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O problema da carne vermelha é que não entendemos o que lemos

Ante-ontem não se falava de outra coisa e o hashtag #carne foi trending topic no Twitter.

Ante-ontem não se falava de outra coisa e o hashtag #carne foi trending topic no Twitter. A Organização Mundial da Saúde anunciou oficialmente que o consumo de carnes, enchidos, salchichas e toucinho aumenta o risco de cancro colo-rectal. A carne processada foi comparada a outros productos cancerígenos, como é o caso do álcool ou do tabaco. Em todo o caso, sempre segundo a OMS, não haveria "nenhuma prova definitiva" de que a carne vermelha seja cancerígena.

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Obviamente, sobre a notícia não há muito que dizer. Poderia resumir-se assim: a OMS disse que, se comes certas coisas de certa maneira, o risco de adoecer é cada vez maior, portanto, nada de novo. Por outro lado, os estudos na procura de uma correlação entre entre o desenvolvimento de um determinado tipo de tumor e alguns hábitos alimentares são muito complexos, e dentro do grupo de especialistas que trabalhou neste relatório não se chegou a acordo.

Mas em primeiro lugar, o que diz realmente a OMS? A Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC, parte da OMS) introduziu as carnes vermelhas não processadas na categoria de alimentos"probablemente cancerígenos". A IARC ocupa-se de avaliar a "cancerosidade" das coisas, neste caso da carne vermelha, mas não avalia como é que esta substância é de facto cancerígena.

Na verdade, o relatório da OMS foi muito mal entendido pelos meios de comunicação em geral, e esta citação do professor David Phillips, da Cancer Research UK, membro da IARC, pode ajudar-nos a dissipar algumas dúvidas:

"A IARC identifica os riscos, não avalia os riscos. Isto significa que à IARC não lhe importa como é que algo pode propiciar o desenvolvimento de um cancro, só lhe interessa saber se promove ou não. Por exemplo, pensemos nas cascas de banana: podem causar acidentes, mas na verdade, é uma coisa que quase nunca acontece, ainda por cima, o tipo de dano que advém de pisar uma casca de banana não é, normalmente, comparável ao dano que pode causar um acidente de viação. No entanto, num sistema de identificação de perigos da IARC, 'casca de banana' e 'acidente de vição' terminariam na mesma categoria, já que tecnicamente podem causar acidentes".

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Resumindo, parece que talvez tenha sentido falar da forma como consumimos a informação. Na versão original da notícia existiam uma série de detalhes que se perderam na mensagem transmitida pelos meios de comunicação, gerando desta forma um tsunami de reacções.

Num sistema de identificação de perigos como o da IARC, 'casca de banana ' y 'acidente de viação' estão na mesma categoria.

Há apenas um mês, quando uma equipa da Universidade de Trento descobriu as propriedades de uma proteína celular como defesa contra o HIV, vimos como os meios de comunicação trataram a notícia de forma sensacionalista. "Descoberta em Trento a proteína do HIV", "Estudo italiano descobre uma defesa natural contra el HIV" e "Luta contra a SIDA: nas células existe uma arma natural" foram apenas alguns dos titulares daquele dia.

Apesar das diferenças óbvias, este caso e o de hoje têm vários aspectos em comum: é uma conclusão que foi tirada de um processo de tradução e conversão para que a informação fosse compreensível para o público em geral, perderam-se as nuances e transformou-se em algo mais. Os mal-entendidos e as mudanças de significado que acompanham este processo são muito comuns.

O problema é que, pelo menos na maioria dos casos, o consumidor final pensa que a informação vem de fontes fiáveis. Não é como, por exemplo, a história da carne infectada com SIDA que se transformou num dos mitos mais expandidos de 2015, mas cuja falsidade era fácil de comprovar com uma simples pesquisa no Google. Neste caso, a notícia provém de uma fonte que cita estudos e dados: é muito mais difícil de refutar.

E talvez por isso, a notícia tenha provocado reacções tão fortes, para além de ter reavivado o eterno e inútil debate pró ou anti-vegetarianismo. Algumas reacções roçaram o ridículo.

Entretanto, há duas posturas bastante claras nesta história: os que não comem carne e tiveram a confirmação de ter tomado a decisão correcta, e os que comem e continuarão a fazê-lo sem estar muito preocupados com a notícia da OMS. O que implica que, no fundo, sempre soubemos que a carne não era algo realmente bom para nós, não era preciso vir a OMS dar-nos a notícia.

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