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Tecnologia

Um Passeio Fotográfico Pelos Esquecidos Fliperamas Russos

Uma visita ao Museu das Máquinas de Fliperama Soviéticas pode ser muito mais emocionante do que você imagina.
Se o periscópio parece realista, é porque a máquina foi construída em uma fábrica perto de Moscou especializada em "sistemas de controle para mísseis balísticos navais intercontinentais e complexos de artilharia"

Fui a Moscou neste outono e, uma vez lá, parei de beber para sempre. Eu não havia planejado isso, então como qualquer pessoa que se vê em uma antiga metrópole com inesperado tempo livre em mãos, peguei meu celular e Yandexei "museu de games Москва".

Foi um baita de um tiro no escuro, então foi uma agradável surpresa quando um local chamado Museu das Máquinas de Fliperama Soviéticas apareceu logo entre os primeiros resultados. De acordo com a descrição, o museu coleta, mantém e permite que seus visitantes joguem dezenas de fliperamas dos anos 70 e 80. Parecia ser exatamente o que eu procurava!

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Já bastante empolgada, cliquei no link e ali mesmo, na página inicial do site do museu, havia uma foto bem grande de Morskoi Boi (Batalha Marinha), meu jogo de submarino favorito da infância!

Na verdade, havia esquecido que esse jogo existia até ver sua foto no site do museu, mas, ver aquela foto e outras de alguns dos outros jogos no acervo do museu, como Freeway

Sou um robô amigável / com volantes no lugar das mãos

…e Basketball

Cada botão é mapeado para os buracos ali no campo; apertar o botão certo joga a bola para cima com um jatinho de ar

causaram uma prazerosa sensação de familiaridade instantânea que ao mesmo tempo parecia vívida e nublada, como ver alguém com as mesmas calças esquisitas que costumavam ser suas favoritas quando você tinha nove anos de idade. Eu apenas tinha que visitar o lugar o quanto antes.

No outro dia, peguei o irracionalmente imponente metrô moscovita rumo à estação Baumanskaya, cujo nome presta homenagem a Nikolai Bauman, cujo grande feito foi ter sido o primeiro bolchevique a ser morto por conta de suas crenças.

Saindo da estação, me vi em uma mini-purgatório-shopping a céu aberto com trocentos quiosques de celulares e clones da Panera da Nova Rússia. Após descer alguns quarteirões da Rua Baumanskaya, passando pelo campus da prestigiosa Universidade Técnica Bauman do Estado de Moscou (os soviéticos não eram conhecidos por sua sutileza nesse negócio de ídolos), esbarrei com os fundadores do museu enquanto posavam para uma sessão de fotos bem ali na entrada:

Tá, as coisas não deram tão certo assim. Os fundadores não estavam lá quando cheguei na entrada, mas essa é uma foto legítima de 2012, ao final da idade média da curta, porém dinâmica história do museu.

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Tudo começou em meados dos anos 2000, quando estes amigos perceberam partilhar de ternas memórias infantis de jogatina de games como Morskoi Boi, e então decidiram ver se conseguiriam por as mãos e restaurar algumas destas máquinas. Seus esforços iniciais tiveram resultados variados; erros foram cometidos e alguns dos fliperamas podem ter sido arruinados. O trio, contudo, logo percebeu que havia esbarrado em uma grande oportunidade – havia muitas outras máquinas como estas enferrujando pelo país e ninguém parecia querê-las ou entender seu valor.

Os games nem sempre foram tão negligenciados na Rússia e o boom dos fliperamas soviéticos de fato tem suas origens no Ocidente. Na antiga União Soviética (em 1971, para ser mais preciso), uma mostra de fliperamas no Centro do Parque Gorky Para Cultura e Recreação foi tão popular que seus organizadores decidiram comprar todos os jogos e cloná-los. Lembra daquela máquina de Morskoi Boi? Eis um anúncio de 1970 da Midway:

E aqui Basketbal, da SEGA, de 1966:

Crédito: Segabasketball1966.blogspot.com

A maioria dos cidadãos sovietes não tinha lá muita noção das coisas, provavelmente, e nem ligaria se soubesse que estava jogando imitações de jogos japoneses e ocidentais. As versões caseiras soviéticas tornaram-se populares e onipresentes, presença certa em acampamentos de verão, pavilhões de parques, centros de recreação e até mesmo estações de metrô.

