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análise

Cheira mal, cheira a Bloco Central

Há muito que diversos elementos do PSD e PS têm, alegadamente, prejudicado o Estado. A “Operação Tutti Frutti”, que incluiu setenta buscas, abre uma nova Caixa de Pandora a juntar a tantas outras que assolam os dois partidos.
Por estes dias, o melhor é ouvir Carmen Miranda e esquecer outras frutas suculentas no capítulo judicial. Foto via Wikimedia Commons.

A “Operação Tutti Frutti” despoletada na quarta-feira, 27 de Junho, tem todos os ingredientes para abrir outra fenda na pouquíssima credibilidade da classe política. Nas setenta buscas efectuadas pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público, houve passagens por autarquias (como a liderada por Fernando Medina), sedes partidárias (como as do PSD e PS na capital), casas particulares ou a sociedades de advogados.

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No comunicado da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, lê-se que estão a ser investigados “crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, participação económica em negócio e financiamento proibido”. Acrescenta ainda que foram recolhidos “fortes indícios” de que “um grupo de indivíduos ligados às estruturas de partido político, desenvolveram entre si influências destinadas a alcançar a celebração de contratos públicos, incluindo avenças com pessoas singulares e outras posições estratégicas”.

Sobre este inquérito que envolveu mais de duzentos agentes (entre os quais três juízes de instrução, peritos financeiros e informáticos) e que passou como um vendaval em Portugal Continental e nos Açores, o site Observador avança a possibilidade de existirem financiamentos ilícitos a estruturas social-democratas e socialistas, enquanto a revista Sábado escreve que, além de presumíveis actos de corrupção através de ajustes directos, procuram-se rastos de nomeações de boys (a capa do Correio da Manhã desta quinta-feira, 28 de Junho, diz que o ex-vice da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, chefiava hipoteticamente a rede de distribuição de tachos nos dois maiores partidos). O termo “jobs for the boys” é uma nódoa tão impregnada no sistema estatal e em diversos concursos públicos da léria, que mais valia ser legalizada em Diário da República - uma piada, claro.

O Jornal da Hora do Almoço, na CMTV (no início de tarde desta quinta), fala de uma suposta negociação entre Fernando Medina e Sérgio Azevedo no que diz respeito a cargos em organismos públicos. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa distribuiria boys do PS por Juntas de Freguesia laranjas e, em contrapartida, “elementos social-democratas teriam trabalho em Juntas ganhas pelos socialistas”. O cargo previsto seria o de assessor que, pelos vistos, em muitos casos, era fictício e com um salário mensal a rondar entre os dois e os três mil euros. Parte desse dinheiro seria encaminhado para um pretenso saco azul.

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Por este andar, mais máscaras de senhores da Lapa e do Rato ameaçam cair e a não resistir à ideia que se algo cheira mal na política, cheira invariavelmente a Bloco Central.

Caciquismos e os péssimos exemplos que vêm de cima

Com o desgaste de ter o poder nas mãos desde que a democracia começou a ser consolidada há trinta e tal anos, o Bloco Central tornou-se uma máquina oleada para o bem e, na opinião dos mais desconfiados, sobretudo, para o mal. As jogadas de bastidores, entre membros do PS e PSD, foram sendo de tal forma arrasadoras que manietaram tudo o que eram centros decisores em benefício dos seus próprios interesses.

Não temos uma monarquia medieval em que se distribuem oficialmente terras por parentes e todo o tipo de amigalhaços do regime, mas praticamente passa-se o mesmo. Basta viver ou falar com pessoas que residem no interior e nas ilhas, ou ver o degradante espectáculo caquicista nos grandes centros, para saber que “há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável”, como diriam os brilhantes Mão Morta.

