Como um gol contra na Copa de 1994 levou ao assassinato de Andres Escobar
Crédito: PA Images

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VICE Sports

Como um gol contra na Copa de 1994 levou ao assassinato de Andres Escobar

Duas décadas atrás, a promissora seleção colombiana não conseguia sair da sombra dos narcotraficantes.

Nas eliminatórias para a Copa de 1994, a Colômbia mandou ver. Passou invicta e levou apenas dois gols no caminho, com direito a um 5 a 0 na Argentina em Buenos Aires. Nos campos, tudo parecia destinado ao sucesso. Fora dele, porém, a situação era frágil, o que ficou claro quando, em meio às celebrações da classificação, dezenas de pessoas foram mortas e centenas acabaram feridas.

Já despido de poder, naquele momento, o traficante Pablo Escobar estava prestes a ser capturado e morto pelo infame Bloco de Busca. Ainda assim, o país ainda vivia uma guerra brutal contra o narcotráfico — o colapso do cartel de Medellín e a ascensão dos rivais de Cáli fizeram do início da década de noventa um dos períodos mais sanguinolentos da história do país.

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Foi nesse contexto de violência que a seleção colombiana viajou para os Estados Unidos em 1994. O fardo nos ombros era enorme. Os colombianos — entre eles, muitos torcedores de cartéis rivais — nutriam altas expectativas. O próprio Pablo Escobar era fissurado pela seleção. Acompanhava os jogos de seus esconderijos e ainda financiava a seleção por meio de suas supostas conexões com o Atlético Nacional e um programa de apoio. Os jogadores da Colômbia enfrentavam uma pressão sem igual, respondendo às expectativas dos criminosos mais letais e imprevisíveis do país.

O fardo da seleção não passou batido em sua estreia na Copa. Abriram o campeonato com uma triste derrota de 3 a 1 para a Romênia de Gheorghe Hagi no estádio Rose Bowl, em Pasadena, o extremo oposto da obliteração da seleção La Albiceleste no ano anterior. Rumores começaram a circular, dizendo que os cartéis do tráfico estavam tentando influenciar a seleção com ameaças de morte direcionadas ao técnico Francisco Maturana e ao meio de campo Gabriel Jaime Gomez, enviadas ao próprio hotel onde a seleção estava hospedada antes da partida contra os Estados Unidos. A partida seguinte era crucial, e os traficantes fizeram questão de deixar isso bem claro por todos os meios possíveis. Se a Colômbia perdesse para a nação anfitriã, já era! Restaria aos jogadores enfrentar os capangas mais temidos da América do Sul.

Escobar (à direita) em ação contra a Romênia // PA Images

A conjuntura ficou ainda mais complicada nas vésperas do jogo, quando se especulou que corriam milhões de dólares entre os sindicatos de apostas da Colômbia e dos Estados Unidos. Os jogadores colombianos estavam sem saída, entre ameaças de criminosos colombianos e americanos. Por fim, a pressão foi demais para eles e perderam por 2 a 1 em um jogo tímido, em que o zagueiro da seleção americana Fernando Clavijo reclamou de Faustino Asprilla por sequer tentar. A partida foi definida por um incidente no fim do primeiro tempo, quando Andres Escobar, zagueiro do Atlético Nacional, tentou cortar um passe e sem querer mandou a bola para dentro do gol.

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Apesar de vencer a Suíça por 2 a 0 em sua partida final, a Colômbia terminou a Copa do Mundo como lanterninha do grupo. A seleção, uma das promessas do campeonato, caiu em desgraça em sua terra natal, ainda mais depois de Asprilla dizer que "não era o fim do mundo". Embora a declaração tenha ressoado mal entre os colombianos, capaz que a futura estrela do Newcastle estivesse se referindo às ameaças feita aos jogadores, desabafando a sensação geral de que era melhor parar por ali do que seguir com perseguições e chantagens.

Depois da Colômbia se espatifar, convidaram Andres Escobar a passar um tempo nos Estados Unidos enquanto o clima esfriava em sua terra natal. O zagueiro recusou, certo de que seria bem-vindo em Medellín, embora ainda não tivesse se perdoado pelo fatídico gol contra. Cinco dias depois da eliminação da Colômbia na Copa do Mundo, com o campeonato ainda em curso, Escobar saiu com alguns amigos. Na danceteria El Indio, arrumou briga com um grupo de homens, que supostamente o irritaram por conta do pesadelo que foi o torneio. Ao deixar o local, levou seis tiros nas costas e na nuca, e o deixaram ali largado, sangrando até a morte.

Em um piscar de olhos, a imprensa atribuiu o assassinato de Escobar ao gol contra. Com a causa exata da morte ainda em aberto, é uma forte possibilidade. Foi um dos atos mais insensatos e brutais a acometer o mundo do futebol, e a mídia logo pescou a história, fazendo dela um marco da Copa de 94. O jornalista Phil Davison, do The Independent, chegou a relatar que um dos assassinos teria mandado um recado ao atirar: "Valeu pelo gol contra!". Já o The LA Times difundiu o boato macabro de que os assassinos gritaram "GOL!" a cada tiro.

Fãs lamentam a morte de Escobar na Copa do Mundo // PA Images

Pouco tempo depois, um homem chamado Humberto Castro Munoz foi preso e indicado pelos tiros fatais. No entanto, a crença geral era de que seus empregadores, os irmãos Gallon, é que haviam arquitetado o crime. Por serem veteranos do tráfico e magnatas dos jogos de azar, corriam às más línguas que queriam Escobar morto por conta do dinheiro que perderam com a derrota da seleção. Outras teorias emergiram desde então. No portal FourFourTwo, Henry Manace escreveu que talvez fosse uma disputa por uma mulher e que estavam julgando o evento arbitrário demais para uma cidade assombrada por homicídios casuais. De qualquer forma, na época, o assassinato de Escobar serviu de emblema para uma sociedade controlada pelo narcotráfico. O jornal local El Colombiano estampou a manchete "Unpardonable!" na primeira página, e centenas de milhares de colombianos transformaram o funeral do jogador em uma espécie de manifestação pacífica.

Embora Andres não fosse parente de Pablo Escobar, especula-se que, caso o barão do tráfico estivesse vivo, seu homônimo talvez não fosse assassinado. Por serem traficantes de Medellín, os irmãos Gallon jamais alvejariam um jogador de futebol, astro do Atlético Nacional, a não ser que estivessem dispostos a bancar a mais perversa das reprimendas. Pablo, no entanto, estava morto e enterrado, e o medo de sua ira implacável já não assombrava mais as ruas da cidade. De qualquer forma, se a Colômbia tivesse avançado para as eliminatórias, Andres Escobar não estaria na boate naquela noite e capaz que ainda estivesse vivo.

@W_F_Magee