justiça criminal lê as mulheres negras no Brasil. Além de também mostrar um abandono do Estado em prestar apoio a uma mulher que recorreu a ele diversas vezes. "O fato dela ser mulher agrava as condições, mas fundamentalmente o que pesa é o fato dela ser uma mulher negra. Esse é um passo é importante colocar como pauta central no que diz a respeito à vida de muitas mulheres," diz Winnie.

Para dar mais visibilidade ao caso de Tatiane, a página oficial está divulgando uma vaquinha online para levar itens básicos para o presídio onde a jovem está encarcerada. A defesa de Tatiane está sendo cuidada pela Defensoria Pública.

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