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Relatos de Três Prisioneiros de Guantánamo em Greve de Fome Há Mais de 160 Dias

Os presos de Guantánamo estão em greve de fome para protestar, e mesmo assim, estão sendo alimentados à força.

Foto via.

No dia 7 de fevereiro de 2013, uma disputa teve início dentro da prisão de Guantánamo porque os guardas estavam vasculhando as cópias do Alcorão dos detentos. Nos dois dias seguintes, os detentos comeram o resto da comida que tinham — incluindo coisas vencidas há dois anos — e embarcaram em uma guerra de fome. Os protestos dos presos contra o tratamento recebido já dura mais de 160 dias. Os presos estão se recusando a comer em protesto contra as condições no campo de detenção, o fato de que a maioria deles ainda não foi acusada ​​de algum crime — apesar de estarem presos há anos — e por 86 prisioneiros que foram liberados para a soltura, mas ainda estão detidos sem qualquer explicação razoável.

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Para piorar a situação, há relatos de guardas punindo e humilhando grevistas. Ah, e todo mundo já viu o vídeo incrivelmente angustiante de Yasiin Bey (aka Mos Def), sendo alimentado à força — é o que os guardas estão infligindo aos mais de 40 grevistas por lá (exceto — sem querer diminuir a força do filme de Bey e Asif Kapadia — é por meia hora todos os dias na prisão norte-americana em Cuba, não quatro minutos em um vídeo dirigido por um diretor vencedor do Bafta).

As autoridades da prisão revisaram suas diretrizes para que fosse permitido amarrar os prisioneiros grevistas em cadeiras, encaixar máscaras neles e inserir tubos através de seus narizes até o estômago para alimentá-los à força por duas horas de cada vez. Apesar desses esforços, alguns dos prisioneiros estariam pesando em média 38 quilos.

As autoridades da prisão têm feito de tudo para punir ou dissuadir os presos de seus esforços. De acordo com Shaker Aamer (o último residente britânico a ser mantido em Guantánamo) os carcereiros começaram a infligir privação de sono aos presos, além de adotar uma nova prática na qual, em vez de atar as mãos e pernas dos prisioneiros e empurrá-los por trás, agora, os guardas estão prendendo coleiras em suas cinturas e os arrastando como animais pelo chão.

Aamer é um dos 86 detentos que tiveram suas acusações retiradas e que já deveriam ter sido liberados, mas que continuam mantidos no interior da instalação. Algo que, de acordo com Clive Stafford Smith — advogado que representa os detentos de Guantánamo – é completamente irracional. “Qualquer prisão, mesmo na ditadura mais despótica, nunca teve 86 de 166 presos [isto é, 52%] mantidos encarcerados apesar das acusações retiradas”, ele me disse, antes de acrescentar, “o Obama não tem mostrado a vontade política de fazer a coisa certa”.

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Stanfford me forneceu os testemunhos de três dos grevistas de Guantánamo para que eu pudesse ter uma ideia do que acontece dentro do campo de detenção cubano que o presidente Obama prometeu fechar, dentro de um ano, em 2009.

SHAKER AAMER

Shaker Aamer é um residente permanente legal no Reino Unido. Aamer era voluntário de uma instituição de caridade islâmica em Cabul, em 2001, quando foi preso injustamente, torturado e, por fim, deportado para Guantánamo. Ele deveria ter sido solto há cinco anos, mas continua preso até hoje. Quando Aamer forneceu essa declaração, ele já tinha perdido 15 quilos.

Aamer fala de “extrações das celas à força” (ECF), um eufemismo para mandar as Forças de Reação de Emergência extraírem prisioneiros de suas celas. Esse “procedimento” é aparentemente realizado sempre durante as horas de oração, o que parece um tanto insensível. No entanto, estamos falando de Guantánamo, onde os guardas parecem se basear mais na escola da brutalidade do que na da sensibilidade. Como exemplo, a extração de um dos colegas de cela de Aamer foi suficiente para deixá-lo hospitalizado e inconsciente por quatro dias.

Apesar de saber que os prisioneiros não estão se alimentando, os oficiais continuam com as ECFs para entregar comida. “Eles me extraíram da cela às 14h para trazer o almoço”, Aamer explicou. “Eles não retiram a comida. Eles deixam ali até o jantar.” Ele também foi ECF para receber água. “Por três dias agora, se digo que quero mais água, eles me ECF só para me dar água.” Aamer também teve vários de seus pedidos de itens médicos necessários negados e está há dez dias sem poder escovar os dentes. O que parece inútil negar para alguém que não está comendo nada.

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Descrevendo sua experiência de alimentação forçada, Aamer continuamente fez referência à “Tábua” – algo que Stanfford descreve como “uma espécie de maca dura que os guardas usam para transferir os prisioneiros involuntariamente de suas celas para a alimentação forçada ou outras coisas”. Ele continua: “Era melhor usar a tábua do que o que eles estão fazendo agora, agarrando os prisioneiros pelos braços e pernas e os arrastando”.

Aamer tenta explicar o sofrimento psicológico pelo qual está passando enquanto se recusa a se alimentar e continua na prisão por um crime do qual já foi inocentado: “Tento dormir mais cedo. Então, sinto como se estivesse morto”.

