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Tecnologia

Testamos os Eletrodos que Induzem Sonhos Lúcidos

"Foi como se alguém estivesse espremendo meu cérebro."
Os eletrodos Moovs. Crédito: Cortesia da foc.us

Certa noite acordei de sonhos intranquilos – eu os percebia lúcidos.

Começou como sonho comum. Eu estava em cima de um carro que corria por uma estrada à beira de um abismo. Fiquei tão apavorada que algo aconteceu no meu cérebro. Algo me dizia que eu estava sonhando. O medo então virou diversão: passei a curtir a corrida à luz do luar. Não é assustador quando você sabe que não vai se machucar, afinal.

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Foi divertido, mas nunca procurei tentar de novo. Quando a foc.us – uma startup que criou um conjunto de eletrodos portáteis estimuladores do cérebro para induzir o sonho lúcido – me procurou, fiquei num misto de indiferença e curiosidade social.

Muitas pessoas desejam sonhar de forma lúcida e tentam isso de forma ativa todas as noites. Existem dezenas, se não centenas, de livros sobre o assunto. Fóruns na internet oferecem orientação, dicas e soluções de problemas aos aspirantes a sonhadores ativos. Há também uma quantidade considerável de pesquisa científica devotada ao fenômeno. Teve até um filme aí, chamado A Origem, que levou essa ideia a uma geração de sonhadores. Nós, humanos, parecemos obcecados com a possibilidade de controlar nossos sonhos.

Posso entender o encanto. Existe o desejo de viver fantasias – seja a habilidade de voar ou algo mais obsceno. E estudos sugerem que as pessoas que têm sonhos lúcidos são mais criativas e melhores na resolução de problemas. Alguns pesquisadores sugeriram que podemos ser capazes de praticar habilidades, criar ideias novas e resolver problemas em nossos sonhos. Não ligo muito para a parte do sexo, mas a ideia de conseguir funcionar mesmo quando estiver dormindo é bastante atraente, então pedi para a foc.us me mandar um exemplar para testar.

O kit "moovs" da foc.us, designado para sonhos, consiste em uma dúzia de pares de eletrodos com gel e um pequeno dispositivo de estimulação de corrente direta transcraniana (ECDt) similar a um iPod nano. O usuário põe um pouco de gel nos eletrodos, gruda-os nas têmporas, liga no dispositivo e roda um dos programas. O programa de sonhos lúcidos é projetado para estimular o cérebro após uma contagem regressiva de 10 minutos – o tempo para o usuário pegar no sono.

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De início, a foc.us foi projetada para os gamers. O intuito era estimular o cérebro antes do jogo e aprimorar o foco, de acordo com Michael Oxley, presidente e fundador da companhia. Mas depois que o dispositivo foi lançado, no ano passado, os usuários começaram a hackeá-lo para vários usos diferentes.

"Existem artigos importantes a respeito do aumento da memória de trabalho e o foco, recursos ideais para jogar", Oxley me contou pelo telefone. "Mas muitos de nossos clientes não estão usando o dispositivo para isso. Eles usam visando outros benefícios e percebemos que um dos mais populares é o sonho lúcido."

Oxley disse que um artigo publicado na Nature no ano passado – que mostrou que os sonhos lúcidos podem ser induzidos por meio da estimulação de raios-gama em uma pessoa dormindo – inspirou muitos clientes a tentar usar a foc.us da mesma forma. Assim, a equipe criou um programa novo desenvolvido para tentar gerar sonhos lúcidos.

"Uma carga positiva vai estimular uma parte do cérebro e uma corrente negativa vai meio que desligar aquela parte", Oxley afirmou. "As áreas de maior função na parte posterior do cérebro ficam ativas durante o sonho lúcido, então a ideia é que, se estimularmos a parte enquanto as pessoas estão dormindo, elas terão uma chance maior de ter sonhos lúcidos."

Oxley afirma que utiliza o dispositivo todas as noites e, apesar de não funcionar sempre, quando funciona é muito estimulante. Minha experiência, contudo, não foi tão empolgante. Apesar de o programa de sonhos lúcidos da foc.us enviar uma corrente tida como baixa (de 1,5 miliampères), foi muito alta pra mim. Os eletrodos começaram a pinicar minha cabeça e tive que tirá-los depois de três segundos. Para não perder a pauta, recrutei meus colegas de trabalho menos sensíveis. Não adiantou muito, porém.

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Adrianne Jeffries, nossa editora, arrancou os eletrodos durante o sono. Nada de sonhos lúcidos para ela. O editor-chefe Derek Mead disse que o dispositivo fez com que ele se sentisse "muito esquisito".

"Já usei dispositivos de estimulação craniana antes, então me preocupei mais em tentar pegar no sono com fios – durmo muito mal, já me disseram que faço muito barulho – do que com o efeito, mas foi muito mais esquisito do que pensei", Derek disse. "A corrente fez com que minha luminária de cabeceira de LED tivesse efeito de obturador que eu não esperava e, depois da primeira sessão de 10 minutos, não senti nada, desliguei tudo e esperei ficar estimulado por conta. Não sonhei nada naquela noite, mas já tenho sonhos malucos o suficiente."

Confesso não saber se há um grande mercado de pessoas que desejam colocar eletrodos na cabeça todas as noites só para voar e fazer sexo.

O colega redator Lorenzo Franceschi-Bicchierai disse que talvez tenha funcionado para ele, mas é difícil dizer com certeza.

"Senti uma dor esquisita na cabeça", Lorenzo disse. "Como se alguém estivesse espremendo meu cérebro. Quando peguei no sono, achei que estivesse em um sonho lúcido, mas acho que meu cérebro só quis achar que eu estava num sonho lúcido. Não lembro sobre o que era."

Assim, o Motherboard não teve muito sucesso no fronte dos sonhos lúcidos induzidos por meio da eletricidade. Oxley me disse que estão melhorando o dispositivo (ele quer deixá-lo sem fios e capaz de detectar quando uma pessoa está dormindo, em vez de depender da contagem regressiva), porém vale ressaltar o kit completo custa US$300 e há muitas formas gratuitas de ter sonhos lúcidos.

Mesmo se o dispositivo funcionar, não sei se há um grande mercado para as pessoas que desejam colocar eletrodos na cabeça todas as noites só para voar e fazer sexo.

Oxley disse que ainda vou me surpreender. "Ficamos impressionados", afirmou. "Vendemos nossos primeiros dois lotes muito mais rápido do que imaginamos e agora tem duas grandes empresas no Vale do Silício fazendo a mesma coisa. Pode ainda ser um mercado pequeno, mas logo mais veremos a Apple vendendo um estimulador cerebral."

Ok, não duvido; talvez funcione para muita gente, mas, de qualquer jeito, acho que não vou comprar. Prefiro fazer meu trabalho do jeito antigo: enquanto estou consciente.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri