Ilustração Owain Anderson.
FOTO 1
Ilustração por Owain Anderson.Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .O efeito que o Stories do Instagram teve nas nossas vidas é profundo e ainda não compreendido inteiramente. Quando o recurso foi lançado, um ano atrás, a vigilância constante dos nossos colegas em todo momento já era lugar-comum para os adolescentes, acostumados ao Snapchat e serviços de vlogging. Mas adolescentes não fazem muita coisa, então a maioria das postagens eram em quartos, no carro ou na escola.O Stories do Instagram, mais popular entre o público-alvo de vinte e poucos anos do aplicativo, tende a mostrar coisas reais acontecendo: gente bêbada, fotos de viagens incríveis e festas para as quais não te convidaram. Ele te dá um comentário momento a momento da vida de todo mundo, mas de maneira íntima e anonimamente. A maioria das pessoas vai deixar um amigo no vácuo no Whatsapp até o dia seguinte enquanto assiste aleatoriamente as histórias de pessoas com quem não falam há anos.Faz sentido que o maior impacto que o Stories teve foi na paquera. Os relacionamentos românticos não eram chacoalhados assim por uma nova tecnologia desde o Tinder. Isso deve ser confuso para quem está num relacionamento, porque o Stories não oferece um jeito óbvio de flertar ou conhecer gente nova. Mas me deixe explicar, do front horrível da vida de solteira, exatamente o que o recurso faz.O FORMATO ÓBVIO DA THIRST TRAPOriginalmente, thirst traps eram definidas como "uma fotografia ou mensagem sexy postadas nas redes sociais com a intenção de fazer outras pessoas assumirem publicamente sua atração". Com o tempo – e graças ao Stories, isso se tornou muito mais fluído; todo mundo deseja essa atenção.O Stories já tem seus próprios funcionamento. Qualquer selfie no espelho ou com a câmera frontal do celular (óbvio); na cama usando roupa íntima casual; screenshot da música que você está ouvindo – talvez você tenha falado sobre ela com seu crush e sabe que ele ou ela vai reagir. Ou o clássico: um vídeo da câmera frontal de você mexendo a cabeça, fazendo beicinho, se admirando enquanto a câmera filma, se comendo e comendo com os olhos todo mundo que está assistindo.É assim que funciona: você posta uma foto sua com uma, duas ou três pessoas em mente. Você quer que elas vejam. Elas fazem a mesma coisa. Vocês se envolvem nesse estranho ritual de acasalamento de ver e ser visto, validação e rejeição, o jogo de poder definitivo. Você joga a isca, eles mordem: o poder está com você. Eles escolhem deliberadamente não morder a isca, te deixar esperando: o poder se perde. Mas aí a pessoa posta uma história, mas você ficou ocupada o dia inteiro e só vê no final da noite: você ganha o poder de volta. Isso não acaba quando vocês transam. Isso continua até perder o gás, você engatarem um relacionamento ou passarem a se odiar.Se você tirou uma foto muito NSFW ou uma selfie thirst trap descarada, é preciso considerar algumas pessoas que te seguem, ou seja, os brothers irônicos do trabalho e sua tia fofa que curte tudo que você posta. Então você vai até as configurações do Stories e esconde a postagem de todo mundo que quiser. Assim a pessoa para quem você tirou a foto acha que você só está postando uma foto casual meio desnuda no seu Stories. Mal sabe ela que só umas 10 pessoas estão vendo a tal foto. Você basicamente manda uma foto sensual por DM sem que a pessoa se dê conta.Uma clássica thirst trap da autora.O INBOX DIRETO DO INSTAGRAM REVOLUCIONOU O SEXTINGVocê se sente de dois jeitos depois do sexting. Opção um: você olha toda as putarias que escreveu e sente orgulho da sua habilidade em manter um bom nível de ortografia e gramática, e imagina se tem o que é preciso para fazer comédia stand up. Opção dois: você lê o que na