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Tecnologia

Breve História Sobre o Uso de Armas Sonoras

Do uso em guerras à tentativa de conter multidões, canhões de som são cada vez mais utilizados por diversos governos e entidades policiais.
Crédito: Adam Kliczek/Wikimedia Commons

Semana passada, um projeto de pesquisa colaborativa conhecido como AUDiNT (sigla para Audio Intelligence) lançou o Martial Hauntology, um box com discos de vinil e textos que exploram o lado negro da história do som. É uma jornada aos cantos inóspitos do mundo das armas sônicas.

O projeto é o último estudo aprofundado do artista de música eletrônica Steve Goodman (mais conhecido como Kode9, dono da gravadora Hyperdub) e seu parceiro Toby Heys, da Universidade de Manchester. Heys descreve o AUDiNT como uma "célula de pesquisa que estuda o uso de frequências ultrasônicas, sônicas e infrasônicas em âmbitos militares e civis, tal como sua influência sobre campos psicológicos, fisiológicos e arquitetônicos".

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O uso de armas sonoras em combates pode parecer uma tática moderna, mas os primeiros relatos sobre a tecnologia não são exatamente. Em 1944, enquanto a Segunda Guerra Mundial escorria pelos dedos da Alemanha, existiam rumores de que Albert Speer, chefe de arquitetura de Hitler, estava desenvolvendo uma pesquisa sobre armas sônicas; sua intenção era criar instrumentos mortíferos. Um episódio da série Weird Weapons, do History Channel, afirmou que o aparelho, apelidado de "canhão acústico", funcionaria com uma mistura de metano e oxigênio em uma câmara de ressonância, gerando mais de mil explosões por segundo.

O canhão gerava um feixe de som direcionado ensurdecedor, que era potencializado por refletores parabólicos imensos. A ideia era, aparentemente, usar o canhão para comprimir determinados orgãos humanos; esperava-se que a arma pudesse matar uma pessoa a 90 metros de distância em apenas 30 segundos. Felizmente, a arma nunca foi utilizada em combate.

O uso do som em guerras não se limita ao uso e frequências sonoras em volumes estrondantes. Goodman publicou um livro sobre o assunto em 2009, intitulado Sonic Warfare. O livro é um marco no estudo do uso de armas sônicas na era contemporânea. Nele, Goodman incluiu um capítulo chamado "Projeto Jericho", que explorava as Operações Psicológicas levadas a cabo pelo exército dos EUA durante a Guerra do Vietnã.

Goodman narra uma operação em particular, conhecida como Operação Alma Errante. O Curdler era um dispositivo sônico conectado a um helicóptero, que produzia o que eles chamavam de efeitos da "Alma Errante": "eles tocavam sons horripilantes que representavam as almas dos mortos; o objetivo era perturbar os franco-atiradores supersticiosos, que apesar de terem consciência da origem artificial do som, ainda assim temiam que aqueles gemidos fossem um vislumbre de suas próprias almas no futuro".

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Foram essas operações, segundo Goodman, que serviram de inspiração para a cena de Apocalypse Now, do diretor Francis Ford Coppola, na qual uma frota de helicópteros ataca seus alvos ao som de "A Cavalgada das Valquírias", de Wagner.

Wagner pode até não ser a escolha mais perturbadora, mas o uso de música popular em armas não-letais vai além de Apocalypse Now. Em 2003, a BBC revelou que interrogadores americanos estavam usando músicas do Metallica, do Skinny Puppy e, bem, do Barney (sim, o dinossauro), como forma de enlouquecer os prisioneiros iraquianos. Como disse o Sargneto Mark Hadsell para Newsweek na época, "esses caras nunca ouviram heavy metal. Eles não aguentam. Depois de 24 horas ouvindo essas músicas suas funções corporais e seu cérebro começam a falhar, sua linha de pensamento fica mais frágil e eles ficam completamente vulneráveis. É nessa hora que começamos a interrogação."

Tudo isso gerou uma discussão bizarra sobre o pagamento de roylaties aos artistas cujas músicas fossem utilizadas para tortura. O Skinny Puppy se aproveitou disso e pediu US$660 mil em royalties para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

Dando um salto no tempo, chegamos ao dia 13 de junho de 2005, quando Ariel Sharon, ex-presidente de Israel, assinou o acordo de retirada de Gaza. Esse processo envolvia desalojar alguns refugiados da Cisjordânia, e logo surgiram relatos de que a Força de Defesa Israelense (IDF, na sigla em inglês) estava testando uma nova arma por lá. "Os joelhos enfraquecem, a cabeça lateja, o estômago revira, e de repente ninguém mais consegue protestar", relatou o correspondente da Toronto Star no Oriente Médio.

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"Um fotógrafo da Associated Press disse que continuou a ouvir o som ecoando em sua mente mesmo depois de cobrir seus ouvidos", escreveu Amy Teibel para a Associated Press. Essa arma acústica sob rodas é um LRAD (dispositivo acústico de longa distância). Esse tipo de arma é comumente utilizado em alto-mar, como forma de defesa contra piratas, e pode lançar feixes de som direcionados de até 150 decibéis.

Os manifestantes conheciam a arma por outro nome: "O Grito".

O LRAD em um barco. Crédito:  Wikimedia Commons/Tucker M. Yates

Há registros do uso de outras armas sônicas contra palestinos, como jatos ultrapassando a velocidade do som logo acima de assentamentos, gerando o que o The Guardian chama de "bombas de som".

O uso de armas sônicas não se limita à essa região. Em 2004, a American Technology Corporation ganhou uma licitação de quase 5 milhões de dólares para fornecer LRADs para as tropas americanas no Iraque.

Entre 2011 e 2012 os LRADs começaram a ser utilizados nos próprios EUA, quando o governo entregou vários dispositivos do tipo para suas forças policiais; seu uso mais notório ocorreu durante os protestos do G20 e o Occupy Wall Street. Há apenas sete meses, uma empresa americana fabricante de LRADs assinou um contrato de 4 milhões de dólares com "um país do Oriente Médio" para fabricar a sua arma gritante mais poderosa: o LRAD 2000X, que humilha os modelos antigos com seus berros com 3.500 metros de alcance.

Apesar da crescente popularidade de seu uso doméstico, o Reino Unido ainda não utilizou nenhum LRAD durante o controle de multidões. A opinião inglesa sobre essa indústria em expansão é, de fato, bem confusa. Boris Johnson, prefeito de Londres e entusiasta dos canhões de água,respondeu uma pergunta sobre os LRADs em março, negando saber da existência dessas armas: "isso é uma pegadinha?", perguntou. Outro político informou que aparelhos do tipo foram instalados no Tâmisa durante as Olimpíadas de 2012.

Londres abriga um dos únicos LRADs de uso civil do mundo: ele pertence ao Anschutz Entertainment Group, ou The O2, como é mais conhecido. O dispositivo já foi deixado do lado de fora da sede da empresa, onde foi fotografado por um usuário preocupado do Twitter (o O2 afirmou que não havia nenhum risco do equipamente ser utilizado de modo impróprio).

Can only conclude from @O2 refusing to publicly answer whether this LRAD pic.twitter.com/T4DlEjXW could have been misused that the answer is yes

— esoteric affect (@piombo) November 13, 2012

O aumento do uso de armas sônicas ao redor do mundo e a valorização das ações da LRAD Corporation revelam uma crescente fascinação com o uso do som como arma; da mesma forma, o lançamento de estudos como o Martial Hauntology nos oferece uma ideia da importância das armas sônicas nessa era de amplificação global.

Tradução: Ananda Pieratti