A Groelândia Está Sendo Atacada Por Mosquitos Gigantes

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A Groelândia Está Sendo Atacada Por Mosquitos Gigantes

Os bichões são tão agressivos que chegam a matar os filhotes das renas groelandesas. Eliminá-los do planeta pode ser uma solução.

Se você pegar um mosquito groelandês no ar, não relaxe os dedos. A não ser que você aperte sua mão com força suficiente para machucar a própria pele, o bichinho não morrerá. O inseto resiste a uma pressão normal e, assim que escapa das mãos, voa mais rápido do que seus reflexos, talvez um pouco ferido, ainda disposto a sugar seu sangue.

"O desespero os torna agressivos", diz Lauren Culler, uma ecologista do Instituto Dartmouth de Estudos Árticos que estuda os insetos da Groelândia. "A minha pesquisa mostra que apenas 12-15% dos mosquitos conseguem picar algum animal durante suas vidas."

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As fêmeas da espécie precisam de sangue para botar seus ovos; na Groelândia, esse sangue vem primariamente do caribu (a rena groelandesa), do boi-almiscarado e dos saborosos turistas de Nova Iorque (eu!). Como a oferta de sangue é pouca, os mosquitos de lá são agressivos a ponto de matar os filhotes de caribu.

Embora seja comum associar mosquitos à climas tropicais, a região Ártica (salvo pela Islândia, que é um mistério ecológico) é cheia de mosquitos enormes e ferozes.

Culler e eu estamos em Kangerlussuaq, uma cidadezinha de interior do oeste da Groelândia com população de 500 pessoas, para conhecer os berçários dessa espécie: os lagos onde os mosquitos passam três quartos de suas vidas. É nesse ambiente que os mosquitões começam suas vidas: primeiro na forma de ovos e depois como larvas, que, por sua vez, se transformam em mosquitos.

Crédito: Lauren Culler

Kangerlussuaq significa "grande fiorde" em groelandês. Não é uma cidade tradicional. Trata-se de uma ex-base militar americana criada em 1930, que servia como centro de operações na Segunda Guerra Mundial. Quando o exército abandonou a base, em 1992, os prédios e a pista de pouso foram vendidos para o governo groelandês. Hoje os prédios residenciais da cidade são chamados de quarteis-generais, e a estrada que nos leva até os lagos da Dra. Culler é interrompida por uma placa que aconselha os visitantes a não sairem da rota porque os campos ao redor podem conter explosivos inativos.

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Dra. Culler estuda como as crescentes temperaturas do ártico afetam os mosquitos e, por tabela, as pessoas e as renas. Antes das mudanças climáticas, os insetões eclodiam no final de maio, começavam a picar no final de junho e desapareciam no final de julho. Mas devido às mudanças climáticas, esse ciclo se tornou imprevisível.

A eclosão dos mosquitos é ditada por sua incrível sensibilidade à temperatura. Em poucas palavras, o ovo do mosquitão groelandês só eclode depois de ter sido congelado e aquecido. Como os lagos são rasos, eles congelam em pouco tempo. Nos anos em que a primavera começa mais cedo, os mosquitos se desenvolvem mais rapidamente.

"Nos anos em que os lagos congelam e desgelam rapidamente, os mosquitos se desenvolvem mais rápido, o que significa que eles têm menos chance de serem comidos por pedradores", diz Culler. "Os estudos em laboratórios, as pesquisas de campo e a dinâmica populacional indicam que o aquecimento global faz mais mosquitos chegarem à fase adulta."

Crédito: Lauren Culler

Culler insiste que fui para a Groelândia na época certa — o fim da época de mosquitos — mas os carrinhos de bebê cobertos por telas protetoras, os mosquitos grudados no teto da minha barraca, o zumbido que cerca minha caminhada ao sol e os bichinhos invasores que entram na rede que cobre minha cabeça me fazem desejar ter vindo em dezembro.

Mais mosquitos adultos não significam necessariamente mais mosquitinhos — afinal, eles ainda precisam de sangue para se reproduzir — e sim uma população maior de mosquitos em um determinado ano. Para mim, eles são apenas um incômodo; para os caribus da região, porém, os mosquitos são uma ameaça mortal.

