A Internet dos Elefantes-Marinhos
Ohn. Crédito: Michael Fedak

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Tecnologia

A Internet dos Elefantes-Marinhos

Esses bichos fofos e desbravadores estão coletando dados de lugares inalcançáveis aos seres humanos.

O elefante-marinho é o animal favorito do ecologista Michael Fedak por motivos incomuns. Não são seus rostinhos expressivos e os enormes sorrisos que o atraem, menos ainda suas violentíssimas disputas territoriais. O que fascina Fedak é o fato dos bichos sobreviverem tranquilões no mar aberto por longos períodos.

"Eles são animais muito estranhos", disse. "Passam longos períodos caçando no meio do mar e voltam para o continente só duas vezes ao ano para acasalar e trocar sua pelagem."

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Na última década, Fedak colou rastreadores em centenas de elefantes-marinhos para reunir dados sobre as condições ambientais, a exemplo da temperatura e da salinidade da água. Ele faz parte do grupo de pesquisadores que utiliza mamíferos marinhos – como narvais, focas e baleias – da Groelândia para mapear áreas submersas onde os humanos não podem chegar.

Adaptar a tecnologia de rastreamento para ser utilizada em animais não é um processo fácil. Apesar das dificuldades, a tecnologia ajuda os biólogos a reunir informações importantes sobre suas espécies favoritas e, ao mesmo tempo, auxilia os oceanográfos a preencherem lacunas no conhecimento necessário para prever os efeitos da mudança climática.

"Esses animais passam por lugares onde os oceanógrafos não podem chegar. Eles mergulham quase dois quilômetros abaixo da superfície várias vezes por dia", diz a ecologista marinha Kristin Laidre da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, que participou do projeto que rastreou narvais e baleias da Groelândia no Ártico. "Eles são uma boa ferramenta de pesquisa para áreas remotas e cobertas de gelo."

Biólogo formado pela Universidade de St. Andrews, na Escócia, Fedak monitorou a migração dos gigantescos elefantes-marinhos da Antártica no começo dos anos 90. À época ele usava rastreadores por satélite, que registravam apenas a localização e a velocidade dos animais.

Foi então que notou um grande problema: embora soubesse a profundidade e a posição geográfica desses animais, não sabia nada sobre as condições das águas nas quais os bichos nadavam. Ao perdir ajuda para alguns oceanógrafos, Fedak ouviu que não havia nada a ser feito; as áreas por onde os elefantes-marinhos passavam eram inacessíveis, e os poucos dados disponíveis eram vagos demais.

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Depois do episódio, Fedak travou uma aliança curiosa: ele se uniu a um oceanógrafo "que estava muito interessado em conseguir informações sobre os lugares por onde esses animais nadavam". "Juntos, tivemos a ideia de acoplar instrumentos oceanográficos aos animais", disse Fedak.

Fedak equipou os 14 elefantes-marinhos com rastreadores por satélite — e de fevereiro a outubro, eles coletaram muito mais dados do que o obtido com equipamentos mais modernos

Para coletar dados em áreas congeladas, os oceanógrafos costumam utilizar um planador subaquático ou um CTD, um equipamento que é lançado no oceano e que registra a salinidade, a temperatura e a profundidade das águas conforme é puxado pelos pesquisadores. Mas para colher dados de uma área tão grande — e ainda por cima coberta de gelo — é preciso manter o barco de pesquisa em constante movimento. E existem muitos lugares que não podem ser alcançados.

Por sorte, os mamíferos marinhos são excelentes instrumentos de oceanografia. Os elefantes-marinhos e os narvais mergulham até 2.000 metros abaixo da superfície, no fundo do mar, onde passam 15 minutos submersos em busca de comida antes de voltar para a superfície. Esse caminho é quase o mesmo feito pelas sondas do programa Argo, um conjunto de mais de 3.000 sondas oceanográficas espalhadas pela área descongelada do oceano. As sondas descem até 2.000 metros abaixo do nível do mar, para depois coletar dados sobre a temperatura, a salinidade e a pressão da água no caminho de volta até a superfície, onde transmitem as informações para um satélite.

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"Os elefantes-marinhos são sondas vivas que chegam em lugares onde nem as sondas conseguem chegar", disse Fedak. "Eles são perfeitos para esse tipo de trabalho."

Os animais marinhos ainda não aprenderam a coletar e transmitir informações, e é aí que entram os rastreadores via satélite. Os rastreadores de Fedak, que têm o tamanho de uma mão fechada e pesam cerca de meio quilo, reúnem informações sobre a temperatura, a salinidade e a profundidade das águas, que são "as informações necessárias para que os oceanógrafos compreendam as massas de água e prevejam seu comportamento", disse ele.

No entanto, a coleta de dados é limitada pela capacidade de transmissão do satélite Argos, um sistema internacional presente em uma série de projetos científicos. Quando os elefantes-marinhos sobem até a superfície, o rastreador tem apenas três minutos para transmitir seus dados para o satélite antes que eles mergulhem novamente. Para piorar, o sistema de satélite só suporta um máximo de 228 bits por mensagem (mais 28 bits destinados para a identificação da fonte dos dados), "o que é ridículo para os parâmetros atuais", disse Fedak. A tecnologia também só aceita uma mensagem a cada 40 segundos.