hora parecia sexy, mas agora parecem ameaças sexualmente agressivas e fotos não muito legais e até brochantes.Antes da tecnologia moderna, você nunca se veria no olho do furacão; o espelho nunca guardou os horrores do tesão. Mas essa é uma confrontação com que precisamos lidar agora, querendo ou não e aposto que a maioria não quer.O Instagram sabe disso. Ir de uma thirst trap no Stories para uma mensagem direta no Instagram te permite passar das postagens públicas para o flerte privados suavemente. E tem mais: você pode deletar as mensagens. Deletar mesmo. Como se nunca tivessem acontecido. Se disse alguma coisa ruim, você pode deletar e não vai ser tão ruim assim. Fotos e vídeos são deletados automaticamente depois de 24 horas, e depois de abrir você só pode dar replay uma vez. Isso tornou o sexting tão inocente quanto o Tinder tornou o sexo casual.SEUS CRUSH SÃO INTENSAMENTE CHATOSAntes do Stories era fácil acreditar que alguém com um cabelo legal e um sobrenome meio que do Leste Europeu era imensamente interessante. Aí você descobre que a pessoa não come cebola e passa todo domingo num pub com três caras que parecem que se chamam Ben.Se você tem mais que cinco histórias – ou, deus que me perdoe, mais de dez – pode ter certeza que te "escondi". Ninguém vai clicar no seu perfil e pensar "Uau, uma dúzia de pequenos retângulos, mal posso esperar para ver passo a passo do seu dia e selfies no banheiro do trampo". Se você fica conhecido como um shitposter, a comunidade não perdoa.Uma foto minha andando por Peckham no maior estilo.O SIGNIFICADO SECRETO DE QUEM ASSISTE A SUAS STORIES PRIMEIROQuando você posta uma história, aparece uma lista de todo mundo que assistiu até agora na tela. Mas em que ordem está essa lista? É todo mundo que stalkeio de cima para baixo? É todo mundo que me stalkeia de cima para baixo? Ou uma mistura dos dois criada por algum algoritmo? Essa é a pergunta do Stories que nos assombra desde sua concepção.Olhando minha lista, parece que todas as pessoas que conheço querem me comer, mais meus melhores amigos, mais conhecidos bizarros e pessoas que sei que não desgrudam a cara do celular. Mas também parece que é todo mundo que eu quero pegar mais meus melhores amigos no topo. Essa distinção é importante. Já considerei isso incontáveis vezes.Fiquei tão estressada com a ordem da lista que mandei e-mails para várias pessoas que se diziam relações-públicas do Instagram para conseguir a seguinte resposta:A lista de pessoas que veem suas Stories está ordenada com base em vários fatores que incluem quem viu suas Stories mais recentemente e contas com que você mais interage.Então não é completamente aleatório. Isso significa alguma coisa. Mas não vão nos dizer o quê. Esse pessoal está brincando com a gente.VOCÊ NÃO PODE ESCONDER DO SEU CRUSH QUE VOCÊ É UM POUCO NÓIAOs adolescentes hoje não fazem coisas pouco refinadas, ilegais ou que podem queimar seu filme no emprego nas redes sociais. Eles aprenderam isso com a geração anterior de idiotas que sofria cyberbullying no Twitter e postava fotos de becks mal bolados no Orkut. Se você – uma pessoa de vinte e poucos anos – está numa viagem só de ida para sentar no telhado de alguém na garoa às 6 da manhã, parecendo uma vítima de O Chamado, ouvindo Despacito pelo celular, todo mundo que você gosta ou admira vai ficar sabendo, porque postar evidências desse tipo de rolê perdido é algo que a gente não sabe evitar. A gente não aprende. Isso vai atrair alguém para o seu buraco ou enojar a pessoa dependendo de quão zé-droguinha ela é também.