NABIL HADJARAB

Nabil Hadjarab é argeliano, mas passou a maior parte de sua vida pré-Guantánamo na França. Ele morou brevemente em Londres, mas achou o custo de vida muito alto e se mudou para o Afeganistão, onde tinha ouvido falar que seria possível viver “sem documentos”. Depois de 11 de setembro, ele – assim como Aamer – acreditava que, como um árabe estrangeiro vivendo no país, seria perseguido e morto pela Aliança do Norte, uma frente militar contra o Talibã.

Hadjarab fugiu para as montanhas, mas acabou sendo descoberto e capturado. Em 2007, seis anos depois (SEIS anos depois), o Conselho de Revisão Administrativa descobriu que Nabil não era um “combatente inimigo” e os interrogadores norte-americanos teriam dito a ele que seu caso fora um equívoco de identidade.

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No final de março, Habjarab já havia perdido 20 quilos depois de ficar em greve de fome por dez semanas. Ele explica: “No dia 22 de março, fui alimentado de maneira forçada pela primeira vez. Desde então, tenho sido alimentado à força duas vezes ao dia, todo os dias. Ser forçado a se alimentar não é natural e parece que meu corpo não é real. Eles te colocam em uma cadeira – que lembra uma cadeira elétrica. Suas pernas, braços e ombros são amarrados com cintos. Se você se recusa a deixá-los colocarem os tubos, eles forçam sua cabeça para trás… [isso é muito arriscado] porque o tubo pode ir para o lugar errado e o líquido pode entrar em seus pulmões. Sei de pessoas que desenvolveram infecções no nariz. Agora, eles precisam dos tubos no nariz permanentemente.”

“A verdadeira questão aqui”, Stafford explica, “é que os guardas estão alimentando as pessoas de uma maneira gratuitamente dolorosa para forçá-los a sair de um protesto pacífico. Os Estados Unidos mudaram vários procedimentos de forma intencional para tornar menos 'conveniente' estar em greve. Uma das mudanças foi usar somente tubos grandes. Em seguida, foi colocar os tubos e retirá-los depois de cada refeição, em vez de deixar o tubo no lugar. Isso confere ainda mais dor. E eles usam a cadeira de alimentação forçada e deixam os prisioneiros amarrados nela por várias horas de cada vez. Tudo isso é um procedimento antiético, de acordo com a Associação Médica Mundial, que eles simplesmente transformaram em tortura”.

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Para Hadjarab, a greve de fome não é apenas um ato de protesto, mas a única solução para uma situação insuportável. “Não aguento ficar aqui”, ele disse. “Para mim chega. Então, me sacrifico.”

YOUNUS CHEKKOURI

De acordo com os relatórios, o marroquino Younus Chekkouri é o prisioneiro mais complacente de Guantánamo. Depois de sair de seu país e ir para o Paquistão nos anos 1990, ele se mudou várias vezes devido a razões financeiras quando, por fim, se estabeleceu em Cabul para trabalhar para uma organização de caridade marroquina. Depois de 11 de setembro, Chekkouri fugiu via Jalalabad e foi encontrado na fronteira com o Paquistão por oficiais que estavam à procura de pessoas de descendência árabe. Depois de ser preso, foi mandado para a prisão no Paquistão e, depois, para Guantánamo.

Nas últimas duas décadas, Chekkouri só recebeu uma punição disciplinar. Ele começou sua greve de fome depois que os guardas revistaram sua cela e tiraram dele alguns “itens de conforto” que já haviam sido liberados anteriormente pelas autoridades. Ele conta que um amigo próximo perdeu quase 60 quilos e que seu rosto foi do vermelho para o azul antes de ele quase morrer.

Chekkouri está sendo alimentado atualmente com Metamucil, um suplemento de fibras comercial. “Quando como isso”, ele disse, “parece a melhor comida do mundo inteiro. Estou viciado em pequenos pedaços de Metamucil”. Mas a dieta forçada de Chekkouri preocupa especialistas de saúde, que acreditam que o suplemento rico em fibras pode impedir o corpo de absorver minerais importantes. Chekkouri disse que, com frequência, acorda de sonhos nos quais “encontra enormes pilhas de comida”.

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Mês passado, ele colocou um cartaz na janela de seu bloco: “Chamem a emergência – estou morrendo de fome”. E outro, que dizia simplesmente “SOS”.

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Tantas pessoas passando fome dentro da instalação não parece ter causado qualquer impacto nas decisões políticas que cercam seu fechamento. “A greve de fome já chamou a atenção de Obama”, explica Stafford. “É nosso trabalho não deixar que o mundo esqueça desses homens que estão simplesmente pedindo direitos humanos. É notável, e hipócrita, que os Estados Unidos estejam sempre louvando pessoas no Irã e em Mianmar que fazem greve de fome para exigir corajosamente seus direitos e que agora ajam dessa maneira.

“O mundo está se esquecendo de 800 ou mil anos de experiência. Isso tudo é resultado das políticas de medo e vilipêndio que os Estados Unidos voltaram recentemente contra os muçulmanos e, infelizmente, algo que está sendo copiado no resto do mundo. Espero que possamos trabalhar para garantir que seja apenas uma fase passageira em nossa marcha pelos direitos humanos, não algo permanente.”

Siga a Nathalie no Twitter: @NROlah