"O ideal seria coletar dados de alta qualidade sobre a salinidade, a temperatura e a profundidade das águas a cada segundo, mas não temos como armazenar", disse. Para contornar esse problema, seus rastreadores contêm um software que seleciona os dados "mais pertinentes" dentro de um período de seis horas, favorecendo os mergulhos mais profundos, registros de condições instáveis, temperaturas máximas e mínimas, entre outras informações.

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Depois disso, os rastreadores enviam esses dados a cada 40 segundos durante um período de seis horas, ao fim do qual eles apagam suas memórias e reiniciam o processo. "A parte mais complexa desses rastreadores é o software", disse Fedak.

Os rastreadores também são econômicos: uma bateria de lítio dura entre 8 a 10 meses, tempo necessário para capturar as mudanças sazonais nas áreas em que os elefantes-marinhos caçam. Sua estrutura é capaz de resistir à pressão do fundo do mar, que chega a 200 atmosferas a 2.000 metros de profundidade, e aos eventuais danos relacionados ao fato deles estarem acoplados a animais desastrados que estão sempre esbarrando em pedras ou gelo.

Quando Laidre estudou as baleias da Groelândia no Ártico, ela seguiu outro caminho. Diferente dos narvais e dos elefantes-marinhos, as baleias da Groelândia são grandes demais para serem capturadas, então ela "acelerava o barco, colocava o rastreador no animal com a ajuda de uma vara e ia embora".

Em vez de coletar dados oceanográficos, seus rastreadores incluíam um fluorômetro (para registrar a incidência de fitoplânctons) e um medidor de profundidade, ambos necessários para estudar os hábitos alimentares dessa espécie de baleia. Esses rastreadores, por sua vez, não estavam ligados a um satélite. Os rastreadores têm um parafuso de magnésio que se corrói depois de três ou quatro dias para em seguida boiar até a superfície — onde os cientistas simplesmente torcem para achá-los.

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"Recuperamos entre 50 a 70% dos rastreadores, embora alguns deles sejam recuperados anos depois; um dos nossos rastreadores boiou da Groelândia até a Escócia", disse Laidre. "É como jogar um tesouro no oceano e esperar encontrá-lo de novo."

Felizmente, todo esse trabalho valeu a pena. Em um outro projeto de pesquisa, sua frota de 14 narvais armados com CTD's passou um inverno inteiro nadando pela Baía de Baffin, que conecta o Oceano Ártico e o Oceano Atlântico. Essas baleias, que lembram unicórnios marinhos, coletaram dados sobre a região, que nunca havia sido estudada, e confirmaram que as águas da área estão se aquecendo. "Já existiam alguns indícios do aquecimento da Baía de Baffin e nós pudemos confirmar isso com os dados dos narvais", disse. "Eles indicaram que, em média, as temperaturas das águas estavam 0.9°C maiores do que o estimado."

Fedak comprovou a eficiência de seus pesquisadores animais. Durante certa missão no Oceano Atlântico, ele assistiu a um navio, um grande submarino não-tripulado e uma série de planadores subaquáticos sendo utilizados para coletar apenas algumas centenas de dados. Na mesma missão, Fedak equipou 14 elefantes-marinhos com rastreadores por satélite — e de fevereiro a outubro, eles coletaram mais de 10.000 dados sobre uma ampla área, muito mais do que o obtido com os equipamentos modernos.

Conforme os dados se acumulam, os oceanógrafos podem utilizá-los para identificar padrões de massas de água quente e, assim, prever os efeitos da mudança climática na Antártida, como o aumento do nível do mar graças ao derretimento das geleiras.

"Os glaciologistas acreditam que essas geleiras são instáveis, mas ninguém sabe o quanto", disse Fedak. "Estimar esse degelo é muito importante para compreender como áreas de baixa altitude, como Nova Iorque, serão afetadas nas próximas décadas."

Fedak também está aprendendo muito sobre essa espécie. Os elefantes-marinhos dormem a cerca de 400 metros de profundidade, onde boiam por cerca de 40 minutos antes de voltar à superfície. Os sensores de profundidade presentes nos rastreadores mostraram que alguns desses elefantes-marinhos subiam até a superfície durante o sono enquanto outros desciam para o fundo do mar — um indicador de saúde, jávque elefantes-marinhos mais saudáveis e gordos são menos densos que a água e, portanto, boiam espontaneamente. Fedak analisou as condições oceanográficas das áreas frequentadas pelos elefantes-marinhos saudáveis para descobrir outros locais onde a comida é abundante.

"É muito estranho ver esses animais boiando por aí no meio de um sono profundo", disse Fedak. "Algumas características de seus comportamentos sugerem capacidades fisiológicas que ainda não compreendemos."

Tradução: Ananda Pieratti