O Pior Lugar do Minecraft
Crédito das imagens: Andrew Paul

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Tecnologia

O Pior Lugar do Minecraft

Uma expedição ao 2b2t, um mundo fantástico cheio de possibilidades e terrores, como bonecos de Hitler e armadilhas nefastas.

Às vezes, quando penso sobre o fim do nosso planeta, imagino uma rede de servidores de games que continuará escondida após as bombas caírem; estará sem energia, mas intacta.

Visitantes intergalácticos farão uma paradinha por aqui séculos depois – ainda é minha imaginação, ok? – e, ao verem os equipamentos, rodarão os jogos em seus sistemas para ver o que tem ali. Mundos inteiros poderiam se revelar em instantes – céus virtuais, monumentos preservados por homens e mulheres que há muito se foram e mensagens entalhadas em montanhas pixelizadas.

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Embora irreais, essas paisagens cibernéticas atestariam que criaturas pensantes e criativas haviam vagado por este mundo físico.

O ambiente virtual dos games, afinal, não é um ciberespaço vazio e sem vida. Assim como suas contrapartes no mundo real, serve como janela para diversas culturas e histórias.

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Eu queria ver o que acontece quando não existem barreiras para nós; o que ocorre quando estamos livres para viver digitalmente e construir o que quisermos, quando quisermos e com quem quisermos? Como as pessoas reagem à possibilidade da liberdade criativa sem limites e que evidências deixam para trás?

"Minecraft", me disse um amigo quando expliquei isso tudo a ele.

"O quê?"

"É isso que você quer. Alguns lugares do jogo são simplesmente…" ele divaga.

"Nunca joguei", respondo.

"Sério?", ele pergunta, surpreso.

Dezenas de milhões de pessoas logaram no Minecraft desde seu lançamento cinco anos atrás. Devo ser o único nerd que nunca botou as mãos lá. Para mim, era o equivalente virtual de brincar com blocos.

"Cara, eu tenho mais de 200 horas registradas naquele negócio. Tive que parar."

Meneio com a cabeça, perplexo. Meu amigo está no primeiro ano de sua residência em psiquiatria. Tenho muito mais tempo livre que ele, mas, mesmo assim, não gosto de games com outras pessoas. Quando jogo, faço para ficar sozinho. Se quisesse me divertir com meus amigos, compraria um frisbee.

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"Procura pelo servidor 2b2t", sugere meu amigo, sem dar detalhes.

Foi o suficiente para mim. Baixei uma cópia do jogo, criei um personagem e fui ao bendito servidor que me foi sugerido. Em pouco tempo lá, tive certeza de que este será o farol que nos representará para as futuras gerações.

Materializo em uma espécie de torre sobre um vasto território de montanhas decrépitas e lagos de fogo. É noite, a escuridão quase total, mas noto à distância os olhos brilhantes de coisas grunhindo por pedreiras de granito sob a fraca luz do luar.

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Campos verdes. Céus azuis. Ovelhas cubistas fofinhas. Vilarejos singulares. Era isso que eu esperava. Mas não é o que vejo ao meu redor. Trata-se de uma implacável terra de ninguém, um mundo infernal em que um passo em falso não só me levará à morte, mas ao escrutínio público de minha ignorância virtual também. Avalio meus arredores mais uma vez, traço uma rota descendente e dou meu primeiro passo. Escorrego e caio o que seria o equivalente a um prédio de 75 andares até o térreo. O log anuncia "Andrew quebrou".

"Mandou bem, viadão", digita um jogador qualquer.

O 2b2t é tido como o maior e mais longevo servidor inalterado do game, um mundo fantástico cheio de possibilidades e terrores, Valfenda e Mordor em partes iguais. Não se sabe ao certo os números, mas, de acordo com um historiador do 2b2t, "cerca de 60.000 jogadores vagaram pelo mundo ao menos uma vez" e criaram um espaço tão enorme que o mundo virtual chega a quase 800 gigabytes. 2b2t é uma parada lendária.

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"Praticamente todo o mapa, do ponto de partida até 5 quilômetros depois dele, é uma terra de ninguém cheia de bases em ruínas, castelos e megaestruturas", escreveu um usuário do 2b2t em um post no Hacker News. "Geralmente os jogadores constroem suas bases em qualquer lugar entre 10-500km de onde surgem no jogo, e quando o fazem, constroem algumas das bases mais impressionantes que já vi no game. Um passatempo muito popular entre muitos dos jogadores regulares é caçar essas joias que foram abandonadas há anos."

"O 2b2t fornece uma experiência única para novos e veteranos de Minecraft", escreveu outro gamer em um post no Facepunch detalhando a história do servidor.

"Boa sorte e tente não morrer muito", é o conselho curto e grosso de outro usuário no mesmo post.

"Todos somos igualmente imprestáveis neste servidor. Ninguém liga se você for estuprado, sua base destruída, se seus amigos te traem e suas paradas são roubadas", disse outro, antes que um usuário resumisse bem o 2b2t:

"Bem-vindo ao Inferno de Minecraft."

"Não houve nenhuma razão em especial ou grande ideia; ele começou como qualquer servidor de teste genérico de Minecraft no final de 2010 em que eu e alguns amigos usávamos para jogar o game", me declarou via email um dos fundadores anônimos do servidor.

