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Relato de um ladrão de caixa eletrônico

"Contar uma grande pilha de dinheiro é a melhor coisa que pode acontecer na vida de um homem."

Um cara inocente só tentando tirar uma grana. Foto via usuário do Flickr J.RISTANIEMI.

Matéria original da VICE França.

Mesmo com a maioria das pessoas usando menos dinheiro vivo no dia a dia, a verdade é que ele continua sendo muito mais difícil de rastrear do que as transações digitais. Por isso — e também porque dá para dormir gostoso num colchão de grana— gente envolvida em negócios duvidosos prefere dinheiro na mão. Sendo assim, caixas automáticos são os alvos ideais para quem precisa urgentemente de muita grana — desde que a pessoa esteja disposta a usar táticas como clonagem, bombas de gás ou entrar com um carro a toda velocidade pela porta do banco.

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Amine* é uma dessas pessoas que não têm medo de tomar medidas extremas e ilegais para descolar um troco. Com quase 30 anos, atualmente ele trabalha no comércio, mas suplementa sua renda com roubos extremamente lucrativos. Ele concordou em falar comigo sobre um de seus maiores trabalhos.

VICE: Você pode falar um pouco sobre as suas origens?
Amine: Acho que segui o mesmo caminho que a maioria dos delinquentes juvenis. Comecei a lidar com maconha no colégio, depois passei para roubo de motos, scooters, carros — fiz praticamente de tudo para conseguir dinheiro rápido. Eu não era rico, mas vivia bem confortavelmente sem ter que trabalhar muito pesado. Eu viajava nas férias e comprava roupas de grife. Com 19, 20 anos, comecei a trabalhar num emprego de verdade, mas ainda fazia um dinheiro por fora. Nunca fui pego, o que é um incentivo para continuar.

Como você foi desses crimes menores para roubar caixas automáticos
Conheci as pessoas certas — melhor dizendo, as pessoas erradas. Ficamos amigos porque eles eram como eu: criativos, sérios e motivados para fazer o máximo de dinheiro no menor tempo possível. Formamos um grupo de seis ou sete pessoas. Nossa especialidade era assalto, mas também fazíamos alguns roubos de casa e carro. Não trabalhamos todos ao mesmo tempo sempre — uma invasão simples só exige dois caras.

Então vocês são uma gangue?
Basicamente. Só trabalhamos quando temos planos concretos e nunca deixamos nada ao acaso — o que nos rendeu uma reputação nesse mundo. Então as pessoas nos abordam dizendo que uma venda com dinheiro vivo vai acontecer em tal dia e tal lugar, ou que algum comerciante está guardando os lucros em casa. Aí fazemos uma avaliação rápida dos benefícios e inconveniências e decidimos se devemos tentar. Geralmente recebemos as dicas de amigos ou parentes das vítimas. Muitas vezes uma esposa traída que quer se vingar e sair com algum dinheiro.

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Costumo dar socos ou ameaçar as pessoas com armas quando elas resistem. Acho que é tudo parte do trabalho.

Você pensa nas pessoas que já machucou?
Não. Não sou um tipo Robin Hood que rouba apenas negócios. Indivíduos ou negócios — não me importo. Prefiro dinheiro no meu bolso do que no bolso de outro. Nunca matei ninguém e não uso de violência quando as pessoas estão cooperando. Costumo dar socos ou ameaçar as pessoas com armas quando elas resistem. Acho que é tudo parte do trabalho. Quanto a algum dano psicológico que isso pode causar, esse não é o tipo de coisa que me faz perder o sono. Nunca encontrei minhas vítimas e não penso no impacto que posso ter tido na vida delas.

Fale sobre a primeira vez em que você roubou um caixa automático.
Um dia, alguns caras da minha equipe conheceram um ex-ladrão que sabia como fazer esse tipo de trabalho. Você não pode escolher um banco aleatório e seguir sem um plano. Prefiro ser um pouco vago mas, em algumas áreas, as entregas são feitas por transportadoras especializadas. Eles costuma estacionar paralelo com o caixa eletrônico para evitar um ataque com outro carro.

Em outros lugares, o entregador está sozinho — e é isso que você está procurando. Ninguém quer um banho de sangue por €40 mil (cerca de R$145 mil) para cada um. Também é preciso saber se o banco mancha suas notas. Não tem nada pior que acabar com um monte de notas cobertas de tinta.

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Entendi. E depois?
Você tem que esperar até o cara começar a encher a máquina — o timing é tudo. O local também: o caixa eletrônico precisa estar num lugar onde você possa entrar com o carro. Usamos o carro para derrubar a porta perto do caixa — aquela por onde o cara enchendo o caixa entrou. Não pode haver nenhum tipo de pavimento que desacelere o carro na fuga e o caixa tem que ficar desprotegido — ou, pelo, menos você precisa chegar perto dele com o carro.

