As Fotos do Táxi de Mike Harvey

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As Fotos do Táxi de Mike Harvey

Em 2010, Mike começou a documentar algumas de suas corridas de táxi, construindo um relacionamento com os passageiros, tirando a foto deles no destino final e recusando o dinheiro da corrida como agradecimento.
Jamie Clifton
London, GB

Taxistas encontram todo tipo de gente. É a natureza do trabalho. Se você é taxista e não está conhecendo um monte de pessoas, só pode ser um sinal de que está fazendo alguma coisa errada e que devia reconsiderar suas escolhas na vida.

Mike Harvey é um cara de South Wales que virou taxista para financiar suas viagens pelo mundo. Alguns meses levando pessoas de lá pra cá em Swansea rendem alguns meses no Brasil. Meio ano conhecendo gente no turno da noite, três meses viajando por Egito, Índia ou Nepal.

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Em 2010, Mike começou a documentar algumas de suas corridas de táxi, construindo um relacionamento com os passageiros, tirando a foto deles no destino final e recusando o dinheiro da corrida como agradecimento. Ele deixou o emprego um ano atrás, mas vem compilando seus retratos favoritos batizados com o preço das corridas e mostrando, com seu projeto, uma visão única e íntima da composição social de South Wales. As fotos estão em exposição no Monkey Cafe & Bar, em Swansea, no País de Gales, Reino Unido.

Eu me encontrei com o Mike alguns dias atrás para uma conversa.

VICE: Oi, Mike. Como você começou a fotografar seus passageiros?
Mike Harvey: Eu achava o trabalho fascinante. Nunca sabia quem ia entrar no meu táxi – aprendi muito com os passageiros, porque eu era sempre colocado em vários dilemas. Então, comprei uma câmera DSLR e comecei a tirar as fotos. Queria que as imagens representassem a jornada que compartilhávamos, porque o táxi foi ocupado por muitas pessoas durante esse período.

E os passageiros não se importavam que você tirasse essas fotos?
Bom, documentei umas 130 corridas no total e posso dizer que só nove pessoas disseram não. Eu sempre tirava a foto no final da corrida; então, quase sempre tínhamos criado um relacionamento. Vejo isso como uma das maiores experiências educacionais da minha vida, porque ou eu estava fazendo massagem cardíaca num cara na beira da estrada, ou uma grávida saía correndo do meu táxi, sem pagar, descalça…

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Como?
Eu estava dirigindo por Swansea lá pelas 3 da manhã, e uma garota grávida – tipo, prestes a dar à luz – estava sentada numa calçada, descalça, acenando para mim. Então, ela entrou e… dirigir táxi, às vezes, é meio um serviço de aconselhamento improvisado. Eu disse que encher a cara estando grávida talvez não fosse uma boa ideia, mas – sabe? – tivemos uma conversa legal. Aí quando a deixei no destino, ela passou a perna em mim. Eu geralmente corro atrás da pessoa que não paga, mas ela estava supergrávida, sabe? Ela conseguiu escapar, mas só porque eu deixei.

As pessoas também me ofereciam drogas – ketamina, sabe? Não uso nada, mas quem ia querer usar ketamina enquanto dirige?

Pessoas que queriam provocar um acidente? Elas ofereciam drogas em vez do dinheiro da corrida, ou era só pra compartilhar com você mesmo?
Só como uma coisa à parte. Sabe? "Você se incomoda se a gente cheirar cocaína aqui atrás, motorista?". Já me propuseram ménage à trois, suruba… era uma fonte constante de entretenimento. E algumas pessoas estavam bem bêbadas; então, contavam muito da vida delas para mim, falando dos casos que estavam tendo, problemas na vida, que estavam pensando em suicídio. Eu tentava dar a elas o melhor tempo reflexivo possível num táxi para não chegarem à conclusão errada sobre as coisas.

Como isso te afetava? Imagino que você tinha alguma ideia do que ia encontrar quando começou na profissão, mas não que alguém ia sentar no seu banco de trás e dizer: "Estou pensando em cometer suicídio".
Não acho que eu tinha muita ideia de onde estava me metendo. Lembro que a minha primeira corrida foi supernervosa, porque sempre me preocupei muito em bater o carro e o passageiro acabar ferido. Sempre fui muito responsável, e acho que foi essa responsabilidade que levou a situações nas quais as pessoas divulgavam coisas como essas. Não fiquei intimidado com isso – eu só queria ajudar as pessoas da melhor maneira possível. O engraçado é que, na maioria das vezes, nunca mais vi essas pessoas de novo – as pessoas com quem falei e espero ter ajudado, não sei onde elas estão agora.