Por dentro, estes clones estavam longe de serem réplicas exatas dos fliperamas ocidentais que os inspiraram. Os engenheiros responsáveis pelos projetos e construção destes tiveram que lidar com peças diferentes e restrições técnicas e orçamentárias diferentes. Isso levou a alterações nos circuitos e até mesmo a mudanças de implementação que alteravam direta, mesmo que sutilmente, o gameplay. Em Morskoi Boi, por exemplo, os torpedos do jogador só podem ser atirados em uma de oito direções, cada uma representada por luzes sobre o mar de vidro pintado.

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Vista através do periscópio de Morskoi Boi

Esta era uma construção mais confiável que os controles analógicos utilizados pela Midway, mas mudavam aquilo que Steve Swink chama de sensação do jogo, tornando-o mais difícil e menos previsível, já que agora a menor das movimentações no periscópio poderia resultar em uma mudança desproporcional na direção da mira. Para um designer de games de ação que passa bastante tempo pensando em controles – para alguém como eu – parece que se está jogando outro game, apesar das similaridades absurdas em termos de conceito, pontuação e design de máquina.

Muitos dos quase oitenta fliperamas construídos pelos soviéticos, clones ou não, refletiam um desejo de melhorar e também relaxar o jogador por completo, fazendo do governo soviético o pioneiro na tradição cagada de se misturar educação e entretenimento. Abaixo, uma página do manual técnico de Freeway, com sua declaração de intenções:

"1.1 Os jogos eletrônicos 'Freeway M' e 'Freeway-IM' (daqui em diante referenciados como 'máquina') tem como objetivo auxiliar na organização de recreação ativa e no desenvolvimento de qualidades como atenção, velocidade de reação, observação, raciocínio lógico, e navegação de situações complexas."

Aqui um jogo criado para melhorar a familiaridade do jogador com placas de trânsito:

Olhei pra esse treco e decidi que já estava familiarizada o bastante com placas de trânsito. Crédito: página do Facebook do Museu

E aqui outro criado para desenvolver a precisão nos tiros dos camaradas:

Há um peso na arma e no som quando um alvo atingido cai que diz "isso aqui é mais que um jogo, meu filho"

Mas meu Game Sério favorito no museu, porém, era o Motorace:

Parece um jogo de corrida inofensivo, certo?

O jogo seguia me punindo ao parar sem mais menos menos e resetar a posição da moto, me colocando de volta no campo. O sentimento era de uma imprevisibilidade cruel, me fazendo correr de forma tensa, ainda que tímida. Acontece que havia placas aparecendo na lateral da tela em intervalos aleatórios – placas que eu deveria obedecer. Meu erro foi ultrapassar o limite de velocidade enquanto tentava vencer a corrida.

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E aí haviam outros jogos que eram despretensiosamente bons, como Safari:

Uma precoce obra-prima de um só botão. Vou roubar a ideia, adaptar para dispositivos móveis e faturar muito

Você tem um dois minutos e tiros limitados para conseguir determinada quantidade dos três diferentes tipos de animais presentes no jogo. O game consegue passar muita profundidade com base no fato de que os animais mais próximos transformam-se em obstáculos assim que você atinge a quantidade estabelecida.

Havia ainda um ou dois jogos, como este ancestral de Dance Dance Revolution, que me fez sentir uma espécie de admiração daquelas que alguém sente ao se aproximar de uma presença sagrada antiga:

O objetivo jogo é atravessar o labirinto mostrado na máquina dentro do limite de 2 minutos. Para se mover pelo labirinto, o jogador aperta diferentes combinações dos quatro pedais representando as quatro direções cardinais. Por exemplo, para andar para frente, pressionam-se os dois pedais frontais.

Pare para pensar o quanto não surgiu e se espalhou a partir disto! (E agora se afastaram tanto de sua origem que provavelmente poderiam revisitá-la para conseguir alguma inspiração.)