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Enquanto o metabolismo do mosquito é guiado pela mudança de temperatura, o de um caribu é comandado pelas mudanças sazonais na duração do dia, que não são afetadas pela mudança climática. Toda primavera, os caribus migram da cidade litorânea de Sisimut, onde os invernos são mais amenos, para Kangerlussuaq, onde têm seus filhotes.

No passado, esse ciclo coincidia com a época em que os campos da área estavam cheios de plantas novas e nutritivas e os mosquitos ainda não estavam na fase adulta. Mas conforme a temperatura do Ártico aumenta, as plantas nascem mais cedo e tudo o que sobra para os caribus são vegetais velhos, duros e menos nutritivos.

"Os animais chegam aqui esperando um banquete, mas acabem descobrindo que o restaurante já fechou", nas palavras de Jeffrey Kerby, um pesquisador da área.

Enquanto isso, os mosquitos atingem a fase adulta e ficam prontos para comer. Diferente dos humanos, que podem bater nos mosquitos, usar mosquiteiros e repelentes ou até se refugiar em lugares fechados, os caribus só têm uma forma de se defender dos mosquitos: correndo. Para fugir do ataque, os caribus correm até geleiras ou lugares com muito vento.

Crédito: Kendra Pierre-Louis

"Cada segundo que um caribu gasta fugindo dos mosquitos é um segundo em que ele não faz o que deveria fazer; isto é, se alimentar para procriar com sucesso", diz Culler.

No extremo norte do Canadá, essa oposição entre o caribu e seu habitat em constante mudança gerou uma queda populacional de 93%, levando a população do animal, que era de 472,000 espécimes em 1986, para 32,000 em 2010. Isso não é ruim apenas para os caribus, mas também para os humanos que dependem deles. Os caribus são uma das principais fonte de subsistência das comunidades árticas — em 2011, os groelandeses caçaram 12.052 caribus, um número enorme para um país com apenas 56.000 habitantes.

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Além disso, a única vantagem dos mosquitos groelandeses — o fato deles não transmitirem doenças como a malária ou o vírus do oeste do Nilo — pode mudar junto à mudança climática. Isso não quer dizer que os mosquitos groelandeses irão começar a transmitir doenças; mas sim que, com o aquecimento do Ártico, a área se tornará mais acolhedora para o tipo de mosquitos que transmitem essas doenças.

Globalmente, as doenças transmitidas por mosquitos matam mais pessoas do que qualquer outro animal. A cada dia surgem indícios de que nós viveríamos melhor sem esses insetos: em 2010, um artigo na revista Nature apresentou a ideia de que todas as funções dos mosquitos, como polinização ou servir de alimento para pássaros e morcegos, poderiam ser facilmente desempenhadas por outras espécies.

Os habitantes da Flórida estão esperando uma decisão do FDA para liberar uma espécie de mosquito geneticamente modificado na natureza; a empresa inglesa Oxitec, responsável pela pesquisa, alterou dois genes dos machos da espécie Aedes aegypti, e o cruzamento dessa espécie com fêmeas selvagens resultaria em descendentes que morreriam na fase larval.

Mas Culler acrescenta que o ártico contêm uma baixa diversidade de espécies e que ninguém sabe o que aconteceria caso os mosquitos desaparecessem. Por exemplo, as larvas de besouro se alimentam das larvas de mosquito, e os mosquitos são os grandes responsáveis por manter os rebanhos de caribus em movimento, o que evita a pastagem excessiva.

Enquanto eu e Culler dirigimos até a cidade espantando os mosquitos que conseguiram entrar em sua caminhonete, ela comenta que os insetos também enfrentam dificuldades. Por motivos desconhecidos, os lagos da Groelândia estão começando a secar. Três dos dez lagos que ela acompanha já secaram.

Não que isso tenha afetado sua pesquisa — a Groelândia ainda tem muitos lagos cheios de mosquitos. O fato é que, mesmo sabendo dos possíveis riscos, ainda sonho com o dia em que os mosquitos irão desaparecer.

Tradução: Ananda Pieratti