Da mais insignificante Junta de Freguesia, terminando no maior palácio camarário do país, há demasiadas instituições públicas tatuadas com cunhas bafientas, paletes de chico-espertismo e muitos esqueletos escondidos no armário. Quando se olha para a história recente relativa às negociatas que dizem respeito aos bancos - que são salvos em qualquer circunstância, com ou sem razões sólidas; as nocivas parcerias público-privadas; os contratos perversos como o do SIRESP; ou os estranhos acordos que os sucessivos governos fizeram com a EDP (e que em nada beneficiam o “zé contribuinte”), vem ao de cima a génese de que Portugal é uma coutada dividida por dois. Ao adicionarmos os badalados megaprocessos que levam de arrasto políticos, empresários e banqueiros que outrora eram os intocáveis da sociedade, a fotografia sobre quem tem tido as rédeas do destino deste cantinho europeu é imunda e um anátema que está longe de ser apagado.

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É extenuante a lista de maus exemplos que envolvem elementos do PS e PSD e até os casos aparentemente menos graves são difíceis de aceitar. Deste modo, é inconcebível que o Ministro Siza Vieira (um reputadíssimo advogado), devido a um caso que o envolve, tenha afirmado que desconhecia a lei da incompatibilidade; a lista de deputados constituídos arguidos, por terem beneficiado com as viagens ao Euro francês, aumentou com a inclusão de três sociais-democratas; para receber uns “valentes trocos”, há parlamentares de diversas “cores” que evidenciam pouca ética moral ao declararem uma morada de residência à Assembleia da República e outra ao Tribunal Constitucional; e, recuperando o mal resolvido Caso Centeno, se o Gabinete do Ministro das Finanças não deu nenhum jeito ao filho do presidente do Benfica, relativamente a uma isenção fiscal, quem dentro do Estado deu o presumível "empurrão” e em troca de quê? Que a resposta não fique para as calendas gregas.

Com tantas Operações em curso, queres ver que (infelizmente) o lema “Contra a Joana Marchar, Marchar” chega depois das férias?

A política à portuguesa assemelha-se à discussão entre os três grandes do futebol português, em debates televisivos. Quando aparecem suspeitas a envolver um dos lados, é trágico e cómico ver a disputa de argumentos, entre comentadores, de que “os meus não são tão maus como os teus” ou “ao menos não fizemos isto e aquilo”. É, de facto, uma fantochada equivalente a uma discussão entre os irmãos Metralha, uma palhaçada que causa uma tristeza (e revolta) a todos os espectadores que têm cérebro suficiente para não se deixarem condicionar a serem uma caixa de ressonância de qualquer uma das partes. Também o trocar de acusações entre os seguidores das instituições em tempos comandadas por Mário Soares e Sá Carneiro, é um fartote. Como arma de arremesso, uns trazem à baila a "Operação Marquês", outros lembram o caos do BPN.

É pena sermos um País pequeno e sem outros dez milhões que pudessem mudar a face de um cinzentismo que paira no arco do poder há uma eternidade - com o CDS no mesmo saco. É pena que as linhas editoriais dos órgãos de comunicação social apostem no mais do mesmo e achem que politiqueiros como Santana (que fez nova birra com os seus) ou Carlos César, tenham algo interessante a revelar - mais valia pôr em confronto Pedro Nuno Santos e Margarida Balseiro Lopes para ver se socialistas e sociais-democratas conseguem libertar o futuro dos vícios e os excessos dos loucos anos 90….

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É pena que a qualidade de vida da maior parte da população dependa de ordenados miseráveis e, ao mesmo tempo, muitos serviços e bens essenciais sejam pagos como se fôssemos europeus de primeira, só porque uns quantos manganões levaram o País ao descalabro financeiro. É pena que no dia em que arrebenta o processo “Tutti Frutti”, haja canais que façam o enésimo programa à volta do Sporting (Questão para três queijinhos: Anda a SIC Notícias tão desesperada com as audiências que há uns meses a esta parte tem andado a reboque do que faz a CMTV?)

E sabes mesmo, mesmo, mesmo o que pode meter pena? Que as personagens do “parque jurássico” made in Bloco Central ao regressarem dos banhos deixem para trás, num areal todo pintarola, a decência e a respeitabilidade em servirem como deve ser os portugueses. Se por causa deles - e não pelo presidente Marcelo ou pela vontade da própria em abandonar o posto -, a actual Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, for substituída, é porque frases como “À Política o que é da Política e à Justiça o que é da Justiça” são uma lengalenga maliciosa e completamente falsa no dicionário “laranja-rosa”.


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