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Qual foi a corrida mais significativa para você?
Teve uma em que encontrei pessoas que tinham acabado de ser atropeladas. Até tentei fazer ressuscitação cardíaca, mas elas não sobreviveram. Foi uma experiência incomum – bastante angustiante, na verdade. Por outro lado, a empresa em que eu trabalhava tinha um contrato com um bordel local; então, era sempre fascinante levar as garotas que trabalhavam lá de volta para casa. Acabei conhecendo algumas delas muito bem; então, elas diziam: "Noite difícil, Mike?". E eu nunca soube se podia perguntar a mesma coisa para elas.

Você aprendeu alguma coisa sobre a sua cidade que não sabia antes?
Eu provavelmente poderia mencionar algumas coisas específicas se pensasse um pouco mais, mas acho que, no geral, isso só me deu uma apreciação mais ampla do jeito que as pessoas vivem – as coisas que elas pensam, seus interesses, suas preocupações. A conclusão a que cheguei é que todo mundo é essencialmente igual – todos têm suas preocupações e inibições, não importa quem sejam.

Você acha que ser taxista te tornou mais observador? Capaz de notar personalidades mais rapidamente do que antes?
Sim. Uma mistura de ser taxista e depois ir a lugares como Deli e Catmandu, e depois pensar de novo em Swansea. Acho que isso realmente me fez pensar nas pessoas com mais intimidade, mas sempre fui observador. Acho que foi daí que surgiu o projeto, e por isso que eu gostava tanto de dirigir táxi.

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Você acha que aprendeu uma lição maior sobre a humanidade?
Sem querer dar um tom negativo, mas tem gente legal por aí e gente não tão legal assim.

Você teve problemas?
Quase nunca. Mas teve uma vez em que um cara no táxi estava tendo uma discussão com uma garota – a namorada, presumo – e começou a dar cabeçadas nela. Eu disse: "Gente, é melhor parar com isso ou vou dirigir direto para a delegacia!".

Aí o cara voltou a atenção para mim, tentando me agarrar pelo pescoço e dizendo: "Para o carro, para o carro!". Então, estacionei e ele saiu, se preparando para me arrastar para fora; então, eu simplesmente acelerei e saí de lá. A garota ficou do banco de trás, chorando sem parar. Eu disse: "Tudo bem se eu continuar dirigindo e te deixar em casa?". E ela disse: "Sim. Não pare, por favor". Mas essa foi uma ocasião muito rara.

Por último, tenho a sensação de que você não pensava em expor essas fotos. Que isso era mais um projeto pessoal.
Sim, elas ficaram paradas num hard drive por anos até que meu parceiro Tim disse: "Você realmente devia mostrar isso para as pessoas". Eu até gostaria de estender o projeto agora. Ia ser legal fazer isso em outros lugares, se eu conseguisse acompanhar um taxista local e fotografar os passageiros, para mostrar outras culturas num espaço similar.

Sim, o espaço tem um papel importante nas fotos – é muito íntimo.
É muito próximo para um estranho, sim. Eu sempre dizia: "Relaxe, seja você mesmo – não precisa sorrir nem nada". Pode parecer meio brega e clichê, mas eu via uma vulnerabilidade real nos olhos de algumas pessoas, eu podia ter uma amostra da natureza delas pelos olhos e expressões. E eu adorava isso.

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Outra coisa sobre o espaço é o que você vê através da janela: o lado socioeconômico disso. Como as fotos sempre eram tiradas no final da corrida, muitas vezes elas capturavam de onde algumas dessas pessoas eram. Também gosto desse lado.

Eu também. Muito obrigado, Mike.

Veja mais do projeto Taxi do Mike no site dele e compre a versão impressa aqui.

Taxi está em exposição atualmente no Monkey Cafe & Bar, Castle Street nº 13, em Swansea.

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Tradução: Marina Schnoor