Por Dentro do Maior Necrotério de Eletrônicos de São Paulo
​Uma pilha de eletrodomésticos da chamada linha branca. Crédito: Anna Mascarenhas/VICE

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Tecnologia

Por Dentro do Maior Necrotério de Eletrônicos de São Paulo

Demos uma volta no galpão da Coopermiti, a única cooperativa de São Paulo que participa do processo de reciclagem de eletrônicos.

​Apertados, digitados, friccionados, acionados, abertos e fechados, os eletroeletrônicos se dedicam horas a fio ou a bateria satisfazendo às vis necessidades humanas. Um mausoléu a eles não é só digno de tanto trabalho, como também necessário: o lixo eletrônico contém metais pesados que são tóxicos ao meio ambiente. A Coopermiti, em São Paulo, é um dos poucos centros do país capaz de dar um fim adequado a esses aparelhos que vão de televisões a computadores, passando até por vibradores — e a gente foi ver qual é a desse eletronecrotério.

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"Teve uma vez que veio só o motorzinho, uma bolinha, e o operário, inocente, achou que era para massagem", me disse Alex Pereira, enquanto apertava o rosto com os dedos imitando o funcionário que não desconfiou dos fins libidinosos daquele aparelhinho. Alex é o presidente da Coopermit. A organização ocupa um galpão de dois mil metros quadrados no antigo bairro industrial da Barra Funda. Por ali, grandes baias e caçambas guardam um sem fim de trecos que, embora pareçam muitos, não passam de um átomo do lixo eletrônico brasileiro.

Segundo um levantamento de 2014 da prefeitura de São Paulo, o brasileiro produz cerca de 2,8 quilos de lixo eletrônico por ano. De acordo com a ONU, contudo, a situação é ainda pior. Em um documento de 2010, o Brasil ficou entre os dez maiores produtores de e-lixo, com 1,5 milhão de toneladas de resíduo por ano. Isso significa dizer que cada pessoa no país produz, em média, sete quilos de porcaria eletroeletrônica, um índice maior que China e Índia. São valores muito além das possibilidades da Coopermiti ou de organizações similares, como o CEDIR (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática) da USP.

O Alex é diretor e cicerone dos jornalistas na Coopermiti. Crédito: Anna Mascarenhas/VICE

"Nós temos uma capacidade de trabalhar com cem toneladas de lixo por mês em um turno de dez horas. Atualmente, fazemos 35 toneladas por mês", explicou Alex. Reticente, ele sabe que nem operando a todo o vapor a Coopermiti poderia suprir a necessidade da cidade de São Paulo – que dirá do Brasil. O que cabe a sua cooperativa é a triagem, uma das setas do ciclo da reciclagem. "Quem recicla é a indústria que pega aquele material e faz virar outro produto através de um processo químico", disse ele.

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O lixo eletrônico chega ao galpão na caçamba de caminhões que circulam na cidade coletando, gratuitamente, equipamentos em todas as regiões. A preocupação com o meio ambiente começa no desenho de um roteiro em que a emissão de poluentes pelos veículos seja compensada pelo processo de reciclagem da cooperativa. "A gente mapeou toda a cidade e cada dia da semana a gente atende uma região", contou Alex. Feito isso, os equipamentos aposentados são pesados, separados em grandes jaulas e classificados em linhas.

Pilhas e baterias são uma categoria à parte. A linha marrom costuma ser aquilo que você tem na sala, como televisor, aparelho de som, tocador de CD e Blu-ray. A linha azul é formada por eletroportáteis que vão de secadores de cabelo a liquidificadores. A linha branca compete aos eletrônicos de médio e grande porte, como geladeiras e máquinas de secar. A última categoria é a linha verde, com resíduos de informática e computadores. "Essa é a única linha sustentável porque ela tem valor econômico. Ela tem metais mais nobres como ouro, índio e prata", disse Alex.