Como vocês se preparam?
Corremos muito antes de um ataque, para ficar em forma. Você tem que poder contar com as próprias pernas se tiver algum problema, e isso também ajuda a lidar com o stress. Quando você está fazendo um trabalho, seu coração dispara. Você tem que conseguir manter a calma.

Para o trabalho em si, você começa a monitorar o caixa eletrônico. Estacionamos numa esquina calma e ficamos de tocaia por horas, esperando a entrega. Assim você aprende os horários e as rotas diferentes que os entregadores tomam. Você tem que ficar lá todo dia por algumas semanas para evitar qualquer surpresa no grande dia.

Claro, você não pode deixar o pessoal da vizinhança desconfiar. Então nos organizamos assim: duas pessoas ficam perto do caixa e outras duas ficam no final da rua para ter certeza de que o caixa não está sendo vigiado pela polícia — ficamos em contato constante pelo celular. Para garantir o anonimato, usamos chips pré-pagos. Os celulares só podem ser ligados na área, nunca perto das nossas casas.

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Um caixa eletrônico derretido, foto pelo usuário do Flickr WedlockPictures.

O que vocês levam em consideração no plano de fuga?
Temos que calcular a distância entre o caixa eletrônico e a delegacia mais próxima, para saber em quanto tempo a polícia pode chegar. Saber onde as câmeras de vigilância da prefeitura estão também é essencial, porque a polícia as usa nas investigações. Então temos que estacionar o carro de fuga num ponto cego das câmeras.

Do que mais você precisa?
Três carros roubados e uma arma, só para garantir. Contratamos outros caras para conseguir os carros — eles roubam o carro pra você e removem qualquer sistema de localização por satélite. Esses sistemas são cada vez mais comuns em carros grandes. Pedimos três carros esportivos e uma 4x4 para servir de ariete. Sai por cerca de €9 mil (33 mil reais). A gente podia ter arranjado os veículos nós mesmos, mas estávamos sem tempo por causa dos outros preparativos para o roubo. Usamos nossos contatos para conseguir a arma — custou uns €1.500 (5 mil reais).

Depois dos preparativos, o que falta fazer?
Temos uma reunião final três ou quatro horas antes do trabalho, só para conferir se está tudo certo e se todo mundo sabe o que precisa fazer. Depois dessa reunião, um de nós vai estacionar um carro na frente do caixa eletrônico, para ninguém roubar a vaga. Enquanto isso, outra pessoa vai deixar um dos carros longe da cidade — é esse que vai nos levar para casa no final. Quando está tudo pronto, nos encontramos numa garagem para nos dividir nos dois carros que sobraram. Eu fiquei na 4x4 — que ia ser o ariete — meus três sócios ficaram num carro alemão.

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Dirigimos até o caixa eletrônico, estacionamos um pouco longe e esperamos pelo entregador. Quando deu o horário, avancei com o carro contra a porta perto do caixa eletrônico. Ela quebrou fácil. Meus colegas vieram atrás com o carro deles, dois correram para dentro do banco, um rendeu o entregador enquanto o outro rendia o guarda. Em três minutos eles encheram o carro com notas de várias cores. Tive tempo de colocar fogo na 4x4 para não deixar nenhuma impressão digital ou DNA. Aí entramos no carro de fuga e aceleramos até chegar no esconderijo do outro carro. Dirigir a mais de cem quilômetros por hora à noite, em ruas estreitas, com os faróis desligados — vou te dizer que foi assustador.

E o que aconteceu depois?
Achamos um lugar discreto para dividir o dinheiro e nos separamos. Passei horas e horas contando meu dinheiro. Naquela primeira noite, fiquei excitado demais para dormir. Francamente, contar uma grande pilha de dinheiro é a melhor coisa que pode acontecer na vida de um homem. Quando me acalmei, comprei uma passagem para tirar férias no exterior. Eu precisava de uma folga porque estava trabalhando sete dias por semana há dois meses.

Por que você decidiu viajar?
Bom, se safar com €145 mil (quase 530 mil reais) não é brincadeira. A polícia estava usando todos os meios para nos encontrar, então eu queria me esconder. E você tem que ter certeza que só as pessoas que são parte do trabalho sabem da história. A polícia retira acusações de crimes menores em troca de dicas para coisas grandes. Então você nunca está a salvo de alguém que quer salvar a própria pele. Uma informação assim não é suficiente para te prender, mas a polícia fica sabendo o que procurar. Mas depois do roubo, se fez tudo certo, você não tem com que se preocupar — a não ser que a polícia comece a usar alguma nova tática revolucionária de investigação.

*O nome foi mudado por razões óbvias.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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