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O que Aprendi Crescendo nos Subúrbios de Paris

Crescer nos subúrbios é um estudo da arte da paciência.

As torres de Nanterre e Alliaud. Foto via usuário do Flickr Dominique Campronnier.

A última vez que estive em Nanterre foi há pouco mais de um mês. Naquele final de semana, vi Raymond Domenech degustando uma pizza quatro queijos num restaurante local. Os rumores são de que o ex-técnico esteja escondido numa casinha perto da estação de trem Nanterre-Préfecture. O que não é tão estranho, já que Nanterre, como qualquer cidade suburbana, é uma grande mistura. Os ricos moram ao lado dos pobres, os blocos de apartamentos populares estão colados às casas caras, as igrejas católicas ficam encostadas nas novas mesquitas.

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Mas nem sempre foi assim. As pessoas que moram lá há tempos têm um monte de histórias, tipo "Bom mesmo era no meu tempo", sobre como isso era uma favela – e, claro, sobre Maio de 68. Quando for mais velho, talvez eu também tenha várias histórias sobre o massacre da prefeitura de 2002 ou sobre quando a mídia apelidou o lugar de "centro da maconha". Quem sabe? Pode chamar do que você quiser, mas Nanterre é a cidade onde nasci e me criei.

Eu me lembro claramente. A explosão fez as janelas de casa tremerem. Alguns metros de onde eu estava dormindo, um vazamento de gás demoliu um prédio inteiro. Essa provavelmente é minha primeira memória de Nanterre. A segunda vez que um barulho me tirou da cama foi quando um cara tentou escalar minha sacada. Ele veio de um prédio do outro lado da rua e subiu na árvore que ficava em frente à minha janela. Quando enfiei a cabeça para fora a fim de ver o que estava acontecendo, ele se assustou e caiu no jardim, entrando em pânico e correu para procurar outro esconderijo. Seja lá qual fosse o problema dele, isso era um sintoma de "Le Bateau" – uma massa de concreto gigante construída como moradia popular que encarava a humilde residência que meus pais compraram no começo dos anos 80.

Termos como "violência" e "insegurança" se perdiam para mim. Nunca tive problemas em Nanterre – e em nenhum outro lugar, para ser sincero. Mesmo sendo um moleque adolescente magricelo, tropeçando pelas calçadas de calça baggy e com um walkman sempre plugado na orelha, ninguém nunca me incomodou. Nunca pensei duas vezes nos caras que corriam pelas ruas em volta da minha casa. Eles eram apenas meus vizinhos. Alguns tinham até sido meus amigos no primário. Levei um tempo para entender as intrincadas deficiências do sistema educacional francês, o desemprego e o tédio que os levavam a viver aquela vida. Acho que, se a primeira pessoa que você encontra ao sair pela porta é um cara que passa o dia inteiro por ali, no seu corredor, há uma boa chance de você acabar fazendo amizade com ele.

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Eu raramente tenho medo. A única vez que chorei de medo foi em meu primeiro dia no segundo grau, numa instituição católica particular em Rueil-Malmaison. A imensidão do campus escolar, o gigantismo dos prédios e o fato de que eu estava cercado de meninos me aterrorizou. Até hoje, não sei como consegui me adaptar.

Tenho muitas histórias daquela escola. Tem aquela sobre o padre que se divertia com um dos pupilos. Ou do estudante que pulou de uma ponte. Parecia que todos os meus colegas de classe tinham crescido em famílias divorciadas, separadas ou com pais ausentes. Para esses últimos, era mais fácil enfiar os filhos num colégio interno e se esquecer deles. Todos esses garotos se tornaram adultos inseguros.

Também havia os garotos que surtavam porque não eram os primeiros da classe. Os pais os colocavam naquela escola como se eles fossem um investimento imobiliário. Esses garotos sabiam que seus pais estavam esperando um retorno para esse investimento. Quando você tem só 12 anos, essa é uma tremenda pressão.

Quando você passa a juventude cercado por outros garotos, você aprende a enganar todo mundo para acreditar que você é muito melhor nas coisas do que realmente é. Isso é verdade tanto para os burgueses como para os moleques do subúrbio. Se você diz para alguém que joga futebol, ele te diz que joga no PSG. Se você disser que namora – digamos, a Marie-Charlotte –, seu colega conta que pegou a Madonna no final de semana passada.