Tudo que chega é despejado em grandes caçambas. Crédito: Anna Mascarenhas/VICE

Nas tabelas da Coopermiti, consta que grandes empresas são as maiores responsáveis por esse tipo de lixo. Elas também são as mais interessadas nos metais nobres que esses resíduos podem gerar, embora Alex afirme que seja necessário algumas toneladas de placas e processadores para alguns gramas de ouro, por exemplo. Até que sejam passados pra frente, os milhares de aparelhos aposentados são desmontados seguindo métodos que, muitas vezes, foram criados pela própria cooperativa.

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"Muitos procedimentos a gente desenvolveu aqui. A desmontagem de equipamentos, por exemplo, a gente que desenvolveu", diz Alex. Enquanto operários de uma indústria tradicional montam aparelhos, os operários da Coopermiti desmontam máquinas com desparafusadores de vários diâmetros movidos a pressão do ar. Nem tudo é lixo, no entanto. "As pessoas jogam fora muita coisa nova", me disse o diretor da cooperativa enquanto apontava para seu computador, que veio do lixo.

As grandes empresas têm de fomentar, implantar e implementar a logística reversa

Outros aparelhos em funcionamento são destinados a instituições de caridade. Se algum espécime tecnológico das antigas chega por lá, Alex e sua equipe reservam o objeto para o museu da cooperativa. "Em 2008 nós montamos o Museu da Informática e da Tecnologia da Informação, o MITI. Em 2009 esse projeto virou um projeto de coleta de lixo eletrônico para fazer capacitação profissional e ao mesmo tempo possibilitar um acervo do museu que, até então, não havia."

A triagem separa tudo em grupos, como esses conectores. Crédito: Anna Mascarenhas/VICE

Em 2010, a prefeitura de São Paulo resolveu apoiar o projeto. O poder público cedeu o galpão na Barra Funda e isentou a cooperativa das despesas com transporte do lixo, água e luz. "A prefeitura exige certas contrapartidas, como destinação correta dos resíduos e resultado econômico para os cooperados", explicou o diretor da Coopermiti. A cada ano, cerca de 200 pessoas passam pela cooperativa em busca de um trabalho que lhes dê capacitação e, claro, sustento. Atualmente, cada cooperado recebe entre R$ 1.200 e R$ 1.500 por mês.

O acordo com a prefeitura permite que a cooperativa funcione gratuitamente na cidade de São Paulo. "Se fizéssemos isso sem apoio, seria mediante cobrança. As empresas nos pagariam por isso", afirmou Alex. A gestão em parceria permite que a Coopermiti seja uma das únicas iniciativas do tipo no país. "Muito lixo eletrônico está sendo incorretamente destinado. Ele vai para vários locais: lixão, aterro não controlado, terreno baldio. Estamos envenenando cada vez mais nosso ambiente e as pessoas não se dão conta disso."

Para Alex, as corporações têm muita responsabilidade nesse ciclo. A lei 12.305, de 2010, prevê que não só estado, mas também a fabricante tem de promover a logística reversa, o processo de destinação correta de produtos ao fim da sua vida útil. "As grandes empresas têm de fomentar, implantar e implementar a logística reversa. Elas precisam de um caminho reverso. Existem alguns projetos, alguns pilotos, iniciativas isoladas mas, como política, ninguém faz isso no Brasil. Diria que a reciclagem de eletrônicos no país é inexistente", disse Alex.

As grandes gaiolas que guardam os aparelhos antes da desmontagem. Crédito: Anna Mascarenhas/VICE

Não é preciso ser diretor da Coopermiti para observar que a tendência para os próximos anos é de crescimento para o resíduo eletrônico. Alex tem observado um aumento considerável de televisores de LCD nos últimos anos — cujo advento marca o começo da década. Na obsolescência programada, os aparelhos duram cada vez menos tempo. Embora viva do ciclo da reciclagem, Alex acha que esse esquema não tem futuro. "Talvez a gente tenha caminhado pra cadeia errada. Talvez a gente tenha que caminhar para uma cadeia em que o consumidor use muito um equipamento e a empresa ganhe com manutenção", divagou.