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Um especialista explica o que pode acontecer se Trump perder e não aceitar o resultado da eleição

Um especialista explica como um discurso que acusa o sistema eleitoral norte-americano de fraude pode acabar, até mesmo, em violência nas ruas.

Donald Trump durante um debate das primárias em novembro de 2015. Foto por Scott Olson/Getty Images.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Durante o último debate presidencial nos EUA, Donald Trump disse ao moderador Chris Wallace que podia não aceitar o resultado caso perdesse a eleição. "Vou te deixar em suspense, OK?", disse o milionário, enquanto milhões de jornalistas começavam a escrever sobre o debate.

Como Wallace disse a Trump, saber perder e respeitar o resultado das eleições é uma longa tradição nos EUA e sinônimo de democracia. Os perdedores sempre falam sobre como o processo é importante — mesmo perdendo de maneira controversa ou por pouquíssimos votos, como Al Gore, ou mesmo se simpatizam com Dick Tuck (sério, esse era o nome do cara), que depois de perder as eleições para governador da Califórnia brincou: "Os eleitores falaram, os bastardos".

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Mas será que alguém já se recusou a aceitar publicamente o resultado de uma eleição nos EUA? E o que acontece depois disso? Para responder a essas questões, liguei para James McCann, um cientista político da Purdue University, do estado norte-americano de Indiana, especializado em discursos de concessão e política comparativa. E isso foi o que ele me disse:

VICE: Já tivemos um candidato a presidente que não aceitou o resultado depois de perder a eleição?
James McCann: O discurso de concessão sempre é dado, mas tem escolhas que o candidato pode fazer em como dar esse discurso. Um jeito de fazer isso seria o exemplo do Al Gore. Mesmo quando a coisa mais incomum acontece, você demonstra civilidade aceitando a derrota e reconhecendo publicamente a importância da democracia, etc., mesmo se houve irregularidades ou algo incomum na contagem de votos. Para outros, o discurso de concessão é um jeito de abrir caminho para outra eleição, quando você diz algo na linha "Sim, reconheço que perdemos, mas a luta continua. Nossa ideia não perdeu. Teremos outro dia para brilhar". Esse tipo de coisa. E isso é muito compreensível. Pessoas da vida pública são carreiristas, na maior parte. Elas sempre estão pensando na próxima chance.

Mas Trump não é carreirista nesse sentido. Ele nunca teve um cargo público.
No caso de Trump, não sei o que seria a próxima chance. Ele não tem os mesmos incentivos para ser civilizado. Se ele diz que nunca mais vai concorrer à presidência, se ele quer preparar o campo para outra atividade profissional, como começar uma nova rede de mídia que rivalizaria com a Fox [News], então ele tem incentivo para ser extremamente desafiador.

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Pessoas da vida pública são carreiristas, na maior parte. Elas sempre estão pensando na próxima chance.

O que acontece se ele não conceder que perdeu ou dizer que as eleições foram armadas?
Digamos que ele alegue fraude ou irregularidade na votação, sequestro, espionagem ou pessoas preenchendo cédulas falsas. Se esse é o argumento dele, então há um fardo pesado para provar isso. Você não pode simplesmente dizer uma coisa dessas. Você precisa de provas se quer que acreditem em você.

Digo isso como um cara que já foi observador eleitoral e está familiarizado com o sistema [eleitoral] norte-americano — seria extremamente difícil ter uma grande fraude eleitoral. Nosso sistema de eleição é muito fragmentado. Temos o princípio de federalismo nos EUA, no qual a administração da eleição acontece em nível local. Pode haver todo tipo de erro: um eleitor, por exemplo, pode colocar seu voto na urna do candidato que não gosta. Mas é muito difícil imaginar qualquer violência sistemática.

Trump pode processar o conselho eleitoral, e isso interromperia o processo?
Ele poderia litigiar e haveria um tribunal relevante dependendo da natureza da acusação. Tudo é sujeito a litígio se você quer prestar queixa. Se Trump quer envolver advogados em várias partes e se realmente tem dinheiro para financiar muita ação legal, podemos ver muitas mudanças. Mas no final das contas, ele iria precisar de provas. Trump meio que está litigiando isso com a opinião pública agora. Ele está tentando dizer que o mundo inteiro está contra ele, na mídia de massa. Isso obviamente não é algo que conta oficialmente. É apenas uma afirmação retórica.

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O consentimento do perdedor às normas democráticas é uma coisa importante.

Mas não haveria uma interrupção que posso prever. Na verdade, o voto é o que conta. E os eleitores, em princípio, num nível abstrato, têm a liberdade de votar em quem quiser. Há uma via para litígio, acho, se Trump quer argumentar sobre irregularidades em certas seções eleitorais ou se ele quer ir sistematicamente contra o resultado de certos estados. Tudo depende de como o resultado se moldar no final.

Duvido seriamente que [Trump não aceitando o resultado] atrapalhe o processo. Mas pode ser uma coisa muito desestabilizante. Já vimos alguns distúrbios, atentados à bomba, esse tipo de coisa [durante a campanha]. Então o pior cenário poderia ser se Trump disser de maneira não específica que o sistema estava comprado, que ele foi trapaceado e encorajar as pessoas a partirem para a violência — aí é um desafio para a lei e a ordem. E não tenho dúvida que as autoridades vãos responder a qualquer situação de tumulto que possa ocorrer.

Então conceder é apenas um gesto simbólico?
Bom, um gesto simbólico é importante. Como quando os jogadores do NFL não se levantam durante o hino nacional — isso significa alguma coisa, é transmitir informação importante sobre uma opinião que eles têm e fazer as pessoas discutirem. Mas o consentimento do perdedor às normas democráticas é uma coisa importante.

Vamos colocar assim: se você é um cientista político avaliando a qualidade da democracia no exterior em uma dessas novas democracias, um dos indicadores que você procuraria é se os perdedores aceitam o resultado das eleições ou se começam a militar fora das instituições formais. Se você vê essa última possibilidade, isso indica uma democracia se transformando em outra coisa autoritarismo ou algo ruim. Há uma parte cerimonial das eleições, que acredito ser muito importante em termos de manter um sistema democrático, porque no final das contas, tem que haver um reservatório de confiança, boa vontade e capacidade de esquecer o que passou.

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Tradução: Marina Schnoor

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