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Tecnologia

A Luta Para Tornar os Games Mais Abertos aos Gays

Um desenvolvedor indie causou a ira de diversos grupos ao criar o "Ultimate Gay Fighter", mas também jogou luz em uma importante discussão no mundo dos games.

Assim como um monte de caras que cresceu na década de 80, Michael Patrick começou a jogar vídeogames desde cedo. Ele adorava Street Fighter, e tinha uma afeição especial pela Chun-Li, a primeira personagem feminina a fazer parte da série. Só anos mais tarde ele se deu conta o quão pessoal essa escolha foi para ele.

“Olhando pra trás, eu acho que era meu lado drag queen se manifestando”, me contou Patrick, hoje com 33 anos e trabalhando em Nova York como designer gráfico. Patrick não se assumiu até os 19 anos, quase uma década após o lançamento de Street Fighter II (que introduziu a Chun-Li). Naquela altura, ele já havia sido conquistado por outro ícone gay: Madonna.

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“Eu achava que ela era a coisa mais cool que já havia surgido”, ele lembra. “E o fato de que ela sempre dava um alô para o público gay fez eu me sentir aceito antes que eu conseguisse aceitar a mim mesmo.” Patrick não é mais um gamer ávido, mas ele foi lembrado do seu amor por jogos de luta em junho do ano passado, na época da parada gay de Nova York. Vendo todas as fantasias e carros alegóricos absurdos que fazem da parada um evento tão lendário, ele começou a brincar com seus amigos sobre como seria ter um jogo de luta -- um gênero há tempos celebrado por ser ridículo e de natureza afeminada -- apresentando apenas personagens gays. Pense em Mortal Kombat, mas com o elenco de RuPaul’s Drag Race.

“A ideia era: a parada gay, mas em uma luta de boxe”, disse Patrick.

Seus amigos riram e seguiram em frente, mas Patrick se apegou à ideia. Ele contratou programadores e foi atrás de investimento de amigos e familiares. Não querendo deixar seu trabalho oficial, ele acordava de manhã bem cedo antes de sair para o escritório, e continuava quando voltava para casa (o que explica porque falamos por Skype às 7h da manhã). E, finalmente, em janeiro passado, ele desvendou sua ideia para o público: Ultimate Gay Fighter, descrito em seu site como “o primeiro vídeo game gay do mundo já feito!!!”

Patrick esperava receber alguma repercussão homofóbica. O que ele não esperava era o choque com o qual o povo LGBT também reagiu ao jogo.

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“Eu não queria ser levado a sério, mas as pessoas estão levando o assunto super a sério”, disse Patrick. Ele brincou que acha que conseguiu criar uma dessas obras que são ao mesmo tempo atacadas por dois grupos divergentes, normalmente negando-se a concordar com qualquer coisa.

“Um acha que é terrível para a comunidade LGBT por causa de todos esses estereótipos negativos”, ele disse. “E o outro diz coisas do tipo: suas bichas malditas!”

Ao assistir ao trailer do game, é fácil entender os dois lados. Os personagens super-estereotipados do elenco do jogo são todos retratados com uma irreverência à la South Park. Alguns, como um Adonis bombado e alaranjado que ataca seus inimigos os prendendo em um salão de bronzeamento artificial, parecem principalmente inofensivos e divertidos. Outros, como um personagem afro-americano de nome “Shawdee Killah”, que luta com um colar de ouro gigante no formato de um nó, são pontos de conflito.

O game estava em um lugar perfeito para causar indignação na internet: realizado ambiguamente, e tão na pressa, não ficou claro se era de fato um jogo ou apenas um hoax para atiçar a ira das pessoas. Na verdade, não há como afirmar se Ultimate Gay Fighter será lançado algum dia. E mesmo que seja, talvez não seja tão bom, considerando a pouca experiência que Patrick tem em criar games. Apesar disso, ele ainda conseguiu explodir no mundinho de games da internet. Patrick tratou de se defender rápido, explicando em uma entrevista para o site de games VG247 que o jogo “não foi feito para despertar o ódio”.

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Ironicamente, a controvérsia em torno do jogo atraiu tanta atenção, que Patrick atrasou seu lançamento a fim de conversar com investidores e editores curiosos. Ele deveria, originalmente, ter sido lançado em janeiro, logo após ter sido anunciado. Há alguns meses atrás, o UGF anunciou que se associou ao desenvolvedor independente de games para dispositivos móveis, Bearded Man Studios, a fim de trazer em breve um “Ultimate Gay Fighter maior e melhor”.