É MUITO FÁCIL ASSISTIR ACIDENTALMENTE UMA HISTÓRIA DE ALGUÉM QUANDO VOCÊ SÓ QUERIA ENTRAR NA PÁGINA DELA CLICANDO NO CÍRCULO DO AVATAR EM VEZ DO NOMECenário: você está com amigos, depois de algumas doses pesadas para te ajudar com o Bode de Domingo. Você decide mostrar para elas a pessoa com quem você estaria confortável em matar um primo de segundo grau para transar – mas que, mais importante, você não segue no Instagram. Você busca a pessoa e acaba clicando na foto em vez do nome. A tela é tomada por um vídeo besta. Você instintivamente arremessa seu celular no outro sofá. Você ouve seus amigos gritando – espera, é você que está gritando – você se joga no chão, alcança seu celular, o vira e pega os últimos segundos de uma longa série de histórias que passaram automaticamente antes da tela desaparecer e você voltar para a página de busca, vendo os nomes das pessoas que stalkeia com mais frequência. Você "viu" cada história daquela pessoa.Você corre para o quarto e deseja continuar correndo, atravessando a parede como um personagem de desenho animado, mas em vez disso você pega o travesseiro mais próximo e grita, grita, grita. Você ouve seus amigos rindo na outra sala. Para você o mundo acabou. Para eles foi engraçado.GENTE QUE VOCÊ JÁ PEGOU SÃO SEUS SEGUIDORES MAIS FIÉISSó assisto as histórias de pessoas que: 1) quero pegar; 2) meus amigos mais próximos; 3) mulheres cuja a pele eu usaria como um sarong, o que quer dizer que você é descolada e talentosa. Mas algumas das pessoas que assistem minhas histórias mais religiosamente são gente com quem transei uma ou algumas vezes e que depois perdemos o contato, que me deram um perdido, e (mais bizarro) pessoas que realmente não gostam de mim ou exes.Sabemos que todo mundo stalkeia todo mundo desde o Formspring, Myspace e MSN. Agora somos muito mais sinceros sobre isso. Como as histórias são aparentemente espontâneas e infinitas, assisti-las parece inofensivo, e talvez por isso pessoas com quem já transamos se sentem confortáveis fazendo isso. Além disso, a barra de círculos lá no topo do aplicativo é muito tentadora.E isso te deixa pensando: essa pessoa quer transar comigo de novo? Ela está me deixando como estepe? Sou só um tipo de troféu? POR QUE VOCÊ ESTÁ AQUI, CARALHO?A SEDE NUNCA VAI ACABARNão quero exagerar a importância dessa estranha documentação que fazemos, mas o Stories derrubou centenas de anos de teorias do desejo. Nada é inalcançável hoje. Se você está assistindo as histórias de alguém depois de adicionar a pessoa do Tinder ou depois de ter transado com ela algumas vezes, você a conhece intimamente e esse fato a torna mais abordável e menos ameaçadora, permitindo que você mergulhe de cabeça no mundo dela. Para algumas pessoas isso é chato, outras ficam obcecadas. O Tinder, e o fato de que fazemos o primeiro contato com transas em potencial pelo nosso celular agora, significa que flertar é quase inexistente na vida real e seu lugar é no Stories. Esses pedaços de conteúdo estranhos, inúteis, engraçados, chatos, intrigantes e pueris.Mesmo se o Stories morrer, algo do tipo vai tomar o lugar dele. Como Slavoj Žižek disse, "a raison d'être do desejo não é realizar seu objetivo, encontrar satisfação total, mas reproduzir a si mesmo como desejo". Estamos todos presos nesse círculo masoquista de criação própria. Com cada vez mais e mais sede… até a morte.@hannahrosewensSiga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.
Ilustração por Owain Anderson.Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .O efeito que o Stories do Instagram teve nas nossas vidas é profundo e ainda não compreendido inteiramente. Quando o recurso foi lançado, um ano atrás, a vigilância constante dos nossos colegas em todo momento já era lugar-comum para os adolescentes, acostumados ao Snapchat e serviços de vlogging. Mas adolescentes não fazem muita coisa, então a maioria das postagens eram em quartos, no carro ou na escola.
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