​Um Papo com o Cirurgião Que Fará o Primeiro Transplante de Cabeça em Humanos
​Captura de tela: TEDx

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​Um Papo com o Cirurgião Que Fará o Primeiro Transplante de Cabeça em Humanos

"Este é o problema com o qual me deparo agora – a ética."

Sergio Canavero, um neurocirurgião italiano, usa uma banana para explicar a cirurgia mais complicada. Durante uma palestra TEDx na Itália no começo deste mês, o homem que quer fazer o primeiro transplante de cabeça em um ser humano esmaga uma banana em seu punho. Ela vira mingau – difícil de se juntar de novo. Mas se você corta a banana no meio com uma faca afiada, ele explica, não tem bronca. Não é tanto dano assim.

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[Esta é uma série dividida em duas partes​Leia a outra parte, uma entrevista com Valery Spiridonov, o homem que passará pelo procedimento.]

Essencialmente é isso que ele quer fazer com o pescoço de um homem. A longo prazo, é o que ele quer fazer com seu pescoço. Ele chama isso de protocolo "Gêmeos" de fusão da medula espinhal, que será utilizado para desempenhar uma anastomose cefalosomática, "a transferência cirúrgica de uma cabeça saudável para um corpo decapitado cirurgicamente sob condições hipotérmicas profundas", explicou em um artigo publicado em fevereiro.

Talvez o mais complicado de entrar na cabeça das pessoas seja o fato de que Canavero vê o transplante de cabeça anunciado apenas como o início. O objetivo não é só salvar as vidas de pessoas que sofrem com doenças musculares incuráveis. Seu objetivo é, eventualmente, permitir que você tenha um corpo clonado do seu e possa então usá-lo para se manter fisicamente jovem para sempre, ao fazer transplantes recorrentes para outros corpos cultivados a partir do seu próprio material genético (como você manterá seu cérebro – e rosto – jovem durante todo o processo é uma pergunta sem resposta).

Mas deixemos isso de lado por enquanto. Eis o plano para a primeira cirurgia: pegar duas pessoas (uma com a cabeça viva e um corpo deficiente, a outra com morte cerebral e um corpo saudável), cortar suas cabeças ao mesmo tempo, colocar a cabeça saudável no corpo saudável, e colar tudo como uma substância chamada polietilenoglicol, então esperar.

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​Valery Spiridonov nasceu com a doença de Wedning-Hoffman, uma doença degenerativa que atrofia os músculos. Ele não anda desde que tinha um ano de idade. Spiridonov é o primeiro voluntário para o transplante, e ficará em coma por cerca de quatro semanas após a cirurgia – espera-se que sua medula espinhal se recupere naturalmente, e que ele possa andar em mais ou menos um ano após a cirurgia.

Canavero calcula que serão necessários 13 milhões de dólares e uma equipe de 150 médicos para levar adiante uma cirurgia de 36 horas. Mas a explicação de como a coisa funciona é surpreendentemente simples. Células nervosas sabidamente não se recuperam rápido, se é que se recuperam, quando danificadas. Mas existem registros de casos em que a medula foi bruscamente decepada – por um tiro, por exemplo – em que uma pessoa volta a ter todos os seus movimentos. Como a banana, é mais fácil consertar a coluna quando ela é cortada com algo bastante afiado e do jeito certo, afirma Canavero.

"Sou outro tipo de neurocirurgião"

É uma possibilidade remota, no mínimo. Já se referiram ao caso como golpe de publicidade e Hunt Batjer, presidente da Associação Norte-Americana de Neurocirurgiões disse que Spiridonov pode se ver diante de um destino " pior que a morte", porque no caso de tudo dar errado, Spiridonov não terá como respirar normalmente. Canavero foi chamado de cientista louco e comparado ao Dr. Frankestein, o que não é injusto, levando em conta que ele ficou diante de uma enorme imagem de Frankenstein (e do Exterminador do Futuro), em sua palestra no TEDx.

