Este artigo foi originalmente publicado na VICE França.Há quase 30 anos, a 5 de Junho de 1989, um homem enfrentou uma fila de tanques na Praça Tiananmen, em Pequim. Essa imagem icónica - que foi captada no dia seguinte às tropas terem entrado na praça e disparado sobre manifestantes pró-democracia - passou a representar a violenta repressão do governo chinês naquele Verão contra o movimento liderado por estudantes. Mas, por causa da natureza confrontacional da imagem e do que se seguiu, as pessoas tendem a esquecer que, até àquele ponto, as manifestações tinham sido bastante pacíficas. O fotógrafo da Magnum, Patrick Zachmann, estava em Pequim nas semanas que antecederam os actos de repressão por parte do governo. Abaixo, através das suas palavras e fotos, conta o que viu.
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*Cheguei a Pequim no dia 13 de Maio de 1989. Hu Yaobang, o ex-presidente do Partido Comunista Chinês, tinha morrido um mês antes. Yaobang foi altamente considerado como um reformador incorruptível que tentou construir um governo mais aberto. A sua morte desencadeou uma onda de protestos pró-democracia - no entanto, quando cheguei, os protestos tinham começado a diminuir.Fui à China com o objectivo de fotografar retratos de jovens em Pequim. Não tinha planeado documentar os protestos, na verdade, mas no caminho do aeroporto para o hotel, que ficava mesmo ao lado de Tiananmen, vi um pequeno número de pessoas reunidas na Praça. Caminhei até lá e percebi que os estudantes estavam em greve de fome.
Passei os 10 dias seguintes na Praça. Quando penso nisso, tive a sorte de estar lá no momento certo - não tinha ideia de que as manifestações iriam recomeçar. No início, era um dos poucos fotógrafos ocidentais presentes. Todavia, dois dias depois da minha chegada, a atmosfera mudou: Gorbachev chegou a Pequim para uma visita oficial e com ele imprensa de todo o Mundo.Vi em primeira mão como jornalistas chegaram à Praça com as suas câmaras, escadotes e walkie-talkies. Cada fotógrafo desembarcou com o seu próprio exército de repórteres e fixers locais. Não gostei da forma como alguns desses outros profissionais se comportaram. Foi a grande era do fotojornalismo, quando os repórteres saltavam para um avião assim que um conflito eclodia, passando de um para outro, muitas vezes sem muita compreensão do que realmente estava a acontecer.
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Como resultado, alguns deles agiram mal, tirando fotos dos jovens sem realmente falarem com eles para obterem as suas opiniões. Ainda assim, os estudantes foram incrivelmente receptivos - olharam para aqueles representantes da imprensa livre como heróis.
A atmosfera na Praça era uma mistura incomum de alegria e tensão, oscilando constantemente entre os dois. Foi lindo ver jovens a inventarem novas formas de resistência diante dos nossos olhos. Algumas pessoas desenvolveram pequenos workshops nos cantos da Praça, enquanto outras formaram sindicatos e fizeram cartazes. Os estudantes aprenderam rapidamente a organizar-se - muitos daqueles que ali se deslocaram para protestar acabaram por conquistar posições de autoridade, fazendo discursos para milhares de pessoas.Apesar de toda esta acção positiva, os manifestantes estavam em constante estado de preocupação. Eram constantes os rumores sobre tanques a circularem pela cidade, especialmente à noite. No decurso dos meus 10 dias e noites na Praça, essa tensão foi gradualmente corroendo a alegria, acabando por dar lugar à paranóia, que acabou por ser justificada à luz da terrível repressão que se seguiu.
Saí da praça no dia 23 de Maio, três dias depois de declarada a lei marcial e 10 dias antes do início da repressão. Mostrar estas fotos 30 anos depois é uma forma de recordar a coragem, a imprudência, a esperança meio louca e a liberdade que existiam antes da repressão.
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Abaixo podes ver mais fotos de Patrick Zachamann.
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