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O autor e seus amigos antes da balada. Foto cortesia do autor.

A questão é que, quando você vai a uma escola de garotos como a minha, as meninas não são exatamente acessíveis. Elas moram em seu próprio campus do outro lado da escola. Se fosse corajoso o suficiente, você podia se esgueirar pela floresta ou cortar um pedaço da cerca para ter um vislumbre delas – tudo isso enquanto tentava evitar os seguranças e os cachorros deles. Se não, você tinha de esperar até o dia acabar e ficar em frente à escola delas até elas saírem – claro, você nunca tinha coragem para ir falar com elas. Sempre achei que os caras que ficavam na frente do meu prédio tinham o mesmo problema, porque eu nunca via nenhuma garota por lá.

Eu estava num limbo: eu era pobre demais para as garotas do bairro próximo, Le Vésinet, e muito burguês para uma garota de Nanterre. Eu estava sempre preso entre essas duas classes sociais – provavelmente o que me tornou incapaz de lidar apropriadamente com interações sociais. Então, desenvolvi um gosto por atividades solitárias. Eu passava o tempo ouvindo música e esperando me tornar o próximo Tom Araya, assistindo a filmes e imaginando que, quando crescesse, me tornaria o próximo Kubrick, jogando futebol para ser melhor que o Ginola. Bom, isso… e ficar passando horas no transporte público, percebendo que provavelmente eu não ia conseguir ser nada disso.

Crescer nos subúrbios é um estudo da arte da paciência. Qualquer coisa simples, como sair à noite, se tornava um desafio: Você tinha de pegar um ônibus, aí outro ônibus; depois, andar pelo menos 30 minutos para achar alguma coisa divertida acontecendo. Tinha um clube de que gostávamos chamado l'Enfer – mas, para chegar lá, precisávamos pegar uma hora de trem. E, mesmo aí, quando a gente chegava, não havia garantia de que fôssemos conseguir entrar. Quando conseguíamos entrar, tínhamos de ficar lá até as 6h30 da manhã a fim de pegar o primeiro metrô para casa. Em uma noite, perdi o último ônibus e tive de andar três horas até Nanterre.

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Naquela época, Paris não era a minha cidade, mas eu realmente queria que fosse – mais do que qualquer coisa no mundo. Talvez porque isso não era algo tangível para mim – era mais uma ideia. Um lugar onde tudo era possível, não importava quem você fosse ou o que estivesse fazendo. Aquelas noites que passei em Paris com meus amigos só me deprimiam. Eu olhava em volta, observava as pessoas nos bares locais curtindo a noite, e lá estava eu – tendo de voltar ao meu subúrbio estático e estreito.

Para muitos, o subúrbio é uma coisa para se ter orgulho – quer dizer, quanta gente já escreveu ou cantou sobre vir de um lugar como esse? De certa maneira, o lugar de onde você vem não é sinônimo de quem você é? Provavelmente.

Eu nunca entendi por que aqueles vindos dos subúrbios eram as mesmas pessoas incendiando o lugar. Acho que todos nós estávamos consumidos pela raiva de ter construído um universo e um estilo de vida que acabamos odiando por causa da solidão e da frustração que vêm disso.

O tipo de frustração que te faz odiar o vizinho, os caras que ficam na escadaria, os garotos que moram no prédio da frente, as pessoas das cidades suburbanas vizinhas e assim por diante. Algumas pessoas acabam presas nesse ódio. Se você só conhece essa vida – a de agir como se fosse o fodão e ser babaca com tudo que se mexe –, então é difícil acreditar que exista outro jeito.

Le Beateau foi demolido desde então. Minha escola se tornou mista. Meus amigos… bom, muitos desapareceram junto com o prédio de concreto. Não me sinto nostálgico ou algo assim, mas muitas coisas da vida eu aprendi na minha infância nos subúrbios. Logo, acho que uma pequena parte de mim vai ficar ali para sempre.

Tradução: Marina Schnoor