Youtubers HIV positivos
Os youtubers Gabriel Comicholi (à esquerda) e Gabriel Estrela, que falam sobre o vírus HIV em seus canais. Crédito: reprodução/ redes sociais

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reportagem

Youtubers HIV positivos ampliam o debate sobre o vírus no Brasil

Enquanto isso, futuro Ministro da Saúde diz não acreditar em campanhas de incentivo à prevenção.

Com suspeita de caxumba, o ator Gabriel Comicholi, 23 anos, fez uma bateria de exames em 2016. Quando viu os resultados, ele descobriu que o vírus que portava não era o responsável pela transmissão da doença que tinha em mente, e sim o HIV. “Sabia pouco sobre o assunto, fui pesquisar na internet e só achei informações difíceis de compreender ou alarmistas demais”, lembra.

Comicholi passou, então, a documentar o tratamento e convívio com o vírus e divulgar vídeos didáticos no canal HDiário, no YouTube. Hoje, ele tem pouco mais de 35 mil inscritos. “As pessoas precisam ser educadas sobre o HIV, elas ainda têm na cabeça o cenário dos anos 1980, o Cazuza, o inicio da epidemia. Já passamos por muitos avanços”, afirma.

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O primeiro vídeo foi ao ar em abril de 2016, um mês depois do diagnóstico. Desde então, ele recebe relatos diários de pessoas que tomaram coragem de fazer o exame ou iniciar o tratamento. “O assunto sofre muito terrorismo, quando o tornamos algo natural, passa a ser possível falar a respeito. É uma doença, como qualquer outra, mas tudo que envolve sexo é um tabu”, comenta.

Foi a mesma falta de informações mais sensíveis que fez o criador de conteúdo Gabriel Estrela, 26 anos, abrir o canal Projeto Boa Sorte. Hoje ele tem quase 30 mil inscritos e fala sobre HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis de forma simples e acolhedora, com ajuda de especialistas. “Quando me aproximei do ativismo, encontrei pessoas mais técnicas e objetivas do que eu gostaria de ser”, fala.

Gabriel revela que boa parte de seu público é composta por homens gays e mulheres heterossexuais. “Acho notável que homens heterossexuais têm resistência para falar de sexualidade.”

Neste sábado, dia 1, é celebrado o Dia Mundial de Combate à aids. A data foi criada pela ONU e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há exatos 30 anos para conscientizar sobre a importância da prevenção e detecção do vírus HIV. De acordo com o Unaids, em 2017, 37 milhões de pessoas conviviam com o vírus em todo o mundo, e 75% sabiam.

Na esteira de iniciativas como as de Comicholi e Estrela, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids) anuncia o lançamento do site Deu Positivo, e Agora?, nesse dia 1 de dezembro, com material audiovisual sobre HIV e aids para ampliar o acesso à informação de quem acabou de receber o diagnóstico.

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“Percebemos que as pessoas fazem o teste, mas não buscam um aconselhamento. As pesquisas são feitas pela internet e nem sempre são confiáveis”, explica Georgiana Braga-Orillard, diretora do Unaids no Brasil. Ela comenta que existem 40 mil novas infecções por ano no país e que o conhecimento precisa ser universalizado.

O projeto foi desenvolvido em parceria com a Veduca e trará tanto soropositivos quanto ativistas para esclarecer questões como a confiabilidade dos testes, formas de tratamento, efeitos colaterais e tantas outras dúvidas recorrentes.

E se o HIV não fosse transmissível?

Durante o ano, o Unaids e outras entidades ligadas à conscientização levantaram a bandeira “Indetectável = Intransmissível”. Na prática, a mensagem é que se o portador do HIV fizer o tratamento corretamente, conseguirá, em poucos meses, diminuir consideravelmente a carga viral e não retransmitir o vírus.

A entidade divulgou três grandes estudos sobre a tese que foram realizados com milhares de casais, dos quais um era portador e o outro não, entre 2007 e 2016. Nos casos analisados não houve nenhuma transmissão quando o soropositivo apresentava carga viral suprimida.

Para ajudar a divulgar a informação, a associação de ativistas latino-americanos GayLatino lançou uma campanha essa semana chamada Sonhe, Ame, Viva Indetectável. “Hoje nós falamos de prevenção combinada, não é só mais o preservativo”, explica Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, que faz parte da entidade internacional.

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Campanha da associação GayLatino. Imagem: divulgação

Para se tornar indetectável e intransmissível, a pessoa precisa realizar o exame o quanto antes para identificar a carga viral e iniciar o tratamento. O especialista diz que em até cinco meses de medicação contínua, a pessoa já pode ser considerada indetectável. No entanto, é importante frisar: ela não estará curada.

“É uma mudança de paradigma, estamos em fase de transição de pensamento, é importante as pessoas perderem o medo de fazer o teste”, explica Reis.

Novo governo não é simpático a medidas

Entidades e ativistas temem pelo futuro das campanhas e que haja um possível retrocesso nos avanços já conquistados. O futuro Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS), disse ao jornal O Globo que não acredita na efetividade das campanhas de prevenção e que a educação sexual, bem como a conscientização sobre o uso de preservativos, é papel da família e não do governo.

Ainda na entrevista ele diz que houve “banalização” ao mostrar que é possível conviver com HIV e que, por essa razão, a distribuição de medicação, que é referência mundial, precisaria ser dosada. O discurso é alinhado com entrevistas antigas concedidas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

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O futuro ministro da saúde Luis Henrique Mandetta (DEM/MS). Foto: Nilson Bastian/ Câmara dos Deputados/ Fotos Públicas

O direito ao tratamento e aos respectivos medicamentos necessários é assegurado pela Lei nº 9.313, de 1996. Além disso, o SUS universalizou o acesso aos remédios em 2013, independente da contagem de células do indivíduo.

Reis, da Aliança Nacional LGBTI, é otimista e acredita que o novo Ministro mudará o pensamento ao ter contato com as pesquisas e trabalhos feitos atualmente pelo departamento responsável, dentro da pasta. “Estou há 34 anos na causa LGBTI+ e há 30 na questão do HIV/aids. O risco [de um retrocesso] sempre existe, sempre há uma insegurança quando se muda o governo, mas temos que dialogar, acompanhar, monitorar e estar alertas para impedirmos isso”, explica.

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As declarações preocupam os youtubers Estrela e Comicholi, pois o estigma sobre a infecção ainda é grande. “Agora é nosso papel descobrir como construir um trabalho com uma base mais sólida, que se perpetue, independente de quem esteja lá no poder”, pontua Estrela.

Mortes por aids diminuem e tratamentos crescem

No início dessa semana, o Ministério da Saúde divulgou uma queda de 16% no número de detecção de aids e também uma diminuição histórica na taxa de mortalidades pela doença: 4,8 para cada 100 mil habitantes – uma queda de 16,5% em três anos, a maior desde 1996, quando o Brasil passou a disponibilizar a medicação.

O Ministério divulgou, ainda, que em 2018, 12,5 milhões de testes rápidos foram distribuídos no SUS e, até setembro, 585 mil pessoas estavam em tratamento. É mais que o dobro de 10 anos atrás. O autoteste está em projeto piloto em diversas cidades e tem previsão de ser distribuído em toda a rede do SUS em janeiro de 2019.

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