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Politică

2016, o ano da Lava Jato

Nunca uma investigação criminal mexeu tanto com a política brasileira – mas a Lava Jato tem forças para continuar quente em 2017?
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

No final de 2015, nós avisamos: 2016 tinha de tudo para ser especialmente complicado. Se o ano passado fechou com a mal-ajambrada cartinha de Michel Temer à então presidente Dilma Rousseff, 2016 fecha com o agora ex-interino enrolado até o pescoço na operação Lava Jato, graças à profética e temerosa investigação seguida pela enxurrada de delações premiadas da empreiteira Odebrecht.

A Lava Jato foi a mãe da crise política, e ainda deu uma força na crise econômica que serviu de arcabouço para o impeachment. Foi a convocação para o depoimento de Lula, levado coercitivamente ao Aeroporto de Congonhas (essa não tem explicação até hoje), que teria levado Dilma a convocar o ex-presidente a ocupar o cargo de ministro da Casa Civil, em uma possível tentativa de protegê-lo do juiz Sergio Moro. Sem titubear, Moro botou fogo no fio de estabilidade do país ao vazar uma série de grampos que havia encomendado no telefone de Lula, incluindo uma conversa com a então presidente gravada após o término do prazo legal previsto para as escutas.

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Ao invés de ser tratada como caso de segurança nacional, a inócua gravação, onde tratavam de uma questão burocrática relacionada à posse de Lula, virou cavalo de batalha (além de meme, obviamente). O ministro do STF Gilmar Mendes soltou uma liminar impedindo a posse de Lula como ministro, os movimentos de direita invadiram as ruas e a Esplanada de Brasília, com direito a acampamento permanente em frente à FIESP, e a única ala do PMDB que ainda apoiava Dilma embarcou na canoa do impeachment – além do desgaste político de nomes como Eduardo "sítio em Maricá" Paes, venceu o raciocínio de que, se não conseguiria proteger nem seu padrinho político Lula, como é que Dilma iria proteger a turma toda do PMDB, como hoje se sabe, afundada até o pescoço com o esquema da Petrobras?

O que começou com uma retaliação do hoje presidiário Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se transformou numa negociação por trás dos panos para salvar a classe política da crescente sanha da Lava Jato – e nem sou eu dizendo isso, é o Romero Jucá (PMDB-RR), ex-ministro interino de Temer e hoje líder do governo no Congresso. Temer perderia ainda dois ministros por envolvimento direto em questões da Lava Jato: Fabiano Silveira, da Transparência, pego pelas mesmas gravações de Sérgio Machado que derrubaram Jucá, e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), do Turismo, acusado de receber R$ 1,55 milhão em propina de diferentes empreiteiras. Outros dois saíram encostando tangencialmente na Lava Jato: o Advogado Geral da União Fabio Medina Osório, que se desentendeu com Eliseu Padilha (PMDB-RS), chefe da Casa Civil, e chegou a falar que "o governo quer abafar a Lava Jato", e Geddel Vieira de Lima (PMDB-BA), que saiu acusado de tráfico de influência, apenas para ser citado mais tarde como "Babel" em uma delação vazada da Odebrecht.

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Foi a Odebrecht, uma das mais antigas e maiores empreiteiras do país, que acabou arrastando o regime Temer para o centro da Lava Jato. Ainda durante 2016, o foco da operação curitibana sobre o PT seguiu cerrado, com direito à prisão dos ex-ministros da Fazenda petistas Guido Mantega e Antonio Palocci, enquanto Lula amarga quatro processos como réu dentro das investigações, além de ter sido citado como chefe da "propinocracia" no histórico PPT do procurador federal Deltan Dallagnoll. Porém o escopo acabou se ampliando para além do PT e do PP com o avanço nas investigações de Odebrecht.

