Moradores de Mariana culpam vítimas do desastre por aumento no desemprego
José Barbosa mostra o terreno em Bento Rodrigues onde morava com sua família. Foto: Flavio Freire

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Desastre em Mariana

Moradores de Mariana culpam vítimas do desastre por aumento no desemprego

Segundo dados da prefeitura, 13 mil pessoas estão desempregados na cidade e cerca de 70% delas estariam direta ou indiretamente relacionadas às atividades da mineradora.

Durante uma das reuniões com a Samarco sobre a construção da Nova Bento Rodrigues, realizada em um escritório montado no centro de Mariana para os ex-moradores do distrito, Monica dos Santos, espécie de porta voz dos ex-moradores do distrito se queixava: "Os moradores da cidade já estão praticamente nos expulsando daqui". Passado um ano do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco (controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton) o sentimento de hostilidade dos moradores da cidade com os afetados pela tragédia é um sentimento comum.

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"À esquerda, imagem do rastro de lama deixado em 2015, em Camargos e hoje com a natureza em plena recuperação (Fotos: Flavio Freire)"

A reportagem da VICE voltou ao epicentro do maior desastre ambiental do país para reencontrar as pessoas, histórias e locais visitados há quase um ano e encontrou um cenário que mescla esperança — em locais onde a própria natureza se recuperou —, resignação e indefinição quanto ao futuro.

Esta indefinição é visível ao conversar com Geraldo Dunga. Ex-morador de Camargos, distrito vizinho a Bento Rodrigues e que teve apenas alguns poucos sítios destruídos pela lama (como o de Dunga), ele hoje vive com a esposa e o pai em uma fazenda de 150 hectares no distrito de Vargem — a 60 km de sua antiga casa, da qual não sobrou nem o telhado. "Roubaram tudo! Janela, telhado, meus porcos e galinhas que sobreviveram… até dois passarinhos que eu tinha, os ladrões levaram!", conta ele durante a ordenha matinal.

Dunga Rosa, 92, hoje vive com o filho e a nora tenta retomar a rotina de artesão que exercia em Camargos, antes da lama levar tudo. Foto: Flavio Freire

A produção artesanal de queijo continua, mesmo que improvisada na cozinha da casa que, como o resto do terreno e das instalações, são propriedade da Samarco. "Por que é que eu vou investir, botar dinheiro meu aqui, se daqui a pouco a Samarco pode vir e nos tirar?", questiona ele. A empresa não ofereceu a fazenda, foi ele quem foi atrás e encontrou a área aos "45 minutos do segundo tempo".

"Passado mais de um mês do rompimento [da barragem], ainda estávamos em um hotel no centro de Mariana, e a mineradora tinha até o Natal para providenciar casas para todos, sob risco de pagar uma multa de R$ 200 mil, e queriam nos instalar em uma casa na cidade", explica entre um café acompanhado de broa com manteiga caseira, Graciete Vieira, 55, mulher de Geraldo Dunga e há 30 anos acostumada à vida na roça.

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Graciete Vieira, 55, lamenta as perdas na fazenda em Camargos — e ainda não teve coragem de voltar ao seu antigo lar. Foto: Flavio Freire

Involuntariamente, o casal acabou evitando a rejeição dos moradores de Mariana, que culpam os ex-moradores de Bento Rodrigues e os familiares das vítimas que não moravam no distrito, mas trabalhavam a serviço da Samarco, pela atual crise econômica na cidade.

À esquerda, imagem do terreno de Seu José Barbosa, em Bento Rodrigues, destruído em 2015 (Foto: Gustavo Basso). À direita, Camargos hoje (Foto: Flavio Freire)

Após o rompimento de Fundão, em 5 de novembro de 2015, a Samarco foi obrigada a suspender todas as suas atividades em Mariana até segunda ordem, o que afetou o emprego na cidade que já sofria com efeitos econômicos da crise econômica nacional. Segundo dados fornecidos pela prefeitura de Mariana, há hoje 13 mil desempregados na cidade, um número que representa 25% da população ativa. Em uma estimativa do Banco Nacional de Empregos, 70% destas pessoas estariam direta ou indiretamente relacionadas à parada das atividades da mineradora.

Viúva de Samuel Balbino, funcionário da GeoControle, a serviço da Samarco e que trabalhava aos pés da barragem de Fundão quando ela se rompeu, Aline Ribeiro também sofre com as acusações. "Muita gente em Mariana nos culpa pela paralisação da mineradora, e acham que nós somos contra a empresa; chamam a gente de baderneiro, que só quer protestar e fazer confusão. Não queremos prejudicar ninguém, só queremos que a mineração funcione com segurança — e isso inclui o marco da atividade em discussão na Câmara Legislativa de Minas Gerais", explica ela.

Passado um ano, Aline é hoje uma espécie de porta-voz das viúvas das vítimas — muitas das quais, desconfiadas e, segundo ela, em depressão, não têm vontade ou força de se manifestar contra a Samarco ou mesmo de ir à imprensa. Aline, que à época em que nos conhecemos estava aflita pela falta de notícias do marido — ele acabou sendo encontrado em Candonga, a 100 km de Fundão — ressalta que o único ponto positivo do período foi a união que se criou entre as viúvas, a maioria dependente da fonte de renda dos maridos mortos na tragédia.

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"A gente se apoia, se visita e luta juntas por uma indenização justa. Hoje estamos todas com processo na Justiça trabalhista e cível contra a Samarco, que pagou uma indenização de R$ 100 mil por empregado morto na tragédia e hoje tenta um acordo, mas o contador do advogado que contratamos não aceitou", conta ela, reforçando que com os olhos voltados para o Bento Rodrigues e sua reconstrução, a sociedade pouco se lembra do agora coeso grupo de viúvas presidido informalmente por ela.

Seu José retorna á sua antiga casa. Foto: Flavio Freire

Outro líder comunitário informal que a reportagem reencontrou foi José Barbosa; antes um dos mais afortunados moradores de Bento Rodrigues, Barbosa perdeu a casa, a venda que servia de fonte de renda para a família e ainda R$ 60 mil que guardava atrás do guarda-roupa por desconfiar de bancos desde a retenção das poupanças por Fernando Collor.

Apesar de considerar um milagre que todos os familiares estejam vivos, seu José se resigna de jamais rever este dinheiro. Em visita ao que restou de Bento Rodrigues, mostra a venda, que lhe rendia cerca de R$ 5 mil por mês, e questiona as críticas dos moradores de Mariana: "Muitos dizem que nós temos vida de rei. A maioria do Bento vivia nas suas próprias casas e hoje nem um lar nosso nós temos. Que vida de rei é esta?"

Como todos os ex-moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, seu José recebeu R$ 20 mil como parte da indenização, e mensalmente recebe da Samarco um salário mínimo, uma cesta básica e 20% por dependente — no caso apenas a mulher —, além do aluguel de uma casa em Mariana. Direitos que muitas vítimas temem perder, já que precisam ser renovados por acordo entre o MP (Ministério Público) e a mineradora, e muitos na cidade que depende do ferro para sobreviver consideram ser uma regalia "a quem não tinha nada".

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