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Crimes

Como dois garotos britânicos planejaram um atentado em sua escola

Inspirados em Columbine, Thomas Wylllie e Alex Bolland, de apenas 14 anos, decidiram se vingar de seus bullies.
Thomas Wyllie, esquerda, e Alex Bolland.

No dia 3 de março de 2017, o mais velho dos garotos, Thomas Wyllie, postou um vídeo no YouTube glorificando os assassinos de Columbine, Eric Harris e Dylan Klebold. No final daquele mês, segundo o histórico de internet obtido pela política, ele já tinha pesquisado sobre nazismo, depois fez uma conta no Instagram onde postava fotos de professores de sua escola em North Yorkshire photoshopadas sobre figuras do Terceiro Reich. Ele tinha 14 anos, como seu parceiro mais jovem, Alex Bolland, apesar de nenhum dos nomes ter sido divulgado até julho de 2018, quando um juiz retirou as restrições de cobertura sobre o caso.

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Mais tarde, Bolland disse a polícia que sofria bullying há quatro anos de 11 pessoas, e que tinha tentado o suicídio sete vezes. Apesar de saber sobre o bullying, segundo ele, a escola Northallerton que ele e Wyllie frequentavam não fez nada. Então, em maio, ele mandou uma mensagem para Wyllie dizendo “Não aguento mais”, ao que Wyllie respondeu “Por que não levar outros também? Se você vai se matar, entre atirando na escola”.

Logo depois, Wyllie apresentou a ele um mapa mostrando não só onde plantar bombas, mas onde – segundo Bolland – eles podiam se posicionar para “ir derrubando as pessoas”. Depois vieram screenshots de um e-book detalhando como fazer bombas de pregos, fusíveis de ignição e pólvora caseira. As táticas eram familiares: os assassinos de Columbine tinham planejado detonar bombas, fazer as pessoas saírem do prédio com as explosões, e atirar nelas enquanto elas passavam pelas saídas. Os explosivos acabaram falhando, e Harris e Klebold começaram a atirar aleatoriamente.

Em junho, Wyllie começou a sair com uma garota. Eles se conheceram pelas redes sociais através de um interesse mútuo em roupas alternativas, bandas como Nirvana e séries sobre crimes reais. A garota mais tarde disse que estava num momento ruim e se autoflagelava. Ela disse para a polícia: “Quando eu me flagelava seriamente, [Wyllie] sentava comigo por três horas, me ouvia e dizia que eu valia alguma coisa”. Ela também disse que ele postava fotos de assassinos e vídeos de suicídio no Instagram, e quando recebia mensagens de alguém que não gostava, ele respondia com fotos de fetos mortos e abortos.

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Na casa de Wyllie uma vez, ele a deixou olhar um de seus diários. “Seleção Natural” estava escrito na capa – uma referência à camiseta que Eric Harris usava no dia do atentado em Columbine – e apesar de começar com menções a suicídio, no decorrer ele passava a escrever cada vez mais sobre assassinato em massa. Ela disse que ele falava tanto sobre Columbine que ela já tinha ficado dessensibilizada – uma vez dizendo para colegas de escola, segundo depoimentos para a polícia, “Advinha quem está namorando o atirador da escola” – mas que ela achava esses referências a assassinato demais.

A garota contou aos policiais como Wyllie tentou controlá-la, dizendo que se ela não atendia o telefone em segundos, ele não parava de mandar mensagens perguntando o que estava errado. Ele também fez pressão para que ela parasse de tomar seus antidepressivos e tinha a senha dela das redes sociais, porque diziam que não confiava nela. Depois veio a conversa sobre tatuagens – ou, como ela disse, uma conversa sobre cortar o nome dele na pele dela.

Na primeira vez, ele apareceu com um estilete. Felizmente, ela conseguiu distrai-lo e eles foram para uma exposição agrícola em vez disso. Na segunda vez, ele veio com um canivete e enfiou nas costas dela. No meio do processo, ela pediu para ele parar – porque estava doendo muito – mas ele continuou e a mandou calar a boca. Depois, ela lembrava do silêncio. Ela disse que se sentiu amortecida. Apesar de numa mensagem no Instagram, lida no tribunal, ela dizer que “adorava” ter o nome dela nas costas, ela também disse para a polícia que tentou cortar e queimar a pele para remover a marca.

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Esquerda: mensagens entre Wyllie e Bolland. Direita: mensagens do Snapchat enviadas por Bolland.

Um colega de classe disse a polícia que sempre ouvia os garotos conversando sobre querer morrer, e que uma vez, Wyllie levou uma faca para a escola. Ele também disse que Bolland mostrou a ele uma foto de uma arma e dizia já ter feito explosivos. Mais reveladora era a informação de que ele tinha feito uma “lista de compras” – os nomes dos estudantes que ele queria matar. Quando o colega perguntou se ele também seria morto, Bolland disse “Só vamos matar as pessoas na lista, mas se você ficar no caminho, provavelmente”.

O colega disse: “Senti um nó no estômago. Eu não sabia se iria viver amanhã ou não”.