Sem conseguir colocar as mãos no game em si, no entanto, os gamers e críticos só podem imaginar o jogo. É uma piada ruim e de mal gosto? Um chamado malicioso de estereótipos retrógrados e depreciativos? Ou o Patrick está certo que todo mundo deveria apenas se acalmar e apreciar a tolice inerente do jogo?
 
Todd Harper, um pesquisador de pós-doutorado do laboratório de game da MIT e autor do livro The Culture of Digital Fighting Games (A Cultura de Games de Luta Digitais), me disse que parte do desafio que o Ultimate Gay Fighter enfrenta é o mesmo que muitos games enfrentam em algum nível, especialmente nesse gênero. Não é que games de luta não sejam bizarramente coloridos e ridículos. Dentre os personagens jogáveis de qualquer Tekken, por exemplo, há um velociraptor usando luvas de boxe, um urso panda que pode vestir um tutu, e o que parece um dragão gigante barbudo. Mas eles são organizados em lutas, o que significa que a única real oportunidade para contar uma história e desenvolver um personagem acontece fora do ringue.

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“Em um game de narrativa, é fácil dar importância à sexualidade de um personagem porque a história tem um impacto em como você joga o jogo, interage com outros personagens”, disse Harper. “Em um game de luta, quem se importa? Jogadores se importam em como o personagem luta, como eles funcionam, que é uma coisa mecânica, não narrativa.”

A expansão Left Behind, de The Last of Us, contou mais sobre a história de Ellie, uma das personagens principais do jogo, incluindo seu rápido relacionamento com outra jovem garota.

Isso coloca os desenvolvedores em uma posição difícil, na qual eles são levados a criar gestos pomposos e caricatos para fazer que a sexualidade de um personagem se sobressaia. Normalmente, isso significa dar a todas as personagens femininas seios gigantescos, vestindo-as em biquínis minúsculos, e fazendo-as desfilar como modelos de lingerie, para o deleite de uma audiência presumivelmente masculina, heterossexual e jovem.

A palavra “presumivelmente” é chave aqui, porque uma pesquisa de mercado já mostrou que o público que joga está se tornando cada vez mais diversificado, apesar do fato de que as principais empresas de vídeo game continuam anunciando seus produtos para garotos adolescentes heterossexuais. Supõe-se que a regra seja a heterossexualidade na vasta maioria dos games, em outras palavras, o que coloca desenvolvedores, que de fato desejam criar um elenco mais diverso de personagens do que o repertório comum de caras brancos sarados com barba por fazer, em uma posição difícil. Você se importa com a sexualidade de um personagem? Ou é mais emancipador tratar personagens LGBT normalmente e não criar polêmica antes de qualquer coisa? Mas se você escolhe esse caminho, já não está convidando muitos jogadores a ignorar a presença de personagens LGBT, novamente fazendo que com eles fiquem ou sejam calados?

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Para dar um exemplo, eu perguntei a Harper como ele achava que um game como StarCraft poderia mostrar a seus jogadores que um ou outro personagem era livre e abertamente gay. É difícil definir o que torna as opiniões do groupo LGBT tão alheias em um jogo sci-fi com competidores humanos e vários tipos de extraterrestres lutando por dominação intergalática. Mas a crítica severa da comunidade de esportes acerca de games como StarCrafts evidencia que elas de fato o são. Então o que o criador do StarCraft, a Blizzard, deveria fazer para mudar isso? Como poderia mostrar que um dos pilotos anônimos no game é gay, por exemplo, sem torná-lo uma caricatura ridícula?

“Essa é uma parte do problema: eu realmente não sei”, disse Harper. “Mas agora que você mencionou, parte de mim realmente adoraria ver pilotos em StarCraft desfilando em saltos altos.”

Toni Rocca, CEO e presidente da convenção de vídeo games LGBT, GaymerX, não acha que a lealdade de Patrick às convenções do gênero deva ser acusada aqui. Antes de mais nada, Rocca disse estar incomodado com a ignorância de Patrick sobre a comunidade LGBT que curte games que ele agora reivindica representar.

“Uma das primeiras coisas que ele declarou foi que esse era o ‘primeiro vídeogame gay'”, Rocca disse. “Isso obviamente não é verdade, e é realmente um insulto às pessoas que têm trabalhado duro para colocar personagens gays em vídeogames. Quero dizer, uma pesquisa rápida no Google sobre ‘vídeo game gay’ pode te dar alguns exemplos.”