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Dito isso, ele é um neurocirurgião de fato, e já houveram tentativas deste procedimento em macacos e ratos. Se um dia acontecerá mesmo? Ninguém pode afirmar com certeza, mas conversei com Canavero pelo Skype no final de semana para saber o que ele tem guardado para nós. A entrevista foi levemente editada por motivos de clareza e duração.

Crédito: TEDx

MOTHERBOARD: Na metade do Séc. XX, o Dr. Robert White fez transplantes de cabeça em macacos que não deram muito certo. O que muda no seu procedimento?

Sergio Canavero: Isso a que você se refere não era um procedimento do tipo Gêmeos. Este já era viável na época do Dr. White. O problema é que ele não era um neurocirurgião funcional. A possibilidade de juntar duas medulas cortadas do jeito certo já existia em 1986. Aí você me pergunta "O que aconteceu nos últimos 30 anos? Se é tão bacana por que ainda não fizemos?" Bem, o Dr. White estava vivo – ele poderia ter feito isso, e eu não estaria aqui, você não estaria falando comigo. O problema é que ele era um neurocirurgião gentil. Eu sou outro tipo de neurocirurgião.

Chamaram você de muitas coisas desde o anúncio deste procedimento.

Estou escrevendo um artigo em resposta às questões éticas. Este é o problema com o qual me deparo agora – a ética. Veja bem, estou muito feliz que Valery tenha dado este passo e anunciado a cirurgia. Essa é a minha resposta ao problema ético do tratamento de doenças terríveis. Se você quer saber porque estamos fazendo isso, vá até um hospital e encontre alguém com uma doença como a dele. Você verá o que eles fazem. Você fica preso em uma cadeira de rodas 24 horas por dia, quando defeca, precisa de alguém para recolher as fezes, quando urina, precisa de alguém para recolher a urina. Pense nisso. Converse com qualquer um que sofra com estas condições horríveis e você saberá porque estamos fazendo isso.

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"Você poderá ter um corpo novo. Aos 60 anos você começa a se clonar, e pronto, novinho em folha".

Nesse caso não há nenhuma questão ética. Minha resposta ao Dr. Caplan [nota: o Dr. Arthur Caplan escreveu um editorial descendo o sarrafo no plano de Canavero] é que ele não sabe do que fala. O louco é ele, não eu. Esta é a minha forma de reagir a estas terríveis doenças.

Quem vai bancar isso tudo?

Tenho pastas cheias de emails de gente disposta a passar pela cirurgia. Em Annapolis [durante uma conferência em junho onde falará mais sobre a cirurgia], pedirei a Bill Gates, Mark Zuckerberg e outros que assinem um cheque para que isso possa acontecer. Você pode escrever isso: pedirei a Bill Gates para patrocinar essa cirurgia.

Você parece confiante.

O que acontece também é que a Igreja Cristã Ortodoxa russa acaba de latir que se Valery passar por esta cirurgia, ele misturará sua alma com a do outro corpo. Isso é importante. É a verdadeira implicação deste procedimento – destruir religiões. Se fizermos a cirurgia e nada do que as religiões esperam acontecer, vai ser difícil pra elas – estaremos provando cientificamente que aquele ponto-de-vista específico está errado.

O que você pode me falar sobre Valery?

É um rapaz incrível. Deixa eu te dizer: é um herói, um cara corajoso pra cacete, mais que se possa imaginar. Ele é muito inteligente. Ele pensou nisso tudo e me abordou em junho de 2013, quando fiz meu primeiro anúncio. Tenho um monte de pacientes que gostaria de fazer a cirurgia, mas ele me contou sua história, e sua doença é bem comum para qualquer um envolvido com neurologia.

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Ele é um ser humano inteligentíssimo que vive em condições horríveis. Valery decidiu que a hora era agora e decidiu se expor.

Isso facilitou as coisas para você?

De certa forma, talvez. Quando digo que isso, antes tudo, é sobre curar doenças, ninguém entende. Ninguém vê o que isso significa além de médicos. Mas a visão de pessoas presas à cadeira de rodas ou deitadas durante décadas é assustadora. Vê-lo é um choque. Você acaba tendo mais resultado assim do que só dizendo "é para tratar doenças terríveis".