Depoimentos também revelaram que outra estudante recebeu uma mensagem por Snapchat de Bolland em setembro, dizendo que eles iam atacar a escola, e quando ela perguntou se ele estava brincando, ele respondeu “Não. Nenhum inocente vai morrer. Prometemos. Não vamos fazer isso agora porque não temos armas ainda”.

Depois Bolland mandou uma mensagem a Wyllie dizendo para ele usar seu sobretudo na escola no dia seguinte, para assustar as pessoas, depois mandou mensagem para a mãe pedindo para comprar um sobretudo para ele no eBay. Brincando, ela perguntou se ele achava que estava no Matrix – se ele ia usar o casaco com óculos escuros. “Não”, ele respondeu. “Calça camuflada.” Harris e Klebold estavam usando sobretudos em parte do atentado, mas o significado da peça foi bastante exagerado pela mídia na época.

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Talvez por serem os primeiros atiradores de escola na era das notícias 24 horas, Harris e Klebold – que mataram 13 pessoas em 20 de abril de 1999 – eram vistos como heróis para aqueles que seguiram seus passos. Seung-Hui Cho, por exemplo – o atirador do Virginia Tech que matou 32 estudantes e funcionários em 2007 – os considerava “mártires”, enquanto Pekka-Eric Auvinen, o finlandês de 18 anos que matou oito pessoas em sua escola no mesmo ano, usava os nomes “Natural Selector” e “NaturalSelector89” na internet.

Mas o principal apelo deles é seu retrato como vítimas de bullying e a crença de que eles agiram por vingança. O aspecto do bullying acabou se mostrando exagerado, como descrito n livro investigativo de Dave Cullen Columbine (segundo o autor, Harris e Klebold também eram bullies), mas isso não impediu a internet de fazer o que a internet sempre faz. Hoje, embaixo de todo vídeo sobre Columbine no YouTube – como o que Wyllie postou em março de 2017 – vários jovens expressam simpatia por Harris e Klebold, do mesmo jeito que em vídeos de Kurt Cobain, Heath Ledger e Philip Seymour Hoffman.

Uma página encontrada no caderno de Wyllie.

Depois que a estudante recebeu a mensagem de Bolland no Snapchat sobre atacar a escola, ela mostrou os textos para professores e os garotos foram chamados na diretoria. Numa conversa com um professor, Bolland disse que algumas pessoas na escola estavam tornando sua vida insuportável, infectando o pool genético, então precisavam ser mortas. Aí ele citou um “texto satânico”, disse o professor no julgamento, na mesma linha de “olho por olho”. “Ele não mostrava emoções com o plano”, disse o professor. “Foi a coisa mais horrível que um estudante já me disse.”

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O mesmo professor depois ficaria sabendo pela polícia que seu nome estava na lista de compras dos garotos.

Enquanto isso, Wyllie negou tudo, não só para a escola, mas para os policiais que foram até sua casa. Ele recebeu um aviso sobre tomar cuidado com as piadas que fazia, e teve sua conta no Instagram suspensa, enquanto Bolland foi mandado para aconselhamento. E só, com a polícia não percebendo que, minutos depois de sair da casa, Wyllie voltou a pesquisar sobre Columbine. Paul Greaney, um advogado da promotoria, disse durante o julgamento: “Depois de ouvir as evidências, vocês podem concluir que a polícia de North Yorkshire não respondeu adequadamente”.

Antes do tiroteio na escola Dunblane em 1996 – um dos piores assassinatos em massa da Inglaterra, onde 16 crianças entre cinco e seis anos foram mortas, assim como uma professora – a polícia tinha recebido três queixas sobre o perpetrador, Thomas Hamilton, se comportando agressivamente com crianças. Pouco foi feito sobre isso.

Mas a polícia de North Yorkshire entrou em contato com os pais da garota que recebeu a mensagem do Snapchat, preocupados com a segurança dela, ao que os pais responderam proibindo a garota de ver Wyllie de novo. Depois disso eles encontraram pichações nazistas nas paredes da casa deles e, sem eles saberem, a filha recebeu uma mensagem dizendo que Wyllie estava indo para a casa dela “fazer o APN”. APN queria dizer Assassinos Por Natureza, um filme de Oliver Stone sobre um cara que mata os pais da namorada e embarca numa onda de assassinatos, um dos preferidos de Wyllie.

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Em 21 de outubro, a mãe da garota o encontrou no quarto da filha no meio da noite, vestido como Eric Harris com uma camiseta dizendo “Seleção Natural”. Quando viu a mãe da garota, Wyllie fugiu para a rua, com uma “faca enorme” nas mãos – segundo o testemunho dela – uma imagem que ainda a assombra quando ela fecha os olhos. Semanas depois, a faca foi encontrada entre árvores perto da casa da família por uma menina de quatro anos. A lâmina tinha 18 centímetros e nela, escrita em caneta preta, a palavra “Amor”.