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Em Mass Effect, era possível ter relacionamentos lésbicos desde o primeiro jogo, e apenas no terceiro surgiu a opção de ser um homem gay.

Rocca está certo que já há muitos exemplos positivos de representantes LGBT em vídeogames. Nos últimos anos, grandes desenvolvedores como a BioWare lançaram blockbusters como o Mass Effect, que deixa jogadores estrelarem suas próprias óperas espaciais como personagens gays que procuram relacionamentos do mesmo sexo (apesar de não ter acontecido até o terceiro game da trilogia).

Jogada corretamente, Dragon Age, outro jogo da BioWare, contém um enredo secundário com uma vibe Brokeback Mountain sobre um personagem masculino que abandona o jogador para casar com uma mulher e honrar sua nobre linhagem, quando ele é chamado para assumir o trono. Gone Home, um game independente feito por um punhado de desenvolvedores que já haviam trabalhado na popular série Bioshock, fascinou muitos críticos no ano passado com sua narrativa exploratória, centrada em torno de uma garota adolescente se assumindo para seus amigos e família. E em fevereiro, a Sony e a desenvolvedora Naughty Dog lançaram uma continuação do épico de 2013, aclamado pela crítica, The Last of Us, que continha a revelação surpresa que Ellie, a adolescente que é uma das duas personagens jogáveis, teve um breve date romântico e trágico com outra mulher.

Em outras palavras, há tantos desenvolvedores de games que se identificam como gay, bissexual, transexual ou queer que o influente site de games Polygon anunciou o surgimento de uma “cena gay” no mundo dos games no ano passado.

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Mas comparado a outros campos âncoras da cultura pop, como música e filme, a indústria do vídeo game continua notavelmente homogênea. Obras como Mass Effect e The Last of Us são apenas alguns exemplos, e a maioria dos jogos independentes não têm o aparato comercial de uma empresa grande para alcançar uma audiência da escala, digamos, de Call of Duty or Grand Theft Auto. O que leva a uma pergunta importante: se empresas bilionárias têm tanta dificuldade em abraçar representantes LGBT, o trabalho de um único homem gay inexperiente é o real problema aqui?

“Talvez a gente não devesse gastar tanto tempo implicando com um desenvolvedor indie, que fez algumas escolhas infelizes, quando um grande desenvolvedor ainda lança a quadragésima versão de alguma série que é terrivelmente racista, violenta e misógina”, disse Rocca.

O dilema criativo que Harper salientou, no entanto, mostra o quão sutil e endêmico é esse tipo de homofobia institucionalizada. Em casos raros, um desenvolvedor pode dar declarações infelizes desaprovando a comunidade LGBT -- como fez o criador de Earthworm Jim. Para a maioria, grandes desenvolvedores de games são espertos demais para deixar seus preconceitos tão aparentes.

Em vez disso, o que sobra aos gamers é um tipo de força que vai dificultando os personagens gays de terem uma aceitação completa. Um artigo recente no site de games Kill Screen, por exemplo, perguntou porque ainda não há um “personagem gay” facilmente identificável em jogos populares. A resposta foi: eles já existem, de uma certa forma. Mas sua sexualidade é discutida tão “indiretamente” que ainda pode ser negligenciada ou plausivelmente negada.

Veja The Last of Us. Perguntei ao pesquisador de games Ian Bogost o que ele achou da grande revelação sobre a sexualidade de Ellie, e, no geral, ele não pareceu surpreso. O fato da “saída de armário” dela ter sido enquadrada como um ponto central da trama sugere que foi propositalmente ocultada dos jogadores, mesmo sem sentido, nas primeiras vinte e poucas horas do game. Por ser uma personagem gay, ele sugeriu, Ellie foi usada como um “artifício”, não como uma “representação ou uma opinião”.

Duvido que Ultimate Gay Fighter terá algo parecido à força narrativa ou às nuances do The Last of Us. Mas mesmo sendo desajeitado, não consigo deixar de apreciar o quão descarado é o game. A ignorância sobre vídeogames modernos do próprio Patrick mostra apenas o quão limitado é o alcance da cena de games gays, e o quão sincero ele está preparado para ser. Mesmo com todas as suas falhas, é preciso ter mais pessoas no universo dos games como ele.

“É extraordinariamente novo”, disse Patrick sobre os games focados no universo LGBT. “E por isso as pessoas estão histéricas”. “Mas isso não me me fará parar”, ele acrescentou. “O jogo vai sair.” Espero que mais o sigam.

Tradução: Francine Kath