Imagine, só por um segundo, que o debate sobre as mudanças climáticas acabou. Donald Trump não é mais presidente, claro. A influência econômica e política da indústria dos combustíveis fósseis está em queda livre, negar as mudanças climáticas é um absurdo do passado de que só seus avós ainda falam, e todo líder político e empresarial no planeta tornou desacelerar o aumento da temperatura global em seu objetivo mais importante. Como seria viver nesse mundo?
Publicidade
Sua paisagem mental provavelmente inclui mais painéis solares e turbinas eólicas, estradas cheias de carros elétricos, prédios autossuficientes em energia, substituir combustíveis sujos por alternativas menos prejudiciais. Se esse é o caso, você provavelmente está ignorando uma grande parte da solução. Tecnologia limpa é essencial se queremos ter algum tipo de futuro a longo prazo. Mas essa é só uma parte de uma transição com potencial para reestruturar nosso sistema econômico prejudicial ao planeta e as políticas tóxicas que esse sistema criou. Sem o conhecimento da maioria das pessoas, mesmo aquelas que acompanham a questão das mudanças climáticas de perto, essa transição já acontecendo.Nas últimas semanas conversei com especialistas que não se veem como pensadores ambientais tradicionais, mas que estão liderando esforços para abordar a crise mais séria que a civilização já encarou. Pedi a eles para descrever um mundo onde suas soluções fossem implementadas nos níveis mais altos da nossa ordem política e econômica. E apesar das respostas serem tão diversas quanto suas origens, eles concordaram que o futuro que devemos construir para impedir o colapso ambiental pode ser muito mais próspero, igualitário e democrático do que o mundo em que vivemos atualmente. Essa é a boa notícia.Mas eles me alertaram que se errarmos a mão nessa transição, se não aderirmos a certas verdades fundamentais, arriscamos criar uma sociedade tão desigual e exploradora como a que vivemos atualmente.
Publicidade
Exemplos do nosso rompimento com atividades que destroem a natureza estão por toda parte. Temos a cidade de Richmond, Califórnia, processando a Chevron, seu maior empregador, por ajudar a causar as mudanças climáticas. Temos a Lubicon Lake Band instalando painéis solares no coração das areias betuminosas do Canadá. E a empresa de armazenamento de baterias de Los Angeles que está investindo $400 milhões no país do carvão dos Apalaches. Olhe mais de longe para ver essas histórias como uma imagem maior e seu impacto é impressionante. Pesquisadores da London School of Economics calcularam que um em cada dez trabalhadores americanos está ajudando a construir uma economia mais verde. A empresa de análise de Londres FTSE estima que a economia verde global vale $4 trilhões, o que se compara aos setores de petróleo e gás.“Podemos construir algo melhor do que o que temos antes de nos afastar dos combustíveis fósseis”, me disse May Boeve, chefe do grupo de defesa climática 350.org.Histórias sobre mudanças climáticas raramente dominam as notícia. E na era de Donald Trump, elas foram empurradas ainda mais para as margens. Muita da cobertura da cúpula G7 deste ano, que aconteceu no Quebec, por exemplo, se focou na antipatia pessoal entre Trump e o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau. Ainda assim, um comunicado divulgado pela cúpula, que Trump se recusou a endossar, sugere que um futuro progresso econômico é inseparável de ações pelo clima. “Isso é algo que ativistas exigem há anos: as mudanças climáticas no centro das geopolíticas globais”, escreveu o meteorologista e colunista do Grist Eric Holthaus depois da cúpula. “Agora isso está aqui.”
Publicidade
Mas ainda estamos longe de onde deveríamos estar. Um trabalho da Nature Energy de junho estimou que o mundo precisa investir mais $460 bilhões por ano nas soluções de clima em 12 anos se tem alguma esperança de não ultrapassar os 1,5 graus de aquecimento. Qualquer aquecimento além desse alvo, o que parece cada vez mais provável, aumenta drasticamente a exposição da humanidade a ondas de calor mortais, enchentes, doenças, secas e fome. Mesmo assim, isso não significa que estamos marchando direto para o colapso da civilização.“O tipo de caos que a maioria das visões apocalípticas descrevem… tipo 'Teremos canhões nos portos atirando em refugiados', esse tipo de coisa raramente reconhece como isso seria ruim para o capitalismo”, me disse Geoff Mann, coautor de Climate Leviathan, um livro explicando como a geopolítica precisa evoluir em resposta às mudanças climáticas. “Todos os estados mais poderosos estão ligados à saúde do sistema capitalista global, e não vão simplesmente jogar tudo fora e esquecer isso.”
Em vez disso, enquanto os impactos das mudanças climáticas se tornam mais desestabilizadores, empresários provavelmente vão pressionar políticos para dar uma resposta agressiva. A pressão que Mann descreve já está começando. Ano passado, Apple, Google, Facebook, Microsoft e 21 outras empresas colocaram um anúncio de página inteira no New York Times, Wall Street Journal e New York Post pedindo a Trump para manter os EUA no acordo climático de Paris, argumentando que “mudanças climáticas apresentam riscos para negócios e oportunidades de negócios”. (Trump ignorou o pedido.) No começo do ano. O Fórum Econômico Mundial, que realiza uma reunião anual em Davos, Suíça, juntando milhares de CEOs, líderes mundiais, celebridades e economistas, alertou que “o mundo precisa abordar mais rápido as mudanças climáticas para evitar o desastre”.