Então, por esse lado é bom, mas ele tem sido atacado demais. É um fardo. São tantas perguntas imbecis vindas da imprensa, é preciso manter a calma.

Você falou sobre extensão de vida, e sei que isso faz parte. Você quer transplantar cabeças humanas para corpos artificiais? É este o caminho que seguiremos em, digamos, 100 anos?

Há um erro aí. Você falou em 100 anos. Estamos falando em 20, 30 anos. Um período bem menor. Você quer saber das implicações disso, te falarei sobre elas. São estas aqui. Espero que você esteja sentado.

Crédito: TEDx

Concordo com os críticos, o primeiro vai sair mais como um calhambeque do que como uma Ferrari. Então o processo será melhorado, aperfeiçoado. Será mais rápido, não precisaremos de 150 pessoas nem durará 36 horas, poderá ser feito em um hospital perto da sua casa.

Clonagem não é algo disponível em grande escala ainda, e clones tendem a morrer rápido – eles adoecem com facilidade, não se pode clonar humanos ainda.

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Pense no futuro. O transplante de cabeças é agora viável. Úteros artificiais serão desenvolvidos e aperfeiçoados. No começo, será algo para ajudar quem sofre com doenças horríveis. Mas depois, quando a clonagem for disponibilizada, a história humana mudará para sempre. Eu, você, bem, com sorte eu, poderemos ter um corpo novo. Com um novo corpo, em um ano, você estará bem de novo. Aos 60 anos, você começa a se clonar, e pronto, novinho em folha.

Há mais gente envolvida nisso com você? Você tem apoiadores?

Hoje de manhã recebi o email abaixo, mas não o reproduzirei por completo:

"Caro Dr. Canavero, acredito que a ligação poderia ser feita com sucesso hoje. Gostaria de fazer parte da sua equipe. É o sonho de minha vida fazer cirurgias como esta. Eis o que tenho a oferecer: sou cirurgião ortopédico, mudei-me para os EUA há 15 anos. Trabalhei na UMass e na Faculdade de Medicina de Harvard com medicina regenerativa. Fiz 400 cirurgias experimentais em modelos animais e organizei cirurgias experimentais com 5 pacientes humanos, com resultados incríveis."

Blábláblá e por aí vai. O que é incrível mesmo é que ao ler os artigos, as pessoas dizem que isto é completamente impossível. Mas tive muito apoio, na surdina. Um bioquímico disse que religar a medula é possível, o que complica mesmo é a rejeição. Estão redirecionando tudo agora. O Dr. Batjer, que disse que Valery poderia ter um destino "pior que a morte", é cirurgião vascular. Cirurgião vascular cerebral, mas mesmo assim, não sabe de nada. Como alguém pode falar algo assim? É incrível.

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Parece que é complicado para as pessoas entenderem sua proposta, ou acreditar nela, imagino.

São 7 bilhões de pessoas no mundo, 8 bilhões em 2040, ou por volta disso, que não morrerão. Tem o que faremos com clones, e tem outros tantos que transplantarão seus cérebros para ciborgues. O que me incomoda com os ciborgues é o seguinte: como você se imaginar passando de 100 a 200 anos dentro de uma máquina? Fazendo o que? Eu proponho, e pode soar loucura, mas há um jeito de fazer o cérebro ter características hiper-hedonistas. Um dispositivo produtor de orgasmo [que desencadearia uma reação semelhante a um orgasmo, sem corpo]. Sei que parece loucura, mas acho que sou o rei dos loucos agora.

E quanto à outras propostas transhumanistas, como criar seres humanos digitais?

Eles querem nos digitalizar todos. Querem desincorporar os humanos, coisa que não oponho, mas quero manter um corpo. Gosto de mulheres, mas isso muda tudo. Nos permitirá conquistar o espaço. Se há garantia de que nosso tempo de vida será estendido, não me importo em morar no espaço.

Pelo jeito temos muitas opções aí.

Nunca existe uma única solução, há diferentes caminhos se abrindo. O que deve ficar absolutamente claro é que este século mudará tudo. Será o ponto de virada da história humana.


Tradução: Thiago "Índio" Silva