Infelizmente, como você provavelmente imaginou, estas máquinas eram delicadas e com certa tendência a quebrarem, especialmente as eletromecânicas, cujo maior número de peças móveis significava de que precisavam de manutenção quase que diária. Esta espiadela dentro da Morskoi Boi deve dar uma boa noção:

As máquinas puramente eletrônicas tinham menos peças móveis, mas circuitos muito mais complexos. Abaixo, um diagrama de circuitos do manual técnico do simples jogo de corrida Autorally-M:

Tem mais uma dúzia de páginas só disso no manual

De acordo com o museu, as máquinas foram construídas em fábricas da defesa que produziam coisas como partes eletrônicas de mísseis e sensores de rendimento para testes nucleares subterrâneos. Isto fazia sentido, ainda que de maneira torta: as fábricas tinham as peças certas e engenheiros com conhecimento relevante. Mas isso também significava que um manual de manutenção de um jogo de corrida poderia ser considerado como um documento secreto, e que peças de reposição e conhecimento relacionado a isso seriam difíceis de serem obtidos após o colapso da União Soviética.

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A existência do museu é prova de que estes problemas não foram instransponíveis, mas encontrar as máquinas e trazê-las de volta à vida não foi fácil. No caos inflacionário pós-soviético nos anos 90, com tantos bens do estado para serem pilhados, pouquíssimo apetite público por lembretes icônicos da era soviética, e tantos jogos de computador para serem pirateados e jogados, não valia o esforço consertar e manter fliperamas antigos, ou incluir neles receptores de notas de dinheiro em vez das então inúteis moedas de 15 kopeck. Muitas máquinas foram deixadas quebradas, abandonadas e esquecidas.

Elas ainda estavam cultivando ferrugem em barracões de acampamentos de verão e porões de centros de recreação, quando os fundadores do museu passaram a procurá-las, e por mais que algumas tenham sido estripadas por entusiastas do rádio amador em busca de peças, muitas estavam mais ou menos inteirinhas e poderiam ser compradas à preço de banana por qualquer um disposto a levá-las embora. Já que ninguém tinha tomado para si a tarefa de restaurar máquinas de fliperama soviéticas há muito esquecidas, logo os rapazes se viram às voltas com a responsabilidade de conservá-las e também uma oportunidade de fazer negócios.

Seja lá o que foi que os motivou, os fundadores começaram a percorrer o país em busca de máquinas, e após restaurarem cerca de 36 destas a níveis operacionais, inauguram então a primeira versão do primeiro ramo do museu em 2007. O local utilizado era um antigo abrigo antibombas subterrâneo na universidade que alguns deles frequentavam:

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O museu não podia nem bancar cor naquela época. Crédito: página do Facebook do Museu

Logo espalharam-se notícias sobre a existência do museu entre a molecada, e o lugar logo atraiu um público jovem descolado:

Crédito: página do Facebook do Museu

Em 2010, o museu marcou seu terceiro aniversário com a mudança para sua atual casa na superfície. Desde então, mais dois filiais dele abriram em São Petersburgo e em Kazan.

A sede em Moscou parece estar indo bem – em minhas duas visitas, a maioria das máquinas estava funcionando e havia um fluxo regular de crianças e seus pais, turistas, e casais jovens desajeitados jogando os games e comprando mimos na lojinha de suvenires.

Ainda assim, um ar de incerteza paira sobre o futuro do empreendimento. O que acontecer quando as peças sobressalentes acabarem? Esta possibilidade não é das mais distantes em diversos casos. Por exemplo, o museu calcula ter 89% do estoque mundial de uma lâmpada usada em um dos jogos que já não é mais fabricada. O museu pode e encontrará substitutos, mas e se os preços não compensarem mais? Já existem preocupações quanto à filial de Kazan ser sustentável, levando em conta que as pessoas naquela cidade tem menos dinheiro disponível para ser gasto.

Sem o apoio institucional que museus de games como o The Strong recebem, a única maneira pela qual o museu poderia financiar o acervo e a conservação destas máquinas é através da exploração dos objetos que tenta conservar, o que significa que eles ficarão gastos mais rapidamente. Enquanto é questionável que a preservação de fliperamas antigos indefinidamente seja possível, fica claro que o modelo de operações do museu não durará para sempre. Talvez algum dia um rico filantropo tome para si a causa e crie um museu apropriado a partir desta franquia de fliperamas retrô, mas por enquanto, corra para Moscou enquanto as máquinas originais ainda funcionam.

Se uma viagem à Moscou não está nos seus planos, você pode experimentar jogar versões gratuitas em flash de alguns dos games do acervo do museu aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui.

Tradução: Thiago "Índio" Silva