A questão da empreiteira foi, de certa forma, um triunfo dos controversos métodos de pressão adotado por Moro e o resto da força-tarefa. Marcelo Odebrecht, herdeiro e presidente das Organizações Odebrecht, havia sido preso em junho de 2015, mas mantinha, ao lado dos seus executivos, uma firme postura de não colaborar com a Justiça – inúmeras vezes se declarou "inocente".  Mas tudo mudou quando a secretária Maria Lúcia Tavares, presa em fevereiro de 2016, topou fazer uma delação premiada quando percebeu que sua prisão temporária demoraria a ter data para acabar. As suas informações foram cruciais para a deflagração da Operação Xepa, que acabou descobrindo o "Setor de Operações Estruturadas", uma divisão inteira da Odebrecht dedicada ao pagamento e controle de propinas da empreiteira. Acompanhada de uma lista vazada pela Lava Jato que arrolava praticamente todo o establishment político, a operação fez realidade de uma citação do cineasta Rogério Sganzerla, lembrada por nós na época: "quem tiver de sapato não sobra".

Junto com as dificuldades financeiras acumuladas pela Odebrecht no período, a descoberta do "Operações Estruturadas" fez Marcelo abrir o bico, e que bico. Junto com ele, mais de setenta executivos da empresa também homologaram suas delações. Até agora, apenas uma vazou em sua totalidade, a de Claudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais. Além dos apelidos dados aos políticos com quem mantinha relações (epítetos para ficar para a história, como "Boca Mole", "Todo Feio" e "Misericórdia"), a delação de Melo ganhou destaque por envolver políticos do PSDB e toda a cúpula de Temer – o próprio cramunhoso presidente é citado 43 vezes ao longo do documento. O volume das delações é excruciante, com mais de 800 depoimentos, e para tentar dar alguma celeridade ao processo, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, prometeu botar a sua equipe para trabalhar durante o recesso do Supremo em janeiro.

A instabilidade gerada pela Lava Jato deu força para o Judiciário brasileiro, que desde então passou a se envolver cada vez mais diretamente nas mumunhas dos outros poderes. Além da liminar de Mendes impedindo Lula de ser ministro, que reforçava decisões de primeira instância, o Supremo também se embrenhou no Legislativo nacional. Foi a decisão unânime pelo afastamento de Eduardo Cunha, à revelia da Câmara, apesar de confirmada posteriormente, que selou o destino do ex-deputado. O confuso "Renan affair", que fez o presidente do Senado descumprir uma liminar do STF apenas para ser reconduzido ao cargo no dia seguinte pelo plenário do Supremo. Essa crise entre Senado e Judiciário, convém lembrar, começou com um desdobramento da Lava Jato: no fim de outubro, a PF entrou no Senado, por ordem de um juiz de primeira instância, e prendeu quatro policiais legislativos. O mal estar da situação ficou escancarado quando Renan chamou o autor da ordem de "juizeco". Quando Marco Aurélio Mello deferiu a liminar de seu afastamento, o presidente do Senado precisou contar com uma ampla articulação – de Temer a FHC e Sarney – para salvar o nanométrico fiapo de solidez institucional do país. E para emendar este ano no próximo, o ministro Luiz Fux foi além na intervenção sobre o Legislativo e, em liminar, mandou a Câmara voltar atrás na votação das "Dez Medidas" patrocinadas por Dallagnol – o caso ainda está para ser julgado.

Para 2017, a Lava Jato já tem uma agenda paralela importante: as delações da Odebrecht devem fazer parte do processo movido pelo PSDB no TSE que analisa a cassação da chapa Dilma-Temer. É uma situação muito complexa para o ex-vice, afinal ela traz a chance de seu afastamento ser efetivado sumariamente. Sua esperança é que as próprias delações sirvam para protelar o julgamento final para o segundo semestre, uma vez que em maio Temer poderá escolher dois novos ministros do TSE. Gilmar Mendes, presidente do TSE, já avisou que o julgamento pode atrasar mais sim. Além disso, vence em setembro o cargo de Rodrigo Janot como Procurador Geral da República, e o próximo nome será escolhido por Temer. Talvez 2017 mostre que a Lava Jato é menos poderosa do que gostou de parecer em 2016.

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