Naquela noite, Wyllie ligou para a Childline [uma linha direta de proteção à criança] e disse que ia fugir de casa. A pessoa do outro lado o aconselhou a procurar a delegacia mais próxima, o que ele fez. A garota da casa que ele invadiu ficou tão nervosa que, segundo a mãe, tentou beber alvejante.

No dia 23 de outubro, a polícia prendeu Wyllie sob suspeita de ameaçar matar os pais da garota. Na casa dele, eles encontraram um diário com “Helter Skelter” escrito na capa, uma referência a uma música dos Beatles que Charles Manson acreditava esconder informações sobre uma guerra racial, e que foi usada para justificar vários assassinatos da seita dele. Na contracapa, Wyllie tinha escrito “Desculpe… se isto for encontrado eu cometi uma das maiores atrocidades da história britânica ou me matei”.

O diário forneceu à polícia uma janela para os objetivos dos garotos, com uma parte escrita logo antes da prisão dele dizendo (tudo SIC): “Tenho um plano, um grande plano. Vou fugir para Catterick [uma cidade próxima] e me esconder por um tempo enquanto assassinamos os pais dela e ficamos na casa dela por um tempo e pegamos todas as armas do pai dela e fazemos os explosivos depois achamos um jeito de voltar para Northallerton e começamos nosso ataque naquela maldita escola.

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“Ótima ideia não. Foda-se, odeio minha escola. Vou obliterá-la. Vou matar todo mundo.”

Outros trechos do diário – segundo a outra garota que saía com Wyllie – tinham monólogos de Travis Bickle do filme Taxi Driver, um veterano do Vietnã buscando vingança contra uma população de Nova York que ele via como impura. “Só quero matar cada um desse fodidos”, escreveu Wyllie. “Todo mundo é sujo e merece ser baleado, incluindo eu. Vou fazer o papel de deus e decidir quem vive e quem morre. Humanos são uma espécia vil que precisa acabar. A condição humana é uma maldição e um fardo.”

O diário também revelou a “adoração” de Wyllie por assassinos como Ted Bundy, Jeffrey Dahmer, John Wayne Gacy, Timothy McVeigh, Richard Ramirez e, claro, Harris e Klebold, enquanto um pedaço de papel encontrado pela polícia tinha frases em alemão como “Mate os judeus”, “Gás nos judeus”, “Eles estão no sótão”, “Hora do banho” e “Hitler não fez nada errado”.

Mas Wyllie continuava dizendo que era inocente, falando para a polícia que apareceu na casa da garota simplesmente para fugir com ela, não para matar alguém. Ele também disse que seu diário e os planos nele eram “hipotéticos, só pensamentos e sentimentos”, e que o tinha mostrado para uma assistente social, funcionando como “basicamente um tipo de terapia”. Mas a assistente social disse que nunca pediu a ele manter um diário.

O caderno também tinha uma lista de coisas como armas, facas, sobretudos e silver tape, assim como ingredientes para bombas, que já estavam riscados e anotados como “alguns, preciso de mais”. Também havia receitas para napalm, pólvora e bombas de canos, essa última com a anotação “Acrescentar estilhaços por diversão”. O diário, além das informações reunidas pela polícia em depoimentos e numa busca feita num esconderijo dos garotos – onde eles encontraram máscaras de esqui, um saco de pregos e uma garrafa de gás – levaram à prisão dos garotos em 28 de outubro, sob a acusação de conspiração para cometer assassinato em sua escola.

As máscaras, pregos e gás encontrados no esconderijo dos garotos. Foto: North East Counter Terrorism Unit.

O julgamento começou em 3 de maio deste ano no Leeds Crown Court. Bolland se declarou culpado das acusações de conspiração, Wyllie se declarou inocente dessa acusação, da acusação de invasão residencial (entrar na casa da garota com uma faca), e de ferimento ilegal (cortar seu nome nas costas da outra garota). No tribunal eles foram retratados como “fãs” de Eric Harris e Dylan Klebold, com o advogado de acusação, Paul Greaney, reiterando que tudo era “real, não fantasia”. Os garotos estavam com 15 anos na época do julgamento.

Bolland teve várias cartas de referência de caráter lidas no julgamento, não só de pessoas próximas, como seu tio, mas também de pais de amigos e até do diretor da escola. Eles o descreviam como “educado”, “prestativo” e “bem-comportado”. Enquanto isso, num depoimento para a polícia, ele disse que nunca teria seguido com o plano porque “estava além de mim e era algo mau”, e mesmo achando que Wyllie teria, ele mencionou o plano para outras pessoas como “um pedido de ajuda”, para que alguém o impedisse.

Um júri de sete mulheres e cinco homens decidiu, em 24 de maio, que os dois garotos eram culpados de conspiração para cometer homicídio, enquanto Wyllie também foi condenado por ferimento ilegal. Os garotos estavam sentados impassíveis ao lado das mães que choravam quando a decisão foi lida, e em 20 de julho, Wyllie foi sentenciado a 12 anos de prisão e Bolland a dez.

Matéria originalmente publicada pela VICE Reino Unido.

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