"Depois de um tempo decidimos abri-lo para ver quanta destruição poderia ser feita e começamos a anunciá-lo em diversos lugares da internet." Os fundadores fizeram a ronda usual em sites como Reddit, Facepunch e 4chan. Logo, centenas de pessoas entraram no 2b2t e se aproveitaram de sua liberdade anárquica.

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"Quando o servidor conseguiu uma base de gamers bem grande, encerrá-lo seria bem chato e triste para todos os envolvidos, então ele seguiu adiante, mesmo que muitos de nós já tivessem largado o game àquela altura. Só deixei ele rodando."

Por mais que agora tenha uma média de apenas vinte jogadores no servidor em qualquer dia da semana, sua manutenção ao custo de 90 dólares mensais não pesa quase nada no bolso de seus fundadores.

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"Algumas pessoas foram bastante generosas e mantiveram o servidor no ar por meses seguidos sem que tivéssemos desembolsar nada."

Pergunto se existe qualquer filosofia ou ética por trás do 2b2t. Por que as pessoas continuam voltando ao servidor se existem tantos outros com menos armadilhas mortais, paisagens mais limpas e menor utilização do termo "Bichanovata"?

"Em parte, jogadores entravam em um jogo de Minecraft e, logo que adentravam, viam aquela bagunça gigantesca, sem nada lhes dizendo o que fazer."

Levei algumas horas, mas enfim descobri como viver o bastante para escapar do pesadelo do ponto inicial. As coisas parecem mais tranquilas, mas não muito, fora do percurso de obstáculos. Algumas construções começam a surgir de longe. Rios fluem ao meu redor, uma ou duas minúsculas plantas crescem de pedacinhos de grama.

A experiência melhora muito ao desligar o chat, que agora é formado por três usuários que discutem se não tem problema usar o epíteto "pretinho" no vernáculo cotidiano.

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À luz do dia, longe do ponto inicial, o ambiente é menos hostil. Menos "Nas Montanhas da Loucura" e "Através do Espelho". Caminhos flutuantes se cruzam dentro e fora da tela, alguns vão além do horizonte, outros se encerram abruptamente acima de mim. Jardins esquecidos aparecem às vezes; colho algumas flores, supondo que serão úteis mais adiante.

O terreno é irregular. Se não tomar cuidado onde pisa, um mergulho fatal pode ocorrer a qualquer instante. Não sou cuidadoso e caio. De novo. Ressurjo, sem flores, no "Fosso do Desespero", e fico preso em uma fenda, o que me força a passar os próximos dez minutos pulando freneticamente para tentar sair dali.

Por ato de justiça divina gamer, um usuário disposto a ajudar aparece.

"Pule quando eu disser", ele digita, privadamente.

Faço isso e, após algumas tentativas, ele constrói um caminho para que eu possa escapar. Depois disso, me dá 60 melões.

Agradeço-o, apesar de não saber o que fazer com a tal fruta, e continuo rumo a novas áreas do mapa. Ligo o chat de novo, e um novo jogador se junto ao debate. Seus argumentos são muito mais diretos – ele só repete "Heil Hitler!" diversas vezes, sem parar. Os outros encerram sua discussão semântica.

"Que diabos esse cara tem?", alguém pergunta.

"Heil Hitler!", ele responde.

"É um bot ou o quê?", outro questiona.

"Heil Hitler!", ele responde novamente.

"Oi, sou novo aqui. Então em algum momento o povo construiu essa porra toda ao meu redor?", pergunto.

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"Se por porra você quer dizer meu belo castelo, sim", alguém digita.

"Heil Hitler!", diz o cara do Heil Hitler.

"Por que vocês continuam voltando nesse servidor?", pergunto.

"Drogas", alguém responde.

"Heil Hitler!", diz o cara do Heil Hitler.

"Honestamente, o que mais você esperava?", adicionam.

"Não muito, acho", digo.

"É meio que nem droga mesmo", outro usuário comenta. "Eu só continuo voltando".

Estou explorando um obelisco fálico gigantesco feito de frutas quando percebo que minha barra de energia está diminuindo. Não consigo entender o porquê – não tem monstros por perto. Logo, o inevitável acontece.

"Andrew morreu de fome", anuncia o chat.

"Sério? Depois de eu te dar 60 melões? Bicha burra", digita meu salvador.

"Heil Hitler!"

Depois, ao passar por uma suástica flutuante enquanto aguento a série de insultos anônimos – "Pretoso Pretinho BichaJudia", por exemplo – percebo que o 2b2t não representa o pináculo da perspicácia humana. Mas talvez sirva a outro propósito: mapear uma mente coletiva, nosso id virtual, visualizado e digitalizado para todo o sempre. Os altos, os baixos, as vozes irritantes da crítica, os pensamentos que preferiríamos não compartilhar – quem não passou por isso em algum momento?

De certa forma, o 2b2t é um retrato mais preciso da humanidade do que pensei inicialmente. Se esta era ou não a intenção de seus criadores, o jogo confere uma imagem de um fluxo sem restrições de consciência populista, a soma total de certo segmento de nossa espécie. O 2b2t é como qualquer mente humana: um plano em expansão sem fim, cheio de ideias belas e aterrorizantes, com uma ocasional voz ao fundo que lhe faz sentir um retardado.

Tradução: Thiago "Índio" Silva