Publicidade
Mann prevê que um dia poderemos ver o surgimento de uma autoridade global representando os interesses de países e corporações poderosas que pode ajudar a coordenar e impor ações drásticas pelo clima no mundo todo. Esse mundo será muito mais sustentável que o de hoje, mas pode ser ainda mais desigual. E por isso Mann argumenta que “temos que garantir que essa transição não se baseie em injustiças ou desigualdades preexistentes ainda mais do que já se baseia”.O tempo para fazer isso está acabando. As pessoas com menos responsabilidade sobre as mudanças climáticas, como os sobreviventes do tufão nas Filipinas com quem me encontrei para a VICE ano passado, já sofrem mais do que os ricos que causaram isso. Mas todas as pessoas com quem conversei para esta matéria acham que uma transição global guiada pelos desejos e experiências das comunidades nas linhas de frente das mudanças climáticas ainda é possível. Aqui vai o que elas tinham a dizer:Humanos precisam de um lugar para morar e meios de transporte. Mas o jeito como a sociedade fornecesse essas necessidades é terrível para as mudanças climáticas. Muitas pessoas moram em prédios criados de maneira ineficiente e se locomovem com carros abastecidos por gasolina. Essas duas coisas – prédios e transporte – representam mais de um terço das emissões de carbono dos EUA. Há anos tratamos isso como um problema tecnológico, que pode ser resolvido por designers, arquitetos e empresários. Em Vancouver, Canadá, onde moro, uma construtora chamada Westbank construiu um prédio residencial de 43 andares que ganhou o certificado LEED Gold, um dos mais altos padrões de sustentabilidade. O prédio tem dezenas de estações de abastecimento para veículos elétricos. Os valores dos apartamentos começa em $1 milhão.E se tratássemos o impacto climático de prédios e transportes como um desafio social em vez de um desafio de engenharia? A Califórnia oferece um caso de estudo interessante. Na última década o estado aprovou algumas das legislações ambientais mais ambiciosas do mundo. Ainda assim, mais e mais pessoas estão se locomovendo com carros particulares. Anos atrás Vien Truong, uma organizadora de West Oakland, se encontrou com pessoas morando em comunidades de baixa renda para saber o que elas precisavam para se tornar mais sustentáveis. No topo da lista deles estava moradia acessível. Os preços crescentes da habitação na Califórnia empurrou pessoas de baixa renda para os limites das cidades, longe do transporte público. “É por isso que você precisa primeiro conversar com os membros da comunidade”, ela me disse.
Habitação acessível em massa
Publicidade
Em 2012, Truong ajudou a aprovar uma lei que redireciona um quarto da renda levantada pela “cap and trade” (um programa que faz poluidores pagarem para emitir carbono) na Califórnia para as comunidades que ficaram de fora do boom econômico do estado. Até agora, isso totaliza mais de $800 milhões. Moradia acessível próxima do trânsito é uma prioridade. “Não era só uma política ambiental”, diz Truong, que agora é chefe do Dream Corps, uma organização de justiça social iniciada pelo ex-consultor de Barack Obama Van Jones. “Foi um jeito de criar políticas que apoiam comunidades seguras e saudáveis.” Desde então ela tem falado com legisladores do mundo todo sobre essa experiência. “Acho que é um modelo que podemos replicar por toda parte”, argumentou Truong.
Mais educação para meninas
Publicidade
Chega de negar as mudanças climáticas
Publicidade
Se republicanos como Trump e Mitch McConnell começarem a acreditar nas mudanças climáticas, muitos americanos conservadores também podem mudar de opinião. Mas como você faz as elites de direita mudarem de lado? Um caminho seria uma administração democrata deliberadamente encolher as quotas de mercado de empresas de combustíveis fósseis. “Eu proibiria veículos a gasolina e diesel até 2035”, disse Roberts. “As pessoas iam surtar, mas no minuto que isso virasse lei haveria uma explosão de inovação.” Novas indústrias se aliariam atrás da transição para baixo carbono e começariam a fazer lobby em Washington. E empresas de combustível fóssil que ajudaram a convencer os republicanos a negar o consenso científico sobre mudanças climáticas perderiam influência. Quando isso acontecesse, negar as mudanças climáticas começaria a desaparecer das políticas nacionais.Isso poderia acelerar as ações em nível estadual. Em lugares como o Texas, muito do trabalho para tornar as plantações resistentes a secas, mudar para tecnologia limpa e se adaptar para um planeta mais quente está sendo realizado por pessoas céticas com a ciência, me disse Katharine Hayhoe, evangélica e cientista do clima da Texas Tech University. Mas isso não está acontecendo rápido o suficiente para impedir que as mudanças climáticas afetem a região. Se os negacionistas governando agora estados como Texas, Louisiana e Flórida aceitarem a realidade científica “isso pode mudar completamente o tom da conversa”, argumentou Hayhoe. “Você acrescenta um reconhecimento de urgência… Se você não reconhece que os humanos estão mudando o clima, então não reconhece que isso só vai piorar.”
Publicidade
Democracia mais forte
Publicidade
A experiência de gerar sua própria energia já está influenciando políticas dentro dos EUA. Quando empresas de combustível fóssil na Flórida apoiaram medidas que aumentariam impostos para usuários de painéis solares, Debbie Dooley, uma ativista do Tea Party que apoia Trump e defende o uso de energia renovável, ajudou a juntar outros grupos cristãos, libertários, de empresários e ambientalistas para se opor ao aumento de taxas – e eles venceram. Dooley me disse que painéis solares são atraentes para pessoas de todo o espectro político porque aumentam a liberdade. “Vejo um dia onde todo mundo vai poder gerar energia para a própria casa”, ela disse. “E mais liberdade individual vem disso.”